Blog do IFZ | 07/06/2025
Na pluralidade de vozes que compuseram a 5ª Feira Nacional da Reforma Agrária, realizada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, a intervenção do climatologista Carlos Nobre ofereceu um momento de inflexão e rigor. Inserido na conferência Agroecologia: produzir alimentos e enfrentar a crise climática, ao lado de João Pedro Stedile e da ministra Márcia Helena Carvalho Lopes, Nobre não apenas expôs diagnósticos técnicos, mas articulou com precisão científica e compromisso ético as implicações sistêmicas da crise ambiental em curso.
Sua fala partiu de um dado inegociável: os fenômenos extremos que se tornam cada vez mais frequentes — inundações de magnitude inédita, secas prolongadas, colapsos ecossistêmicos — não são desvios do padrão climático, mas sintomas claros de uma transformação acelerada das condições que sustentam a vida terrestre. Atravessamos, afirmou ele, uma fase de instabilidade que não pode mais ser descrita como episódica. Estamos diante de uma transição irreversível, cuja trajetória dependerá, em grande parte, das escolhas feitas nas próximas décadas.
Nesse contexto, Nobre foi enfático ao identificar o papel estrutural do agronegócio no agravamento do quadro. Sua crítica não recaiu sobre a atividade agrícola em si, mas sobre o modelo de produção dominante: baseado na expansão horizontal, na conversão de ecossistemas complexos em áreas de monocultivo, no uso intensivo de insumos fósseis e na lógica concentradora de terras. Este modelo, além de socialmente excludente, está entre os principais responsáveis pelas emissões de gases de efeito estufa no país.
Contudo, sua intervenção não se limitou à crítica. O centro de sua argumentação — e o ponto de maior ressonância política — foi a defesa da agroecologia como proposta concreta para a reorganização da produção de alimentos em bases sustentáveis. Ao contrário de uma alternativa marginal ou de vocação localista, Nobre tratou a agroecologia como caminho tecnicamente viável e estrategicamente necessário para enfrentar o colapso climático. Reafirmou, com base em estudos de sua própria trajetória científica, que a agricultura regenerativa, ancorada em conhecimento tradicional e inovação ecológica, pode sustentar a produção de alimentos em larga escala sem comprometer os limites planetários.
A presença de Nobre em um espaço construído por movimentos sociais do campo não foi apenas simbólica. Representou a convergência entre saberes distintos que, durante muito tempo, circularam em esferas separadas: o conhecimento acumulado pela ciência do clima e a experiência prática de quem vive da terra e nela intervém cotidianamente. Ao reconhecer na Reforma Agrária Popular uma proposta integrada de uso e ocupação do território — com base na diversidade, na recomposição ambiental e na autonomia das comunidades — Nobre posicionou-se não apenas como cientista, mas como interlocutor político.
Seu discurso, ao fim, não mobilizou esperanças fáceis nem se deixou capturar por uma retórica do otimismo. Foi uma exposição de responsabilidades: um chamado à transformação profunda do paradigma de produção, consumo e convivência com os ciclos naturais. O tempo que resta, sugeriu ele, não será preenchido por soluções tecnocráticas ou promessas abstratas, mas por iniciativas que articulem ciência, justiça social e compromisso com a complexidade dos sistemas vivos.
Naquele espaço efervescente de ideias, práticas e disputas, Carlos Nobre contribuiu com uma lucidez que se distancia tanto da resignação quanto do entusiasmo vazio. E talvez resida aí o valor de sua participação: lembrar que enfrentar a crise climática exige menos gestos de exceção do que a construção paciente de novas formas de habitar o mundo — sustentadas por conhecimento, por território e por uma ética da permanência.
