Para ter chance de sucesso, precisamos garantir que os compromissos financeiros dessa nova iniciativa se complementem, evitando a fragmentação que tanto prejudicou as outras no passado
Por José Graziano da Silva e Walter Belik no Valor Econômico | 27/11/2024
Erradicar a pobreza e a fome não só alivia o sofrimento de milhões de pessoas, como também cria as bases necessárias para alcançar os outros objetivos da Agenda 2030. Mas para garantir um futuro sustentável, não basta simplesmente oferecer ajuda imediata às populações vulneráveis: é necessário transformar os atuais sistemas económicos em que vivem. Devemos ter processos econômicos mais resilientes às alterações climáticas, ambientalmente sustentáveis, menos desiguais e mais inclusivos. Contudo, estas palavras genéricas, que parecem resolver tudo no papel, precisam ser traduzidas em políticas públicas concretas com ações imediatas.
A luta global contra a fome e a pobreza, em um cenário de emergências climáticas crescentes, exige soluções urgentes. O tempo está se esgotando. Restam menos de seis anos para terminar o prazo da Agenda 2030, e a realidade mostra que estamos longe de cumprir a maioria dos objetivos estabelecidos. Vale mencionar que os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 1 e 2, que visam erradicar a pobreza extrema e acabar com a fome, estão entre os mais distantes de serem atingidos.
A crescente frequência de crises, sejam elas climáticas, sanitárias ou econômicas, só tem dificultado ainda mais a conquista dessas metas essenciais. As guerras e conflitos com os quais convivemos atualmente pioram ainda mais esse cenário. Manter a paz, objetivo fundamental da criação das Nações Unidas no pós-guerra, é condição “sine qua non” para alcançar os objetivos do desenvolvimento sustentável.
Na verdade, o que vimos nos últimos anos foi uma série de pelo menos 12 iniciativas globais lançadas para combater a pobreza e melhorar a segurança alimentar que não obtiveram os resultados esperados. Por incrível que possa parecer e salvo o engano , não há ainda uma avaliação externa disponível sobre essas iniciativas que nos ajude a identificar as razões dos seus fracassos.
Fato é que a falta de uma cooperação internacional que assegure o seu financiamento ao longo do tempo pode ser listada, sem dúvida alguma, como uma dessas razões, senão a maior delas. Sem recursos assegurados, iniciativas que começam com grande potencial acabam se dissolvendo em pequenos projetos-piloto, sem gerar o impacto necessário, nem garantir sua continuidade.
Para superar esses desafios, é essencial que o financiamento seja de longo prazo, com um fluxo contínuo que apoie não apenas as ações emergenciais, mas, sobretudo, políticas estruturais que possam promover a resiliência futura dos sistemas alimentares. Não podemos continuar com respostas pontuais e descoordenadas, que focam no alívio imediato, mas deixam de lado a necessária adaptação às mudanças climáticas em curso. Sem uma abordagem bem articulada internacionalmente entre países doadores e receptores, as metas de erradicar a miséria e a fome continuarão fora do alcance da Agenda 2030 e serão apenas um símbolo de aspirações não realizadas.
A Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, proposta atualmente pela presidência brasileira do G20, representa mais uma tentativa de consolidar esses esforços. Esta iniciativa chega em um momento crítico no qual a estimativas em relação à população mundial desnutrida, assim como em relação à pobreza absoluta estancaram, interrompendo a sua lenta trajetória de redução.
O recente anúncio de que o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), também conhecido como Banco dos Brics, integrará a base de financiamento da aliança, é um passo importante. Entretanto, esse financiamento deve ser parte de um esforço internacional mais amplo, garantido por um mecanismo financeiro global que seja capaz de sustentar as ações de longo prazo, promovendo soluções que integrem a proteção da segurança alimentar, a adaptação às mudanças climáticas e a tão desejada maior justiça social.
Parece óbvio que, para ter chance de sucesso, precisamos garantir que os compromissos financeiros dessa nova iniciativa se complementem, evitando a fragmentação que tanto prejudicou as outras no passado. Ou seja, não basta criar novas iniciativas — é preciso também aprender com os erros cometidos, e uma boa avaliação externa ajudaria muito nesse momento em que não podemos errar, pelo menos para não repetir os erros anteriores.
José Graziano da Silva e Walter Belik são diretores do Instituto Fome Zero
Publicado originalmente no Valor Econômico
https://valor.globo.com/google/amp/opiniao/coluna/o-grande-desafio-da-alianca-global-contra-a-fome-e-a-pobreza.ghtml