Brasil cria aliança contra fome com apoio de 82 países e US$ 25 bi em caixa

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Por Amanda Rossi e Letícia Casado no UOL | 18/11/2024

O Brasil lançou nesta segunda (18) no G20 a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, principal iniciativa do governo Lula na cúpula das nações mais ricas do mundo. Mais de 80 países já aderiram à iniciativa. Quando a ideia começou a ser discutida com as delegações internacionais, houve resistência à criação de mais uma iniciativa contra a fome, já que há outras em curso.

Leia íntegra do discurso do Presidente Lula

O que aconteceu

  • Governos de 81 países aderiram à aliança até domingo (17). Isso representa um de cada quatro países do mundo. É praticamente o dobro dos 41 que haviam se juntado à iniciativa até a última sexta-feira (15), quando o governo brasileiro realizou uma rodada em busca de novas adesões. Mais países podem aderir no futuro, e a expectativa do Brasil é que o número final se aproxime de 100.
  • Um único banco, o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), anunciou um aporte de US$ 25 bilhões (R$ 146 bilhões no câmbio atual), sujeito à aprovação da diretoria. Os empréstimos serão destinados a projetos na América Latina e no Caribe. Ao todo, nove instituições financeiras aderiram à aliança.
  • Aderir à aliança significa que os países anunciaram compromissos para reduzir a fome e a pobreza — a maioria, no âmbito nacional. Um número menor também prometeu conceder recursos para auxiliar na implementação de políticas públicas em regiões em desenvolvimento. É o caso da Noruega.
  • Os projetos anunciados pelos países envolvem, principalmente, aumentar o número de pessoas em programas sociais. Muitos pretendem expandir iniciativas nacionais que já estão em curso. Outros pretendem criar novos projetos, a partir da experiência de outros países membros da Aliança, como o Brasil.
  • Os indicadores ligados à fome e à pobreza no mundo vinham em queda, mas voltaram a subir pouco antes da pandemia. Segundo a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), havia 798 milhões de pessoas com fome em 2005. Até 2017, o número caiu para 541 milhões. Em seguida, voltou a crescer paulatinamente, chegando a 733 milhões em 2024.
  • O governo Lula aposta alto: diz que os compromissos anunciados vão expandir programas de transferência de renda para 500 milhões de pessoas. Também espera que novos programas de merenda escolar atinjam mais 150 milhões de crianças. E programas de saúde materna e primeira infância impactem 200 milhões de mulheres e crianças.
  • Mas o número de 500 milhões de pessoas não foi detalhado, então não se sabe em que regiões do mundo elas estão. Isso corresponde a duas vezes e meia a população do Brasil. O número também equivale a dez vezes o total de beneficiários do Bolsa Família, o maior programa do tipo no mundo. E representa sete de cada dez pessoas que passam fome no mundo hoje.
  • Presidente Lula (PT) criticou o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro em seu discurso. Ele citou que o Brasil voltou ao mapa da fome na gestão passada e afirmou que vai retirar o país dessa condição até 2026. O presidente não citou Bolsonaro diretamente, mas afirmou que o retorno do país ao mapa da fome se deu “em um contexto de desarticulação do Estado de Bem-Estar Social”

É como se as populações do Brasil, México, Reino Unido, África do Sul e Canadá, somadas, estivessem passando fome.
Lula, em fala de lançamento da aliança e abertura do G20

[A Aliança] é fundamental. O G20 junta hoje os países mais poderosos do mundo. Até agora, discutiu muito comércio. Na crise financeira de 2008, o G20 ocupou um papel central. Agora, estamos com uma crise social muito forte. Tem que juntar toda a capacidade (de ação). A FAO é uma delas.

Temos o maior número de conflitos armados desde a Segunda Guerra Mundial e a maior quantidade de deslocamentos forçados já registrada. Os fenômenos climáticos extremos mostram seus efeitos devastadores em todos os cantos do planeta.

(Para funcionar) tem que ser tangível. Já passou a fase de falar, falar, falar. Se tem uma coisa que a gente não pode fazer é falar de forma genérica. Tem que colocar elementos concretos: ‘tem que fazer X, tem que se concentrar em tais países’.
Mario Lubetkin, diretor regional da FAO para América Latina e Caribe

