Blog do IFZ | 17/07/2025
Baixe aqui o estudo “Energy expenditure and obesity across the economic spectrum“
Durante décadas, especialistas em saúde pública apontaram o sedentarismo como principal culpado pela epidemia global de obesidade. Mas uma nova pesquisa publicada na prestigiada revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) propõe uma guinada radical nessa narrativa: não é a falta de movimento, mas sim o excesso de calorias — sobretudo derivadas de alimentos ultraprocessados — que está na raiz do problema.
Liderado pelo professor Herman Pontzer, da Duke University, nos Estados Unidos, o estudo comparou padrões de gasto energético e composição corporal entre 4.213 adultos de 34 populações humanas, variando de comunidades rurais de baixa renda, como caçadores-coletores africanos, a moradores de grandes cidades industrializadas na Europa, América do Norte e Ásia. A abrangência geográfica e cultural do levantamento é inédita, e a análise foi feita com base em uma metodologia considerada padrão-ouro na fisiologia humana: o uso da técnica de “água duplamente marcada” (DLW), que permite medir com precisão o gasto energético diário de indivíduos em suas atividades cotidianas.
O que os dados revelam é surpreendente: populações com estilos de vida modernos e sedentários não gastam significativamente menos energia do que comunidades fisicamente ativas e tradicionais, como os povos Hadza da Tanzânia e Daasanach da Etiópia. Após ajustar os números pelo peso e altura dos participantes, os pesquisadores identificaram uma notável estabilidade no gasto energético humano ao redor do mundo, mesmo diante de contrastes drásticos na intensidade da atividade física.

Pontzer explica esse paradoxo com base em uma hipótese defendida em seu livro Burn (2021), agora fortalecida por evidências empíricas globais: o corpo humano compensa aumentos na atividade física reduzindo o gasto em outras funções fisiológicas, como a inflamação, a digestão e o sistema imunológico. “O organismo humano opera dentro de um orçamento energético. Ele redistribui recursos, em vez de simplesmente queimar mais quando nos movemos mais”, afirmou o pesquisador.
Mas se o gasto calórico é relativamente constante, de onde vem o aumento generalizado do peso corporal nas últimas décadas? A resposta está no consumo energético excessivo, particularmente em populações urbanas expostas a dietas ricas em alimentos ultraprocessados. Esses produtos — caracterizados por sua alta densidade calórica, baixo valor nutricional e forte apelo sensorial — não apenas aumentam a ingestão de calorias, como interferem nos mecanismos naturais de saciedade e regulação metabólica.
A análise estatística do estudo mostra que mais de 90% da variação nos índices de gordura corporal e IMC entre as populações analisadas está associada à ingestão calórica, não ao gasto energético. Em outras palavras, é a comida — e não a cadeira — que está engordando o mundo.
As implicações são profundas. Em vez de continuar concentrando os esforços em campanhas genéricas de estímulo à prática de exercícios físicos, o combate à obesidade precisa se voltar para o ambiente alimentar: políticas públicas que regulem a oferta e publicidade de ultraprocessados, incentivem a produção local de alimentos frescos e promovam educação nutricional desde a infância. Além disso, os autores destacam que os ultraprocessados não são apenas alimentos “ricos em calorias”, mas produtos industriais cuidadosamente formulados para maximizar o consumo e minimizar a saciedade — criando, em escala global, um ciclo de hiperconsumo difícil de quebrar.
Apesar disso, os pesquisadores não desvalorizam a importância da atividade física. Ela continua essencial para a saúde metabólica, cardiovascular e mental. Mas como instrumento isolado de controle de peso, os exercícios apresentam limitações estruturais, que agora se tornam mais claras à luz da biologia humana.
O estudo contou com colaboração de universidades em vários continentes e foi financiado por agências como o National Institutes of Health (NIH). O trabalho de Pontzer e sua equipe não apenas desafia ideias convencionais, como também oferece um novo marco para o entendimento das causas da obesidade em um planeta urbanizado, automatizado — e, acima de tudo, hipercalórico.
Como identificar alimentos ultraprocessados?
Os alimentos ultraprocessados são produtos industriais formulados a partir de ingredientes altamente modificados, com o objetivo de ampliar sua durabilidade e intensificar seu sabor, textura ou aparência. Em geral, sua composição envolve cinco ou mais substâncias, incluindo aditivos como corantes, aromatizantes, emulsificantes e conservantes — elementos que dificilmente seriam encontrados em uma cozinha doméstica.
De acordo com o Guia Alimentar para a População Brasileira, elaborado pelo Ministério da Saúde, integram essa categoria itens como biscoitos recheados, salgadinhos de pacote, refrigerantes, cereais matinais adoçados, refeições congeladas (como pizzas e hambúrgueres), temperos instantâneos, bebidas lácteas artificiais, entre outros produtos prontos para consumo que, apesar de convenientes, são nutricionalmente pobres e calóricos, com altas quantidades de açúcares, gorduras, sódio e aditivos químicos.
Esses alimentos não apenas se distanciam do padrão de uma alimentação saudável, como também estão diretamente associados a um maior risco de doenças metabólicas, cardiovasculares e obesidade. Por isso, o guia recomenda fortemente a redução ou eliminação do consumo de ultraprocessados, priorizando uma dieta baseada em alimentos in natura ou minimamente processados, como frutas, legumes, grãos, raízes, ovos e preparações caseiras.
Baixe aqui o estudo “Energy expenditure and obesity across the economic spectrum“
