Orçamento público e envelhecimento populacional no Brasil

  • Tempo de leitura:4 minutos de leitura

Blog do IFZ | 05/05/2025

Baixe aqui o estudo “Orçamento Público e Envelhecimento Populacional no Brasil

O Brasil enfrenta um envelhecimento populacional acelerado e desigual, cujos efeitos deveriam incidir diretamente sobre a organização e priorização dos recursos estatais. Nesse cenário, o estudo “Orçamento Público e Envelhecimento Populacional no Brasil“, de Jader José de Oliveira, revela-se uma análise criteriosa que articula dados orçamentários, crítica institucional e sensibilidade social para evidenciar as tensões entre o crescimento das demandas da velhice e a retração dos mecanismos de financiamento público destinados a essa população. Trata-se de um trabalho que vai além da dimensão técnica dos números, desvelando o paradoxo fundamental da política orçamentária contemporânea: a expansão das necessidades sociais diante da rigidez fiscal e da perda de força dos instrumentos de participação cidadã.

O Benefício de Prestação Continuada (BPC), voltado a idosos em situação de pobreza, manteve-se próximo aos R$ 23 bilhões anuais entre 2015 e 2019, apesar do aumento expressivo do número de beneficiários potenciais. Essa estabilidade não revela equilíbrio, mas negligência. O orçamento não acompanha a ampliação do direito à proteção social, gerando uma espécie de invisibilidade orçamentária da velhice empobrecida. Ao manter os valores inalterados, o Estado ignora a dinâmica demográfica que deveria orientar suas decisões. Situação ainda mais crítica se observa no Fundo Nacional do Idoso (FNI), cuja execução caiu de R$ 12,4 milhões em 2018 para R$ 2,7 milhões em 2019. Além das restrições impostas pela Emenda Constitucional nº 95/2016, Oliveira identifica uma estrutura administrativa fragilizada, sem planos de aplicação sistemáticos, sem coordenação e com ausência de gestão própria. O FNI persiste como figura jurídica sem potência operacional, o que o transforma em emblema de uma política pública que não se realiza.

A Constituição de 1988 consagrou a participação social como fundamento da democracia orçamentária. Contudo, o autor mostra que essa promessa permanece, em grande parte, frustrada. Conselhos como o da Pessoa Idosa estão frequentemente à margem do processo de elaboração orçamentária, participando apenas como legitimadores posteriores de decisões previamente tomadas. Mesmo com ferramentas de transparência como o SIGA Brasil, a linguagem técnica e a complexidade do sistema limitam o acesso da população. Oliveira denomina esse fenômeno como “opacidade operativa”, um entrave à qualificação do controle social. Em um dos trechos mais instigantes do estudo, o autor trata da tecnologia como potencial aliada do cuidado. Uma ferramenta desenvolvida pela UFSCar para monitoramento da fragilidade em idosos se apresenta como modelo de política pública ancorada na prevenção e na eficiência de gastos. Apesar disso, os recursos para e-Saúde caíram 46% entre 2016 e 2019, ilustrando o abismo entre a retórica da inovação e as práticas orçamentárias efetivas.

Outro ponto central é a análise da transversalidade prevista no Plano Plurianual 2016–2019. Embora a ideia de intersetorialidade esteja presente nos textos oficiais, sua execução é prejudicada pela generalização dos lançamentos orçamentários e pela ausência de codificações específicas para ações voltadas à velhice. Isso dificulta tanto o rastreamento quanto a avaliação das políticas públicas, comprometendo a transparência e a capacidade de fiscalização. Oliveira alerta que essa imprecisão técnica corrói a lógica de planejamento e a própria noção de política pública racional.

Ao final, o autor propõe uma reconfiguração profunda da governança pública diante do envelhecimento populacional. Defende que os conselhos de direitos deixem de ser apenas fiscalizadores e passem a avaliar a custo-efetividade das ações estatais. Trata-se de reconhecer que envelhecer com dignidade exige mais do que garantias legais: requer investimentos consistentes, gestão qualificada e comprometimento político. O orçamento, nesse sentido, é retrato das prioridades nacionais, mas também espaço de disputa simbólica. Envelhecer no Brasil não pode significar desaparecer do orçamento. É preciso romper com a lógica da contenção e instaurar uma política do cuidado fundada na solidariedade intergeracional e na democracia substantiva. Governar, nesse contexto, é saber governar o tempo — e fazer dele matéria de justiça.

Baixe aqui o estudo “Orçamento Público e Envelhecimento Populacional no Brasil