Embaixadora Carla Barroso Carneiro | 08/09/2025
Era 1972.
Exilado, longe do Capibaribe e dos manguezais que moldaram sua infância, Josué de Castro preparava um texto para a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, em Estocolmo. A Conferência reuniria líderes e especialistas para discutir o futuro do planeta.
Josué, cassado pelo regime militar brasileiro, não poderia representar seu país.
Mas isso não o impediu de escrever.
Na Universidade de Vincennes, onde lecionava, Josué reuniu um pequeno grupo de pesquisadores para pensar o que ele chamava de ecologia humana. Para ele, o meio ambiente não era apenas floresta, água ou ar. Era também fome, desigualdade, terra concentrada, corpos subnutridos. Era o humano em relação com o mundo. E a Amazônia, que começava a ser vista como fronteira de recursos, era para Josué um território de vida, cultura e resistência.
No entanto, o texto redigido por esses pesquisadores – as páginas da pasta encontrada por Davies são lacônicas e trazem os seguintes nomes, incompletos: M. Braque, Bué, Collin-Delavaud, Enriquez Ikonikoff, Sachs e Trapero – sob a coordenação de Josué de Castro permaneceu, por muitos anos, pouquíssimo conhecido.
No meu caso em particular, foi apenas ao longo da preparação de minha contribuição para o livro Diplomacia da Fome – que coorganizei com o professor José Graziano e Saulo Ceolin – que o encontrei, em uma pesquisa de doutorado recém-apresentada no King’s College.
Naquele momento, eu estava buscando os últimos trabalhos de Josué de Castro sobre a Amazônia.
Curiosamente, mas também simbolicamente, encontrei o texto produzido pelo grupo de pesquisadores de Vincennes a partir de uma pesquisa de um acadêmico inglês. Archie Davies é um pesquisador e geógrafo voltado ao estudo da geografia política e da ecologia humana, com foco na obra de Josué de Castro, especialmente sua abordagem contra-hegemônica sobre a fome e o meio ambiente. E era Davies quem citava o texto de Graziano em sua tese de doutorado, defendida em 2019.
Foi somente depois de ler a tese de doutorado que tive acesso ao livro, publicado em 2023 pela Liverpool University Press: A World Without Hunger: Josué de Castro and the History of Geography.
Curioso encontrar o texto de um pernambucano nas páginas de um pesquisador baseado em Liverpool…
Mas o acesso ao texto integral de Josué de Castro, citado pelo pesquisador, exigiu alguma arqueologia. Não estava disponível na Fundação Joaquim Nabuco, depositária dos papéis do brasileiro. Foram fotos do documento, repassadas por Davies, que me permitiram finalmente ter acesso ao texto.
Então, vamos ao texto preparado para Estocolmo.
Ele estava ao final de uma pasta de um dos grupos de pesquisa dos quais participou Josué em Vincennes – a Equipe de Pesquisa sobre Ecologia Humana. É ali que estavam as 24 páginas, intituladas:
Ali, ele falava da Amazônia como um espaço de disputa, mas também de esperança. E encerrava com uma seção chamada “estratégia para a ação”, onde propunha, de forma pioneira, a criação de um direito internacional do meio ambiente.
Hoje, 117 anos após seu nascimento, celebramos o Dia da Amazônia com a preparação da COP30, a primeira conferência climática das Nações Unidas realizada na floresta tropical.
E é impossível não lembrar de Josué. Seu pensamento, que unia ciência, ética e política, ecoa em tantas iniciativas. É por isso que, abaixo, trago, creio que pela primeira vez em sua integralidade em português, a tradução do texto.
Embaixadora Carla Barroso Carneiro é a atual Representante do Brasil junto à FAO, PMA e FIDA.
Baixe aqui o documento “Proposta sobre uma Ação Concertada Multinacional para a Defesa do Ecossistema Amazônico“
| Associação Médica Internacional sobre o Estudo das Condições de Vida e de Saúde (Amiev) Rua Victor Noir, Neuilly sur Seine, França Telefone – 637.23.89 Universidade Paris VIII |
| Grupo de Pesquisa em Ecologia Route de la Tourelle, Paris (12ême), França. Telefone 808.96.70 |
| Coordenador: Professor Josué de Castro |
Proposta sobre uma Ação Concertada Multinacional para a Defesa do Ecossistema Amazônico
Documento preparado para a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente
Estocolmo, junho de 1972
1 – A problemática do Desenvolvimento e o do Meio Ambiente do Terceiro Mundo
Por que os países que chamamos de ‘subdesenvolvidos’ devem se interessar pelos problemas do meio ambiente? Em primeiro lugar, esses problemas são muito mais graves e complexos nos países bem desenvolvidos nos quais a industrialização e a urbanização gigantescas provocam diretamente um inevitável desequilíbrio e uma degradação acentuadas do meio natural, quer dizer, do meio ambiente. Os problemas da poluição parecem, assim, se circunscrever e interessar quase que exclusivamente os países com um alto nível de industrialização e pouco aos países pobres, fornecedores de matérias primas.
Essa é uma falsa análise produzida pela imprecisão de alguns conceitos de base, sobretudo os conceitos correntes de meio ambiente, e aquele de desenvolvimento. O meio ambiente não é apenas o conjunto de elementos materiais que compõem os mosaicos das paisagens geográficas, agindo de maneira contínua uns sobre os outros. O meio ambiente é bem mais do que isso. Também fazem parte do meio ambiente as formas de estruturas econômicas e de estruturas de pensamento dos grupos humanos que vivem nos diferentes espaços geográficos.
O meio ambiente integral compreende então fatores de ordem física ou material, e fatores de ordem econômica e cultural.