Desconfiança inicial da iniciativa

  • O Brasil iniciou reuniões com delegações estrangeiras para tratar da aliança no início deste ano. A ideia havia sido anunciada um pouco antes, no final de 2023, quando o Brasil assumiu a presidência do G20 (a cada ano, um país fica no comando do bloco; em 2023, foi a Índia; em 2025, será a África do Sul).
  • Em um primeiro momento, alguns países demonstraram resistência à ideia, porque já há outros mecanismos de combate à fome. Só na ONU existem duas importantes agências focadas no tema: a própria FAO e o PMA (Programa Mundial de Alimentos). Em 2012, o G8 (grupo das oito maiores economias do mundo, que não inclui o Brasil) criou a “Nova Iniciativa para Segurança Alimentar e Nutrição”, prometendo tirar 50 milhões de pessoas da pobreza na África em dez anos, mas “falhou em cumprir as promessas e desapareceu silenciosamente da arena pública”, segundo pesquisa da Universidade Charles em Praga.
  • Governo Lula buscou convencer os demais países de que era necessário uma nova iniciativa, devido ao grande número de pessoas com fome. Participaram das negociações o Itamaraty e o MDS. A linha de convencimento envolveu apresentar estatísticas sobre a situação de fome e pobreza no mundo e argumentar que era preciso, sim, uma nova ação coletiva. Após meses de reuniões, a iniciativa foi oficialmente anunciada por Lula em julho.
  • Não é a primeira vez que Lula lança uma iniciativa do tipo. Em 2004, em seu segundo ano de mandato, o presidente encabeçou uma “ação contra a fome e pobreza”, com adesão imediata de 107 países. Mas o projeto teve poucos resultados concretos.
  • O MDS sustenta que, desta vez, a aliança vai prosperar e obter resultados concretos. Em um primeiro momento, serão criados dois escritórios: um em Brasília, na sede do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), e outro em Roma, na FAO. A ideia é, após um ano, fazer um balanço dos resultados alcançados.
  • A aliança estabeleceu um “conselho de campeões”, formado por países e instituições que terão a missão de ajudar a operacionalizar a iniciativa. Hoje, o grupo é composto por Brasil, Bangladesh, China, Alemanha, Noruega, Portugal, África do Sul, Reino Unido. Também fazem parte União Europeia, instituições multilaterais como a FAO e o BID.

A Aliança reprioriza o combate à fome e à pobreza na agenda internacional. É a possibilidade de cooperar em um mundo que não coopera mais. Um suspiro para esse multilateralismo que está se afogando. O salto é menor do que anunciado. Mas, ao mesmo tempo, são nessas pequenas coisas em que é importante avançar hoje.
Laura Waisbich, pesquisadora do Articulação Sul, foi diretora do Centro de Estudos Brasileiros de Oxford

A ideia da Aliança é fazer um grande esforço conjunto para recuperar o ritmo para atingir as metas 1 e 2 dos Objetivos do Milênio, da ONU (erradicar a pobreza e acabar com a fome até 2030). Durante a pandemia, o mundo retrocedeu na trajetória rumo a essas metas.
Rafael Osorio, pesquisador do Ipea, que participa da estruturação da Aliança

Carteira de empréstimo de US$ 25 bilhões

  • Nove instituições financeiras também aderiram à aliança. Entre elas o BID, o Banco Mundial, o Banco dos Brics (dirigido pela ex-presidente do Brasil Dilma Rousseff), além de bancos de desenvolvimento e investimento da Europa e da Ásia.
  • O BID foi o banco que anunciou o maior aporte até agora: US$ 25 bilhões em empréstimos para projetos na América Latina e Caribe. O valor está sujeito à aprovação de instâncias colegiadas do banco. Liderado por um brasileiro, o ex-presidente do Banco Central Ilan Goldfajn, o BID também prometeu doar US$ 200 milhões para países estruturarem programas sociais para combater a fome e a pobreza.
  • O Brasil não pretende destinar recursos para outros países da Aliança. Nem doação, nem financiamento, nem perdão de dívida. É uma distinção em relação à política externa dos dois primeiros governos Lula (2003-2010), quando o Brasil perdoou valores altos de dívidas, concedeu empréstimos via BNDES para obras de infraestrutura e aplicou dezenas de milhões em projetos de cooperação.

Veja a lista dos participantes

  1. Alemanha
  2. Angola
  3. Antígua e Barbuda
  4. África do Sul
  5. Arábia Saudita
  6. Armênia
  7. Austrália
  8. Bangladesh
  9. Benin
  10. Bolívia
  11. Brasil
  12. Burkina Faso
  13. Burundi
  14. Camboja
  15. Chade
  16. Canadá
  17. Chile
  18. China
  19. Chipre
  20. Colômbia
  21. Dinamarca
  22. Egito
  23. Emirados Árabes Unidos
  24. Eslováquia
  25. Estados Unidos
  26. Espanha
  27. Etiópia
  28. Federação Russa
  29. Filipinas
  30. Finlândia
  31. França
  32. Guatemala
  33. Guiné
  34. Guiné-Bissau
  35. Guiné Equatorial
  36. Haiti
  37. Honduras
  38. Índia
  39. Indonésia
  40. Irlanda
  41. Itália
  42. Japão
  43. Jordânia
  44. Líbano
  45. Libéria
  46. Malta
  47. Malásia
  48. Mauritânia
  49. México
  50. Moçambique
  51. Myanmar
  52. Nigéria
  53. Noruega
  54. Países Baixos
  55. Palestina
  56. Paraguai
  57. Peru
  58. Polônia
  59. Portugal
  60. Quênia
  61. Reino Unido
  62. República da Coreia
  63. República Dominicana
  64. Ruanda
  65. São Tomé e Príncipe
  66. São Vicente e Granadinas
  67. Serra Leoa
  68. Singapura
  69. Somália
  70. Sudão
  71. Suíça
  72. Tadjiquistão
  73. Tanzânia
  74. Timor-Leste
  75. Togo
  76. Tunísia
  77. Turquia
  78. Ucrânia
  79. Uruguai
  80. Vietnã
  81. Zâmbia
  82. Argentina
  83. União Africana
  84. União Europeia

Publicado originalmente no UOL
https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2024/11/18/g20-alianca-contra-fome-pobreza-numero-paises-valor-prometido.htm