O estímulo à agricultura familiar e o acesso à tecnologia são essenciais à preservação da floresta
Por Thiago Lima e Erbenia Lourenço na Carta Capital | 09/08/2023
A Cúpula da Amazônia, que ocorrerá nos dias 8 e 9 de agosto, em Belém tem como objetivo formar uma coalizão para as negociações climáticas internacionais, incluindo a COP 30, que acontecerá em 2025 na mesma cidade. O presidente Lula defendeu Belém como sede da COP 30 destacando a importância de se conhecer a Amazônia para entender o desafio de conservar a floresta, desafio este diretamente relacionado com os problemas sociais da região.
Visando contribuir com este debate, o Instituto Fome Zero organizou o seminário Regionalismo Amazônico: pode o combate à fome orientar políticas públicas que conservem o meio ambiente?, com ativistas e especialistas em Amazônia. O evento concluiu que promover a segurança alimentar e nutricional é fundamental para sustentar a biodiversidade e que soluções como empreendedorismo, políticas públicas inclusivas e valorização do conhecimento local são essenciais.
Frutos e outros produtos alimentares locais, como o açaí, podem contribuir para o desenvolvimento sustentável da região, mas é necessário enfrentar a informalidade no processo produtivo e as forças de mercado que prejudicam a renda das famílias amazônicas. Políticas públicas de apoio aos pequenos produtores e à diversificação da produção, bem como o desenvolvimento de inovações técnicas em parceria com o conhecimento tradicional, são importantes para melhorar a qualidade de vida das comunidades locais.
Políticas como o Programa de Aquisição de Alimentos e a Política de Garantia de Preços Mínimos para os Produtos da Sociobiodiversidade podem ser parte da solução, mas possuem obstáculos que precisam ser superados. A burocracia governamental, a falta de infraestrutura de transporte e de comunicação, além de serviços básicos de apoio ao cidadão, atrapalham a efetiva adesão e inclusão de mais produtores nos programas. Além disso, os preços pagos por estes programas precisam, efetivamente, gerar uma renda digna.
Em termos de infraestrutura, um elemento incontornável é o acesso à internet. A difusão de conectividade virtual é essencial por causa das enormes distâncias, da dispersão das coletividades nos territórios, assim como das inerentes dificuldades de locomoção. A integração à rede mundial de computadores pode eliminar a necessidade de custosas viagens para resolver questões burocráticas corriqueiras e próprias das políticas públicas. Mais do que isso, pode facilitar a resolução de problemas técnicos em maquinários, economizando tempo e recursos com o deslocamento de especialistas. A conexão virtual entre produtores e mercados pode abrir novas oportunidades de negócios, inclusive diminuindo a atuação de atravessadores, garantindo uma renda maior para as famílias e produtos com menor custo e maior qualidade para o consumidor final.
Com relação ao empreendedorismo, a industrialização pode ser aliada da segurança alimentar e nutricional, especialmente se houver foco no mínimo processamento dos produtos para gerar empregos, agregar valor e, ao mesmo tempo, ofertar alimentos saudáveis. Para isso, órgãos de fomento são fundamentais para facilitar o acesso ao crédito para as comunidades, cuidando para não induzir endividamento nocivo.
Um exemplo de desafio para empreendedores e gestores públicos é trabalhar por uma transição alimentar em escolas, incluindo mais alimentos da floresta nas merendas, como uma forma estratégica de formação cultural e de consumidores locais. Experiências locais sugerem que a utilização alimentos amazônicos precisam vir com preparações gostosas, além de embalagens bonitas e práticas para ganhar o imaginário das comunidades e substituírem alimentos ultraprocessados.
Simultaneamente, a produção de subsistência ou para diversificar a alimentação é fundamental para garantir melhores condições de vida, tanto nas áreas urbanas quanto nas mais afastadas. Apoiar roçados e o cultivo em quintais, seja para o consumo familiar ou para os mercados locais, são ações que podem melhorar o balanço nutricional, a manutenção de tradições alimentares e a biodiversidade. Por isso, o foco de políticas públicas em pequenos produtores e na agricultura familiar é essencial. Porém, para que estas políticas sejam efetivas, elas precisam ser inclusivas, permitindo a participação dos povos locais ao serem formuladas. Elas precisam garantir renda, bem como também acesso a terras e águas adequadas às populações locais, além de insumos apropriados e, muito importante, oportunidades de estudo e de formação.
Cabe destacar, aliás, outro aspecto que impacta a renda dos produtores: políticas públicas que estimulam cadeias longas de produção e comércio, principalmente com vistas ao mercado externo. Estudos sobre a cadeia do açaí, por exemplo, apontam que alimentos mais sustentáveis, acessíveis e que garantem melhor remuneração aos produtores locais estão em circuitos curtos de produção e consumo. Criar as condições para a internalização das cadeias de beneficiamento de matéria-prima amazônica, em seu entorno territorial, pode aumentar a renda e melhorar o acesso a alimentos.
Finalmente, é importante considerar a inclusão das mulheres e fortalecer as associações locais para coproduzir políticas públicas adequadas às necessidades das comunidades. Experiências bem-sucedidas podem colocar um eventual bloco amazônico em destaque nas negociações climáticas internacionais e atrair mais investimentos e cooperação internacional para o desenvolvimento da sociobiodiversidade. A Cúpula da Amazônia é um momento propício para pactuar a realização de iniciativas deste tipo e, com isso, superar a simples perspectiva de preservação da floresta.
Thiago Lima é coordenador do Grupo de Pesquisa sobre Fome e Relações Internacionais (FomeRI) da UFPB. Membro do Instituto Fome Zero.
Erbenia Lourenço é mestra em Gestão Pública e Cooperação Internacional pela UFPB e pesquisadora do FomeRI.
A Fundação Heinrich Böll – Brasil, apoia esta iniciativa do Instituto Fome Zero