Em uma análise correta do meio ambiente, devemos sempre considerar o impacto total do homem e da sua cultura sobre todos os outros elementos circundantes, e o impacto dos fatores mesológicos sobre a vida integral do grupo humano. Nessa ótica, o meio ambiente engloba aspectos biológicos, fisiológicos, econômicos e culturais, todos ligados na mesma trama da dinâmica ecológica em permanente transformação.
Esse conceito é bem mais vasto e mais objetivo que aquele de meio ambiente considerado como o sistema de relações mútuas entre os seres vivos e o meio natural compreendidos isoladamente.
Também é falso o conceito de desenvolvimento medido unicamente pela expansão das riquezas materiais – o crescimento econômico. O desenvolvimento também implica mudanças sociais sucessivas e profundas que devem acompanhar as transformações tecnológicas do meio natural. O conceito de desenvolvimento não é apenas um conceito quantitativo mensurável em dólares, mas também um conceito que compreende os aspectos qualitativos dos grupos humanos em causa – sua qualidade de vida. Crescer é uma coisa, se desenvolver é uma outra. Crescer, de maneira geral, é uma coisa fácil. Desenvolver-se de maneira equilibrada é uma coisa difícil, tão difícil que nenhum país do mundo já terminou esse processo – nessa ótica, o mundo permanece na sua totalidade mais ou menos subdesenvolvido.
No entanto, hoje em dia está na moda falar dos efeitos ruins do crescimento econômico sobre o meio ambiente, sobre os componentes do meio natural. E falamos sobretudo dos efeitos que não são os mais ameaçadores para o futuro da humanidade. Os gritos de alarme se fazem escutar sobretudo para condenar o crescimento da população, da poluição do ar, dos rios e dos mares e a degradação do patrimônio animal e vegetal das regiões mais desenvolvidas do mondo. Essa posição revela uma visão limitadora do problema, que considera exclusivamente os efeitos diretos da expansão econômica, deixando na sombra e no silêncio a insidiosa ação indireta do desenvolvimento sobre todos os grupos humanos. Ação indireta que é mais determinante do que a ação direta.
O primeiro erro grave, a primeira conclusão falsa que se depreende dessa visão parcial do problema é a afirmação generalizada de que nas regiões mais ricas surgiram os primeiros efeitos da poluição, da contaminação e da degradação do meio natural, provocados pelo crescimento econômico. A realidade é outra – os primeiros e mais graves efeitos do desenvolvimento se manifestaram precisamente nas regiões hoje economicamente subdesenvolvidas e que eram até ontem colônias. O subdesenvolvimento reinante nessas regiões foi o primeiro produto do desenvolvimento desequilibrado do mundo. O subdesenvolvimento representa um tipo de poluição e de degradação humanas, localizado em certas regiões abusivamente exploradas pelas grandes potências industriais do mundo.
O subdesenvolvimento não é, como muitas pessoas pensam de maneira incorreta, a insuficiência ou a ausência de desenvolvimento. O subdesenvolvimento é um produto ou subproduto do desenvolvimento. Produto inevitável da exploração econômica colonial até hoje em muitas regiões do mundo.
Há muitas pessoas que afirmam com convicção que a problemática do meio ambiente que interessa aos países subdesenvolvidos deve ser totalmente diferente daquela que interessa aos países ricos e industrializados. Nas regiões subdesenvolvidas, dizem essas pessoas, não há uma preocupação com a qualidade de vida, mas simplesmente com a possibilidade de sobrevivência – a luta contra a fome, contra as pandemias e contra a ignorância generalizada. Ora, essas coisas são somente sintomas de uma grave doença social – o subdesenvolvimento, o qual é, como vimos, um produto do desenvolvimento. Os países subdesenvolvidos que lutam para sobreviver devem se interessar pelos problemas do desenvolvimento e do meio ambiente em escala mundial, para se defenderem das agressões que seu meio ambiente sofre há séculos por parte das metrópoles colonialistas, destruidoras de sua condição humana.
Se é somente nestes últimos anos que se fala com insistência de poluição e de degradação provocadas pelo crescimento econômico, é porque a civilização ocidental, com seu repertorio científico etnocêntrico, sempre se recusou a ver uma evidência. O fato de que a fome e a miséria de certas regiões afastadas fazem parte do custo social do progresso que a humanidade paga para que o desenvolvimento econômico progrida em um pequeno número de outras regiões – nas regiões de dominação econômica e política do mundo.
O fato de ter escamoteado essa verdade provocou a implantação, em escala mundial, de uma estratégica de luta contra o subdesenvolvimento que estava irremediavelmente condenada ao fracasso – o fracasso da década do desenvolvimento de 1960 a 1970. Fracasso que sempre se repetirá, enquanto durarem as estruturas econômicas do mundo apoiadas sobre os pilares dos falsos apoios de seu edifício social – a economia de guerra, a economia do lucro máximo e a política de esmagamento econômico do Terceiro Mundo.
Os países subdesenvolvidos, em sua luta pela emancipação e a sobrevivência, terão de obter, a todo preço, uma diminuição sensível do impacto econômico negativo que a economia de mercado provocou em seu sistema de economia de dependência. Esses países terão de lutar muito, inclusive para estabilizar o custo das matérias primas, contra a ação indireta e a distância dos grandes polos de concentração do capital, que o subdesenvolvimento e a periferia econômica do mundo alimentam por todos os meios.
Para que não reste qualquer dúvida de que o subdesenvolvimento é um produto do desenvolvimento na civilização de consumo, é suficiente verificar que antes da explosão capitalista e industrial do nosso século não existiam países desenvolvidos e países subdesenvolvidos, separados uns dos outros ou uma grande vala econômica. Foi somente após a 2ª Revolução industrial que se exteriorizaram essas disparidades extremas entre ritmos de crescimento e níveis econômicos de dois grupos de países – os desenvolvidos e os subdesenvolvidos. Vejamos um exemplo concreto – aquele da renda per capta de dois países bem representativos de cada um desses dois grupos – os EUA e a Índia. Antes da Primeira Guerra Mundial, a renda per capta da Índia era 8 vezes inferior àquela dos EUA. Antes da Segunda Guerra Mundial, era 15 vezes menor. Hoje, a renda per capta de um indiano é 50 vezes menor do que aquela de um habitante dos EUA.
