Blog do IFZ | 30/08/2025
A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) divulgaram nesta semana, na Cidade do Panamá, um relatório inédito que dimensiona o impacto das mudanças climáticas sobre a pobreza infantil e juvenil na região. O estudo, intitulado El impacto del cambio climático en la pobreza infantil y juvenil de América Latina, projeta um futuro alarmante: até 2030, mesmo sob o cenário mais otimista de mitigação de emissões de gases de efeito estufa, 5,9 milhões de crianças, adolescentes e jovens adicionais poderão ser empurrados para a pobreza.
Se a resposta dos países for insuficiente ou tardia, esse número poderá triplicar e alcançar 17,9 milhões de menores de 25 anos em situação de vulnerabilidade. O contraste é revelador: trata-se de um impacto comparável — e potencialmente superior — ao choque social provocado pela pandemia de COVID-19, que empobreceu cerca de 11 milhões de crianças e jovens na região.
Infância na linha de frente da crise climática
O relatório demonstra que crianças e adolescentes são afetados de forma desproporcional. Seus corpos, ainda em desenvolvimento, são mais frágeis diante de ondas de calor, secas, ciclones e inundações. Mas os riscos não se limitam à esfera biológica: o colapso de meios de subsistência familiares, as interrupções no acesso à educação e a fragilidade de sistemas de proteção social fazem com que cada desastre climático se traduza em erosão de oportunidades futuras.
Segundo Roberto Benes, diretor regional do UNICEF para a América Latina e o Caribe, “se crianças e jovens não contarem com os recursos necessários para suprir suas necessidades básicas e desenvolver seu potencial, e se não houver sistemas adequados de proteção social, as desigualdades da região tenderão a se perpetuar”.
Cenários de risco e desigualdade crescente
O estudo utiliza três trajetórias globais de emissões: Net Zero 2050 (redução rápida e ambiciosa de gases do efeito estufa), Políticas atuais (cumprimento parcial das metas) e Muito pouco, muito tarde (inação climática). Em todos, os resultados são severos:
- No melhor cenário (Net Zero 2050): +5,9 milhões de crianças e jovens pobres até 2030;
- No cenário intermediário (políticas atuais): +14,8 milhões;
- No pior cenário (inação): +17,9 milhões, que podem chegar a 27,5 milhões se a desigualdade na distribuição de renda também se agravar.
Essa interação entre clima e desigualdade é central. Se o índice de Gini da região piorar apenas 1% ao ano, os impactos da pobreza infantil e juvenil praticamente dobram. O relatório adverte que o aquecimento global, além de destruir economias locais, pode cristalizar as assimetrias sociais que já marcam profundamente a América Latina.
Territórios críticos e milhões expostos
A análise abrange 18 países que concentram 95% da população da região, incluindo Brasil, México, Argentina, Chile, Colômbia, Peru e Venezuela. O estudo identifica áreas de alta vulnerabilidade, como o Nordeste do Brasil, o Cone Sul e o chamado “corredor seco” da América Central, onde secas prolongadas e perdas agrícolas ameaçam diretamente a subsistência de famílias inteiras.
As estatísticas expõem a magnitude do problema: até 55 milhões de crianças podem estar em risco de escassez de água; 60 milhões expostas a ciclones; e 45 milhões a ondas de calor na América Latina e no Caribe.
Falhas no financiamento climático
Um dos pontos mais contundentes do relatório é a denúncia de que o financiamento climático internacional não prioriza a infância. Apenas 3,4% dos recursos multilaterais destinados à região estão voltados para serviços essenciais de saúde, nutrição, educação, água e saneamento — pilares do desenvolvimento físico e cognitivo das crianças. Ao mesmo tempo, cortes na cooperação internacional ocorrem justamente quando as necessidades se tornam mais urgentes.
Recomendações: políticas integradas para um futuro possível
Para enfrentar essa encruzilhada, CEPAL e UNICEF propõem uma agenda de ação que articula políticas climáticas e sociais. As principais recomendações incluem:
- Fortalecer a resiliência climática dos serviços sociais e da infraestrutura crítica, com especial atenção aos mil primeiros dias de vida, período decisivo para o desenvolvimento humano;
- Aumentar o financiamento climático sensível à infância, direcionando investimentos para programas de proteção e adaptação;
- Expandir políticas de proteção social adaptativa, capazes de responder a emergências climáticas e atender às necessidades físicas e psicológicas de crianças e adolescentes;
- Promover educação e empoderamento climático, incluindo a educação ambiental nos currículos escolares e apoiando movimentos juvenis que buscam alternativas sustentáveis.
Uma decisão urgente
O relatório conclui que o futuro de milhões de crianças e jovens latino-americanos dependerá das escolhas políticas feitas agora. Incorporar seus direitos, perspectivas e necessidades nos novos compromissos climáticos que cada país apresentará até 2025 será crucial.
Mais do que um alerta, o documento representa um chamado à responsabilidade histórica: proteger a infância frente às mudanças climáticas não é apenas uma questão ambiental ou econômica, mas um imperativo ético para evitar que a próxima geração cresça condenada a um ciclo de pobreza e exclusão.
O estudo está disponível em Espanhol e Inglês.
Baixe aqui o estudo “El impacto del cambio climático en la pobreza infantil y juvenil de América Latina“
Baixe aqui o estudo “The impact of climate change on child and youth poverty in Latin America“
Versão resumida do relatório, disponível em formato de página interativa na internet, pode ser acessada em
https://www.unicef.org/lac/informes/clima-pobreza-infancia-america-latina-en-alerta
