Diretor do Programa Mundial de Alimentos defende mudança da sede da ONU para a África

  • Tempo de leitura:5 minutos de leitura

Blog do IFZ | 13/10/2025

Em artigo de publicado em O Globo, o diretor do Programa Mundial de Alimentos (PMA), Daniel Balaban, defende que a sede das Nações Unidas seja transferida para a África. A proposta, ousada e simbólica, nasce da constatação de que os principais desafios globais — fome, pobreza, desigualdade e mudanças climáticas — concentram-se hoje no Sul Global, especialmente no continente africano.

Balaban argumenta que mover a sede da ONU seria mais do que uma decisão administrativa: seria um ato político e moral, capaz de reconhecer o protagonismo africano e aproximar a governança internacional das populações mais afetadas pelas crises globais. A África abriga 33 dos 55 países mais vulneráveis à insegurança alimentar e deverá representar um quarto da população mundial até 2050.

Trazer o coração da diplomacia multilateral para o continente africano, segundo Balaban, significaria reposicionar o eixo ético do sistema das Nações Unidas, tornando-o mais representativo, inclusivo e atento às urgências reais do mundo em desenvolvimento.

Sede da ONU deve se mudar para a África

Ir para Nairóbi é ir aonde o mundo pulsa, aonde os desafios são mais intensos e a esperança mais necessária

Por Daniel Balaban no Globo | 11/10/2025

Há oito décadas, a Organização das Nações Unidas (ONU) ergueu suas fundações em Nova York, símbolo de esperança e cooperação internacional que emergia das cinzas da Segunda Guerra Mundial. Mas o mundo de 1945 já não existe. A centralidade global mudou, e os desafios contemporâneos se concentram com intensidade crescente no Sul Global. Ainda assim, a sede da ONU segue ancorada em uma das cidades mais caras e politicamente restritivas do planeta.

Diante desse descompasso, penso ser o momento de abrir o debate sobre uma ideia ousada: transferir a sede principal da ONU para o continente africano — mais precisamente, para Nairóbi, no Quênia. A mudança não seria apenas pragmática, reduzindo custos e aumentando a eficiência, mas também profundamente simbólica: um gesto de renovação institucional e de realinhamento estratégico com o mundo atual.

Vivemos tempos de orçamentos apertados e demandas crescentes. Manter a sede em Nova York representa um fardo financeiro significativo. Os custos operacionais na metrópole americana são exorbitantes, consumindo recursos que poderiam ser destinados a programas humanitários e de desenvolvimento.

Em contraste, Nairóbi oferece uma alternativa viável, com estimativas sugerindo economia de 50% a 60% nos gastos. O complexo da ONU em Gigiri, que já abriga o Escritório das Nações Unidas em Nairóbi, dispõe de infraestrutura pronta para expansão, permitindo a criação de uma sede moderna, sustentável e mais acessível.

Nairóbi é também um hub logístico estratégico, com conexões aéreas para capitais africanas, Europa, Ásia e Oriente Médio. A localização favoreceria a participação de delegações de países em desenvolvimento, muitas vezes barradas pelos custos e entraves burocráticos para entrar nos Estados Unidos. Fora da agitação de Manhattan, a ONU ganharia em foco e produtividade.

A África é hoje o epicentro dos grandes desafios do século XXI: mudanças climáticas, crises alimentares, migrações forçadas e conflitos persistentes. Estar presente no continente permitirá à ONU responder com mais agilidade e sensibilidade. Manter-se distante perpetua um modelo de governança desconectado do Sul Global. Mudar-se para a África é um passo concreto rumo à justiça e à equidade.

A presença física no continente ampliaria o diálogo com líderes comunitários, especialistas locais e ONGs, tornando as decisões da ONU mais contextualizadas. A proximidade com zonas de crise e com instituições como a União Africana reforçaria seu papel como mediadora global.

Além disso, é necessário garantir acesso universal e igualitário aos fóruns de debate. Transferir a sede para o Quênia reafirma o princípio da igualdade soberana entre os Estados-membros, livre de pressões unilaterais e interferências políticas.

O Quênia é uma nação estável e influente, com tradição diplomática, atuação em mediações de paz e histórico de participação ativa na ONU. Nairóbi já abriga agências importantes, como o Pnuma (Meio Ambiente) e a ONU-Habitat (Assentamentos Humanos). Até 2026, também passarão a funcionar ali as sedes do Unicef, da Agência das Nações Unidas para a Saúde Sexual e Reprodutiva e da ONU Mulheres, consolidando o papel da cidade como centro estratégico da organização no Sul Global.

Transferir a sede da ONU para a África não é apenas questão de eficiência. O multilateralismo do século XXI exige instituições representativas da diversidade global. Permanecer em Nova York é arriscar a irrelevância; migrar para o Quênia é abraçar a transformação.

Mesmo não sendo posição oficial da ONU, a África deve assumir seu lugar legítimo na governança global. O Quênia não é apenas um candidato — é símbolo de renovação. Ir para Nairóbi é ir aonde o mundo pulsa, aonde os desafios são mais intensos e a esperança mais necessária. A ONU precisa estar na África. A ONU precisa refletir o Sul Global.

*Daniel Balaban é diretor do Programa Mundial de Alimentos da ONU no Brasil

O artigo de Daniel Balaban foi publicado originalmente no Globo
https://oglobo.globo.com/opiniao/artigos/coluna/2025/10/sede-da-onu-deve-se-mudar-para-a-africa.ghtml