A degradação econômica dos países subdesenvolvidos deve ser considerada como uma poluição do desenvolvimento humano provocada pelos abusos econômicos das zonas de dominação da economia mundial. A fome, a miséria, os altos níveis de incidência das doenças evitáveis com um mínimo de higiene, a baixa expectativa de vida, tudo isso é um produto da ação destrutiva da exploração mundial no âmbito do modelo de economia de dominação. A fome na Índia, no Peru, em São Domingos, no Nordeste do Brasil, se ela se manifesta nas zonas subdesenvolvidas, na realidade exprime as formas paradoxais das doenças de civilização, sendo um produto indireto do crescimento econômico desequilibrado – como são, aliás, as doenças cardiovasculares e degenerativas. No fundo, os dois grupos de doenças, aquelas que chamamos de doenças da civilização e as doenças da carência são, todas, produzidas pelo mesmo despotismo da civilização frenética do lucro. Umas produzidas diretamente localmente, outra produzidas indiretamente, à distância.
A estratégia que visualizava a realidade social do Terceiro Mundo separadamente do mundo como um todo foi fatal à melhora das condições do meio ambiente. Na verdade, toda a biosfera representa um só ecossistema, composto de múltiplos subsistemas. O ecossistema da biosfera possui uma enorme plasticidade estrutural, operado por meio de mecanismos de compensação de equilíbrio dos impactos negativos da ação humana. Mas essa plasticidade, que constitui importante ativo para o homem, permitindo que ele transforme a biosfera e utilize seus elementos para satisfazer suas necessidades, não pode ultrapassar certos limites fixados pelas leis de equilíbrio natural – limites do mal-estar – sob pena de provocar graves rupturas, algumas vezes fatais para os ecossistemas. Os desequilíbrios extremos aos quais foi conduzido o Terceiro Mundo ameaçam, por meio das inter-relações ecológicas, toda a biosfera e, com ela, ipso facto, toda a espécie humana. A fome no Terceiro Mundo poderá um dia provocar a peste no mundo inteiro, e a revolta dos que tem fome pode conduzir o mundo à uma guerra mundial, se consideramos esses dois problemas – a fome e a guerra – como formas de um desequilíbrio dinâmico do meio ambiente sócio econômico do mundo.
Mas não basta considerar exclusivamente a ação indireta do desenvolvimento sob o meio ambiente dos países do Terceiro Mundo – ação mais econômica e cultural que puramente física ou natural.
Também ocorre que nos inquietemos a respeito da ameaça de ação direta –o desperdício afoito dos recursos naturais não renováveis e as rupturas biológicas dos subsistemas ecológicos,
O Terceiro Mundo se encontra sob a ameaça permanente de ver ali se instalarem tipos de desenvolvimento tecnológico que, não levando em consideração a dimensão ecológica, podem provocar uma desagregação total da estrutura ecológica. Se nós consideramos a fragilidade relativa de certos ecossistemas equatoriais e tropicais onde se encontra agrupada geograficamente a maior parte do Terceiro Mundo, esse perigo se apresenta de maneira ainda mais grave.
Ninguém pode ignorar a grande fragilidade dos solos dessas regiões em face da erosão provocada pela exploração abusiva de sua cobertura vegetal. Ninguém pode ignorar que os rios tropicais são contidos em seus excessos por certos tipos de diques vegetais que orientam até um certo ponto seu curso, e que a destruição dessa vegetação provoca inundações e estagnações de águas, seguidas de graves consequências, perdas de culturas agrícolas por inundações, até a disseminação endêmica de certas doenças transmitidas por meio de insetos que proliferam em águas estagnadas.
2 – Especificidade da Região Amazônica
2.1 Uma região geográfica do tipo do ecossistema amazônico, com sua cobertura florestal densa e variada, possui uma resistência muito menor aos abusos da exploração humana do que as florestas temperadas da latitude média. O excesso de chuvas e de calor ao qual a Amazônia está submetida durante todo o ano faz baixarem muito os limites de sua plasticidade frente à implantação de certas técnicas agrícolas e de certos tipos de industrialização que podem provocar catástrofes incalculáveis e incontroláveis sobre seu sistema biótico, sobre a parte biogênica de seu solo – a parte mais superficial do solo – e sobre a fauna terrestre e aquática e sobre a flora. Essa floresta aparentemente tão vigorosa é de uma incrível fragilidade face às mudanças possíveis impostas de maneira temerária pela mão do homem. Daí a atenção que merece da parte dos ecologistas e dos planificadores econômicos o problema da implantação nessa região de sistemas de exploração econômicos que poderão prejudicar gravemente a mais importante reserva vegetal terrestre que age como um grande purificador da atmosfera renovando abundantemente e de maneira continua sua cota de oxigênio.
2.2 Considerando a importância mundial dessa reserva amazônica, e a insuficiência de conhecimentos rigorosos que possuímos a respeito de sua dinâmica ecológica, é recomendado que sejamos mais prudentes na escolha das atividades a implantar localmente para promover seu desenvolvimento autônomo.
A palavra de ordem da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente é ação. A ação urgente e eficaz para impedir a progressão da poluição e da degradação do patrimônio natural dos diferentes ecossistemas. Nós estamos de acordo que é necessário passar, das especulações teóricas e dos piedosos gritos de alerta, para uma ação enérgica conjugada e válida em favor da defesa de recursos naturais de nosso planeta. Principalmente nas regiões onde a poluição e a degradação do meio natural já estão instalados e progridem de maneira acelerada, ameaçando o ecossistema com sua destruição total. Nesse caso, não se pode esperar tudo saber para começar a agir. Mas, essa ação, mesmo nesses casos extremos, deve se basear em um conjunto de conhecimentos suficientemente aprofundados de maneira a constituir as bases de uma filosofia de ação.
No caso da Amazônia, essa ação parece necessária para evitar a consumação do genocídio total das populações indígenas começado já há muito tempo, e para evitar os atentados tecnológicos e culturais perpetrados contra todo o sistema biótico da região. Mas essa ação deve ser, paralelamente, acompanhada da realização de pesquisas cientificas sistemáticas do meio ambiente, sem as quis a ação empreendida, longe de salvar a região ameaçada, poderia agravar ainda mais a situação de seu equilíbrio dinâmico, até hoje ainda relativamente poupado em razão da quase absoluta impenetrabilidade da floresta e dos caminhos aquáticos que são os grandes rios do sistema fluvial amazônico.
O que deve ser empreendido nessa vasta bacia hidrográfica de cerca de 7 milhões de km2, que possui uma especificidade própria e uma unidade biogeográfica econômica e cultural, é uma ação extremamente complexa porque, apesar de sua unidade ecológica, o território amazônico depende politicamente de 9 países soberanos que reclamam, todos, sua soberania nacional em relação a tudo o que se refere às decisões políticas.
2.3 Ora, esse problema amazônico só comporta um tipo de solução válida, aquele da abordagem global – da visão de todo seu sistema ecológico, entendido em suas correlações – em relação com todos os outros ecossistemas do mundo. Contemplar soluções à escala puramente nacional, limitadas pelas fronteiras artificiais, se mostra extremamente perigoso. Período mesmo para o país que possui o direito de nacionalidade sobre a maior parte da região – o Brasil, que recobre 60% da região amazônica enquanto que 40% dessas terras são compartilhadas entre os outros 8 países amazônicos – Guiana Francesa, Suriname, Guiana (antiga britânica), Venezuela, Colômbia, Peru, Equador e Bolívia. A opção de modelos a serem seguidos representa um conjunto de ações políticas – um tipo especifico de opções políticas em todos os níveis. E essa política deve ser, tanto quando possível, uma política a escala internacional O que é extremamente difícil é estabelecer o grau de internacionalismo a conferir a essa política sem atentar à soberania nacional dos países em pauta (princípio básico da Carta as Nações Unidas), e, por outro lado, evitar de todas as formas a realização de projetos nacionais podendo provocar problemas graves nas regiões que pertencem a outros países. A concepção de projetos multinacionais, bem estruturados, capazes de trazer o interesse de organismos internacionais de financiamento, encontram na Amazônia uma base geográfica realmente privilegiada por sua unidade ecológica e por seu grande espaço econômico potencial. Sob esse aspecto, a multinacionalidade funciona como um fator positivo ao desenvolvimento harmonioso da região.
2.4 Essa imensa biomassa florestal intimamente ligada ao sistema hidrográfico do rio amazonas, o mais volumoso e o mais longo do mundo, para o qual convergem 1.100 cursos de água, entre os quais 17 afluentes principais, cada um deles mais longo do que o Reno, representa atualmente uma das últimas fronteiras de terras virgens a ser exploradas com sucesso, com a condição que essa exploração seja feita de forma científica, e não com o empirismo cego utilizado durante a conquista da região no fim do século passado para explorar as reservar naturais de borracha. A exploração selvagem da Hévéa Brasiliensis foi concluída com a morte, na região, de meio milhão de pioneiros vindos de outras regiões, atacados por doenças variadas, produto de um meio que os circundava, e sobretudo devidas a deficiências alimentares, provocando a maior epidemia de beribéri da história mundial das avitaminoses em massa.
Se nós nos estendemos um pouco longamente sobre essa bacia hidrográfica sem paralelo no mundo, foi para lembrar que o excesso de água nessa região constitui um elemento que deve ser manipulado com prudência, por que ele é tão perigoso como em outras regiões do mundo é perigosa a ausência de agua, a seca. A pobreza do solo de quase toda a região, com a única exceção da banda de solos aluviônicos dos grandes rios onde se concentram, por essa razão, 60% da população amazônica, em um espaço geográfico limitado a cerca de 60.000 km2 representa um outro problema grave que deve ser estudado em seu tempo no capítulo que trata das ameaças que pesam de maneira alarmante sobre a Amazônia.
2.5 Todos sabem que a fauna amazônica é representada quase exclusivamente por uma fauna aquática muito rica, porque é nas águas de seus rios que vivem 150 espécies de mamíferos e 1500 espécies de peixes (uma riqueza de variedades maior do que aquela do Mar Mediterrâneo). A fauna terrestre é muito pobre e quase exclusivamente representada por insetos e pássaros que se esgueiram entre as folhas das árvores, essas enormes, densas de uma riqueza de espécies cerca de 5 a 10 vezes mais numerosas do que aquelas das florestas temperadas. É porque a Amazônia é o paraíso das plantas, graças à abundância de luz, de calor, e de água que ali estão concentradas pela natureza e que constituem 3 exigências fundamentais da vida das plantas. É verdade que essas plantas dependem também do solo, que, como vimos, é extremamente pobre se não se consideram a riqueza do húmus que a floresta deposita nesses solos, graças à abundância dos detritos mortos produzidos pela vida vegetal intensa que os micro-organismos do solo decompõem para fornecer novos alimentos à própria floresta.
O milagre do esplendor da floresta amazônica nutrida, por um solo muito pobre em elementos minerais, se explica pela rapidez da circulação desse capital que é extremamente rápido, graças a intensa vida da floresta. Isso quer dizer que, sem a floresta, a Amazônia possui um tipo de solo “sem pele”, porque essa “pele” é o produto quase exclusivo da própria floresta. Este é um ponto que deve ser considerado com muita atenção na planificação de medidas de proteção do meio ambiente. (frase repetida no original)
E sob a “pele” da região, como se apresenta sua “carne”, quer dizer, seu sobsolo? Ele é rico ou pobre? A verdade é que conhecemos pouco a questão. Conhecemos tão pouco a região em seu conjunto que um especialista nesses problemas recomendou estabelecer um programa para seu esclarecimento por meio de pesquisas e estudos aprofundados, antes de pensar em um programa a respeito de sua ocupação.
2.6 É a partir dessa ótica que o Governo brasileiro colocou em marcha um grande programa de prospecção mineral chamado “Projeto Radam”, no qual utilizamos as técnicas modernas de aerofotogrametria, da fotogeologia, e de aerogeomorfologia para a detecção de minerais.
As fotos por infravermelho que fixam as radiações invisíveis em filmes fotográficos comuns, já deram indicações muito válidas e fizeram entrever enormes riquezas minerais na bacia amazônica. De agora até o fim do século, quando as grandes reservas de minerais do mundo são passíveis de estarem exauridas, podemos esperar a chegada a grande escala sore o mercado mundial de produtos minerais provenientes da Bacia Amazônica. No Brasil, já prevemos que, nos anos vindouros os minerais vão substituir o café na lista de produtos de exportação do país. A Amazônia se revelou muito rica em petróleo em muitas de suas sub-regiões, o que representa um grande ativo nos planos de colonização e desenvolvimento.
3 – Ameaças sobre o Sistema Amazônico
3.1 As nações cujos territórios se estendem sobre a Amazônia desejam, com justiça, integrar esse domínio à suas economias. A superpopulação agrícola relativa das regiões tradicionalmente valorizadas, induzem a dirigir os excedentes demográficos em direção a cidades, mas também em direção a terras virgens. Neste último caso, a preocupação de equilibrar o consumo alimentar, mas também o interesse em desenvolver as culturas de exportação, levam à expansão o da ocupação do solo, ainda mais porque seu baixo preço reduzi o volume de investimentos.
3.2 Por um lado, o desenvolvimento de aparatos mecânicos de roçagem, de ordenamento do solo, de construção de estradas, por outro lado, os progressos médicos de controle sanitário, vem tornando nos últimos anos muito mais fáceis a penetração e ocupação das zonas de florestas densas e úmidas.
Mas a fragilidade do meio amazônico não pode ser disfarçada pela amplitude subcontinental de seus espaços, e os países amazônicos devem receber a garantia de que seu desenvolvimento indispensável será garantido pelas formas equilibradas que ele tomará.
É então indispensável contemplar as consequências para o ecossistema florestal que constitui aquele desse imenso domínio, de um conjunto de iniciativas cujo objetivo é chegar à organização de um sistema de comunicações, ao ordenamento de um vasto espaço agrícola, à implantação de uma infraestrutura industrial.
Os problemas são de naturezas muito diversas. As rupturas radicais dos equilíbrios naturais, ligados à implantação de centros de mineração e indústria, na medida em que esses não tenham um valor pontual, arriscam de serem menos graves que aquelas determinadas pelos aspectos tecnológicos e pelas incidências econômicas da organização dos transportes. É no nível da exploração da floresta, e naquele de sua roçagem, que é necessário mais ainda pesar os riscos, com vistas a tomar as precauções necessárias.
3.3 Cada país deve esperar das companhias, nacionais ou internacionais, privadas ou públicas, que essas harmonizem o desenvolvimento com o equilíbrio e a proteção do meio ambiente. Cada país deve esperar de seus vizinhos que eles integrem suas regiões amazônicas com o mesmo cuidado. Então, a Amazônia está prestes a passar, da economia de colheita, à economia da exploração tecnicamente intensiva de recursos do solo e do subsolo.
A exploração das riquezas em uma zona com uma tipologia de nova fronteira sempre foi caracterizada por uma preocupação de rentabilidade econômica imediata sobre um só tipo de recursos, sem ter em conta uma exploração racional do conjunto do terreno, tampouco considerando a pluralidade de recursos econômicos e humanos. No que diz respeito à Amazônia, estamos face a um espaço multinacional compreendendo recursos vegetais e minerais. Além disso, é importante notar que o perigo representado pela confrontação direta e brutal de dois tipos de economia, a economia de mercado à conquista de novas fronteiras e a economia tradicional dos autóctones, o que coloca diretamente o problema da sobrevivência cultural destes últimos. É então indispensável, imediatamente, organizar equipes de pesquisa multinacionais e pluridisciplinares, voltadas a formular recomendações sobre cada um dos tipos de exploração de recursos contemplados, analisando as consequências ecológicas sobre o ecossistema amazônico.
Diversos tipos de exploração dos recursos da Amazônia aparecem como estando em perigo pelo ecossistema amazônico, se não forem rigorosamente controlados.
As transamazônicas – Ao Leste da Bacia, a implantação de um programa de construção de estradas transamazônicas deveria permitir ligar grandes depósitos de metais ferrosos, e estabelece massas de camponeses ao longo das rotas. A Amazônia aparece, aqui, como uma nova fronteira, a última com essa amplitude no mundo. A integração da bacia amazônica na economia geral se tornou uma preocupação legítima do Governo brasileiro, na tradição de fornecimento de equipamentos e povoamento das terras do interior.
Mas essa marcha continental deve, ao mesmo tempo, conciliar os esforços de uma nação pioneira, e a compreensão dos problemas do meio ambiente.
As estradas – os grandes diques artificiais constituídos pelas grandes estradas, em uma zona onde as variações de altitude são tão pequenas que as menores elevações do plano de água transformam a ecologia de regiões imensas, torna necessário grande cuidado na elaboração de seu traçado, com a preocupação maior de maior de prever uma grande densidade de escoamento de águas superficiais.
3.4 A estrada transamazônica que o Governo brasileiro está construindo com um traçado paralelo ao grande eixo do rio amazônico, ligando a costa atlântica do Nordeste brasileiro à fronteira oriental do Peru, e, por lá, até o Pacífico, representa sem qualquer dúvida um empreendimento gigantesco e indispensável, que poderá ter um papel preponderante no desenvolvimento econômico futuro dessa região. Mas esse projeto é criticado por alguns especialistas que julgam que não foram elaborados estudos e pesquisas preliminares para garantir o sucesso dessa iniciativa pioneira do ponto de vista de proteção do meio ambiente e da qualidade da vida humana nessas regiões.
3.5 O clímax da Amazônia é florestal, mas a existência de níveis de escudos, particularmente na região Belém-Santarém, sugere a ideia de que a região deve ter conhecido, no passado, dois períodos de vegetação de caráter xerodérmico.
Entre as “Tropical Rain Forests”, a originalidade da selva amazônica reside na extensão excepcional das florestas de pântanos (igapós), cujo solo está constantemente encharcado de água, e rizícolas (várzeas), inundadas periodicamente pelas cheias, em relação à floresta de água firme.
3.6 Apesar da exuberância da floresta tropical úmida, o clímax é frágil. A pobreza geral dos solos ferruginosos está estabelecida, a densa zona de alteração da rocha mãe está lavada, as argilas (caulinitas), tem uma baixa capacidade de absorção.
A floresta vive largamente de elementos restituídos ao solo pela mineralização rápida dos húmus. Salvo circunstancias locais favoráveis, o equilíbrio resultante é precário.
Foi sublinhado, ademais, a existência de savanas intraflorestais, assim como enclaves de florestas baixas de caráter sérico. Essas formações são provavelmente a expressão de uma convergência de causas, algumas das quais poderiam ter uma origem relictual, e seria o caso, nessas circunstâncias, de nuançar a questão da floresta invasora.
3.7 A ruptura do ecossistema florestal arrisca de se manifestar de diferentes formas, com três tipos de consequências.
A – As obras necessárias para a organização das comunicações terrestres, ao modificar as condições da economia da água no solo, tem o risco de alterar a atual estrutura de zonas entre os diferentes tipos de florestas.
B – A exploração desorganizada de essências apreciadas pelo mercado pode facilmente tomar um caráter anárquico, ocasionando grandes prejuízos, em razão até mesmo das características florísticas da floresta úmida.
Mas a instauração de um sistema de exploração na superfície coloca o problema da renovação quantitativa e qualitativa da biomassa, considerando a pobreza dos solos tropicais.
C – Da mesma forma, a roçagem da floresta não deveria ser tratada sem levar em conta os longos períodos de repouso da terra necessários à reconstrução dos solos tropicais. A prática de cultivar os solos até sua exaustão pode se abrir sobre a perspectiva temível de uma fronteira pioneira se afastando, em ambos os lados, dos eixos de comunicação, deixando para trás de si regiões mais ou menos devastadas.
3.8 A conquista agrícola da Amazônia coloca muitos problemas
– Qual quantidade de terra é desejável reservar, tanto às culturas como à horticultura?
– Qual deveria ser a localização ideal dos novos espaços agrícolas? Não é de forma alguma claro que a solução mais judiciosa consistiria em desenhar margens acompanhando as vias de comunicação.
Paralelamente, o pedoclímax pode se encontrar ameaçado pela erosão, e até mesmo pelo encouraçamento.
Também se pode temer uma alteração do clima regional, uma transformação do regime térmico do solo, com um aquecimento considerável do horizonte da superfície (10 a 20º) e uma modificação do regime de umidade
Schnell salientou, nas regiões desmatadas, a intensidade da evapotranspiração, o ressecamento brutal do solo, e a frequência do fenômeno do apodrecimento.
A evapotranspiração real da floresta restitui, com efeito, constantemente, para a atmosfera, quantidades importantes de vapor que participam no circuito da água na atmosfera
Ao manter o estado higrométrico do ar no nível mais elevado, comparável com o balanço energético regional e local, a evapotranspiração freia a demanda instantânea da evapotranspiração potencial.
Um desmatamento estendido, o desenvolvimento de uma cobertura vegetal mais ou menos incompleta, utilizando de forma menor eficaz a reserva da água do solo, é suscetível de levar a condições de um déficit hídrico climático.
Uma situação como essa poderia modificar a localização de complexos de patógenos existentes, assim como a implantação de outros desses complexos.
3.9 A exploração tradicional da floresta amazônica não ameaçava sua manutenção (colheita, castanheiro, hévea). Por outro lado, a busca de madeiras preciosas não controlada, e, sobretudo, a fabricação de pasta de celulose, ameaçam diretamente a renovação da floresta.
É importante notar as consequências de uma implantação nesses moldes em pequena escala
– A poluição das águas de lavagem para a transformação da madeira em pasta de celulose coloca em risco a fauna aquática e a flora ao longo dos cursos de água próximos
A floresta amazônica também está ameaçada, de maneira indireta, pela exploração de recursos minerais.
3.10 A descoberta de petróleo no sopé andino amazônico, no Sul da Colômbia, Equador e Peru, paralelamente à prospecção no sopé boliviano, oferece uma chance suplementar de desenvolvimento a Estados que empreendem, já alguns anos, considerável esforço para adquirir sua independência economia por um desenvolvimento técnica e socialmente equilibrado. Ativo energético e também financeiro, graças às exportações, para países já em vias de um desenvolvimento diversificado como a Colômbia e o Peru, o petróleo representa uma mudança e uma base nova de financiamento maciços para o conjunto do desenvolvimento, para um país de dimensões menores, como o Equador.
3.11 Em ambos os casos, o petróleo é indispensável. Mas ele deve servir aos interesses das nações envolvidas, e não ao interesse exclusivo de grandes companhias mundiais ou dos países industrializados. Também convém, sobretudo, que o desenvolvimento presente e futuro da Amazônica não seja esquecido, e posteriormente entravado por uma exploração selvagem.
O circuito do petróleo não deve estar puramente ligado à predação dos depósitos amazônicos, seguida de um simples encaminhamento do bruto em direção à costa, sem que a Amazônia se beneficie de receitas para seu aparelhamento e para a melhoria das condições de vida de sua população.
É necessário, portanto, evitar desde já que a exploração petrolífera funcione em circuito fechado, em total independência do meio regional.
Mas convém sobretudo evitar que a pesquisa para redução dos custos de produção leve a uma degradação da cobertura vegetal por roçagens descontroladas, nem um entrave à drenagem natural de uma zona ecologicamente muito sensível a novas variações da hidrografia superficial, em seguida à instalação de uma rede de comunicações terrestres e de oleodutos.
Enfim, a eliminação dos dejetos das indústrias extrativas não deveria ser confiada às águas correntes sem colocar em risco um equilíbrio ecológico tão frágil como aquele do espaço amazônico.
3.12 A hostilidade do meio, e as próprias condições da conquista de novas fronteiras econômicas favorecem a implantação de um subproletariado. No caso da Amazônia, já se constata a instalação de favelas lineares ao longo dos eixos de penetração, e em torno dos locais de exploração de recursos.
É porque é necessário estudar imediatamente as condições de instalação e de trabalho ao menos correspondentes àquelas existentes nas zonas industriais dos países desenvolvidos, permitindo oferecer um controle médico sério e condições de vida decentes aos trabalhadores.
Além disso, a exploração dos recursos amazônicos deve a todo preço evitar a sub proletarização das populações autóctones, que levaria caso contrário, seja a um etnocídio no longo prazo, seja ao desaparecimento das culturas existentes.
Por sua vez, é desejável a transformação, localmente, dos produtos, considerando ser mobilizadora de mão de obra e de capitais. A mais-valia dessa transformação deveria ser, em grande parte, reinvestida localmente, em particular para atenuar os efeitos da degradação do meio.
A siderurgia ameaça igualmente a cobertura vegetal pela utilização do carvão vegetal obtido localmente, ao cortar as florestas para a alimentação de altos fornos primitivos.
As respostas que as equipes de pesquisa trarão para essas questões deverão ser consideradas, mesmo se reduzirem em um primeiro momento as margens de lucro.
Soluções mais custosas no início (controle do escoamento de tóxicos, recuperação do solo com espécies apropriadas após o corte, etc.) são indispensáveis, ao respeitar o potencial vegetal.
3.13 Do ponto de vista dos recursos hidrológicos, há 3 pontos a evitar
A – A navegação ou transporte de madeiras representam um perigo para os diques vegetais naturais ao longo dos rios. É necessário preservá-los, tanto quanto possível, em função de sua importância nos mecanismos de regulação dos rios.
B – A Hidroeletricidade – A construção de barragens corta os rios para os peixes, impede a distribuição dos aluviões. Um outro problema é colocado pelo transporte da eletricidade (desmatamento ao longo das linhas de distribuição).
C – O escoamento dos produtos poluentes. Deve ser absolutamente proibido, mesmo em limites tolerados em outros locais, em função da importância da manutenção de floresta no nível da biosfera como um todo.
3.14 As ameaças não estão, portanto, em uma exploração dos recursos naturais do solo e do subsolo, nem em uma organização do espaço baseada em uma infraestrutura moderna de comunicações. Elas pesam, por outro lado, amplamente, em um tipo de desenvolvimento selvagem. Aqui, a concorrência entre grandes companhias, ou entre entidades governamentais, conduz, inevitavelmente, a uma exploração dos recursos em tais condições que o cálculo do preço não inclua os custos das medidas preventivas.
Como os diferentes projetos de exploração da bacia amazônica estão na maior parte, divididos (transamazônica, rota Brasília-Belém, rota BR 80), é indispensável proceder ao desenvolvimento e ao reagrupamento das equipes já existentes o mais rapidamente possível, assim como das instituições mencionadas neste relatório e tendo por objetivo fazer recomendações a respeito de um gerenciamento equilibrado da bacia amazônica.
Por fim, o lucro imediato gera uma predação tão rápida dos recursos naturais, que a exaustão das reservas minerais, a não renovação da cobertura biológica e a poluição da água e da atmosfera privilegiam a geração atual em detrimento de gerações futuras.
4 – Estratégia de Ação
4.1 Como se depreende dos capítulos precedentes, problemas de uma rara complexidade se colocam quando se quer estabelecer as linhas diretoras de uma estratégia de ação suscetível de promover soluções eficazes.
4.2 Essa complexidade, tal como demonstrada acima, vem do número e da natureza dos fatores que devemos levar em consideração para comtemplar essas soluções, assim como a rapidez considerável com a qual evoluem as interrelações de fatores tanto no interior do ecossistema, como em relação a outros ecossistemas do mundo.
4.3 Aqui vamos lembrar os elementos que nos parecem significativos para estabelecer a importância das ameaças que pesam sobre a região, e para desenhar em seguida o caráter, os objetivos e a forma das vias e meios que permitirão tornar eficazes as grandes linhas da estratégia proposta.
Entre os elementos significativos para estabelecer uma estratégia de ação, convém assinalar que
A – A região considerada está entre 9 países diferentes, com características legais, econômicas, culturais ou humanas muito distintas
B – As relações entre o homem e a transformação da natureza são, agora, entendidas a partir de uma perspectiva global, que leva em conta a constelação de fatores e de recursos que são afetados.
Essa nova perspectiva que conduz necessariamente ao reexame das noções de estratégias nacionais de crescimento deve também conduzir ao reexame do conteúdo e dos mecanismos da concertação internacionais.
Com efeito, os critérios puramente geográficos das fronteiras nacionais não são suficientes para definir o quadro normativo que deve reger um certo número de ações executadas em um espaço determinado.
Por sua própria natureza, algumas ações comprometem o equilíbrio e a disponibilidade de recursos de vastos espaços.
Nessas condições, se impõe a elaboração de um direito internacional do meio ambiente.
C – O volume de problemas (tocando aspectos econômicos, comerciais, agrícolas, industriais, de transportes e de comunicações, de recursos naturais de todos os tipos, como da formação e da cultura dos homens e da região, entre tantos outros), é enorme.
D – A incidência que podem ter sobre o futuro desses países as soluções que poderiam ser propostas para esse problema ultrapassa de longe tudo o que é contemplado atualmente pelos Plano nacionais –trata-se de incidências de médio e longo prazo, sejam aquelas relativas aos diferentes componentes da qualidade de vida das regiões amazônicas desses países, como aquelas das outras regiões dos 9 países envolvidos.
E – A importância que teriam essas soluções sobre o ritmo e as modalidades do desenvolvimento (no sentido amplo do termo) é considerável. Quando se vai além do nível de crescimento econômico, para levar em consideração problemas que se produziriam em outros níveis, aparecem novos perigos suscetíveis de deformar a economia geral do conjunto dos sistemas.
F – A maior parte dos problemas que se colocam, ou que vão se colocar, tem uma nova especificidade, porque eles tratam de aspectos da vida da comunidade e dos indivíduos que não foram tratados até o momento de maneira coerente.
G – Esses diferentes problemas estão muito intimamente relacionados, por interrelações de um novo tipo. Assim, por exemplo, as dificuldades que apareceriam em um local poderiam se estender por vias, e com rapidez insuspeita, a países limítrofes. É conveniente pensar nessas interrelações no quadro do ecossistema amazônico em relação aos outros ecossistemas do mundo.
H – Intervenções em países exteriores à região, que não levassem em conta os interesses vitais dessa mesma, podem se produzir. Elas pesariam de maneira considerável sobre o futuro.
I – A urgência do estudo das condições da região e das soluções a encontrar não permitirá tomar exclusivamente as vias normalmente utilizadas pelos Estados da região.
J – Os meios dos quais dispõem os Estados interessados, para uma operação de envergadura dessa contemplada aqui, são relativamente limitados.
4.4 Levando em consideração esses elementos e esses fatos, assim como a necessidade de evitar duplicações na busca de soluções e nas ações a empreender (como aquela de operar a partir de uma abordagem global para alcançar a resultados consequentes), parece indispensável propor a criação de mecanismos muito estruturados que permitam chegar a soluções inovadoras de grande eficácia e economicamente rentáveis para cada país e para o conjunto regional. Esses mecanismos podem ser de natureza nacional ou regional. Ambos são igualmente indispensáveis.
4.5 É óbvio que eles operariam em cooperação estreita com os outros organismos existentes, tanto no quadro nacional, como no quadro internacional (ONU e suas agencias, comissões econômicas regionais, organizações regionais de estados, Pacto Andino, etc.) e que se ocupam de outros problemas, ou que os consideram de maneira diferente.
Os organismos que propomos aqui teriam por objetivo
A – Reunir todas as informações pertinentes e disseminá-las de maneira seletiva,
B – Analisar os problemas colocados, a partir da abordagem global indispensável, e procurar as soluções inovadoras que eles requerem. Isso seria feito, prioritariamente, a respeito daqueles aspectos que possam ter uma incidência máxima. Por exemplo, o estabelecimento de grupos de pesquisa sobre a fotossíntese, aproveitando as condições particularmente favoráveis da região, além de vários outros.
A estrutura desses grupos deve ser tal que permita trazer grupos de pesquisa que já estão trabalhando sobre essas questões, no mundo inteiro.
É necessário insistir sobre a importância de efetuar essas pesquisas sob um ângulo operacional, quer dizer, que leve em consideração as modalidades de aplicação práticas das recomendações sobre o terreno em cada nível de avanço da frente pioneira.
Esses grupos de pesquisa deverão agrupar especialistas em recursos vegetais, minerais, hidrográficos, e humanos, e serão também o reflexo de uma dupla preocupação, de multinacionalidade e pluridisciplinaridade, as únicas que permitiriam abordar a bacia amazônica em sua globalidade.
C – Avaliar constantemente as incidências de todas as ordens das causas dos problemas, e aquelas de suas soluções, procurar os meios de financiamento nacionais ou internacionais para chegar a essas soluções.
D – Analisar os obstáculos de todos os tipos (jurídicos, legais, administrativos, financeiros, etc.), que poderiam prejudicar a eficácia das ações contempladas ou implementadas.
E – Planificar as pesquisas, as análises e as ações, e fazer propostas concretas quanto aos meios a empregar para maximizar o alcance das ações.
F – Garantir a coordenação geral e permanente dos meios envolvidos.
4.6 A forma desses mecanismos seria a determinar depois de estudo específico, mas eles deveriam constituir uma rede de organismos nacionais que veriam suas atividades coordenadas e encorajadas, em nível do ecossistema, por um organismo regional.
Esse organismo regional garantiria a utilização máxima dos esforços comuns. Eles poderão servir de exemplo quando se quiser atacar de maneira útil outros problemas da mesma ordem ou para realizar tarefas similares em outras regiões.
Documento traduzido e preparado pela Embaixadora Carla Barroso Carneiro
Baixe aqui o documento “Proposta sobre uma Ação Concertada Multinacional para a Defesa do Ecossistema Amazônico“
