O que os agricultores brasileiros podem ensinar ao mundo sobre ação climática

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Por Kaveh Zahedi na Revista Time | 03/11/2025

Algo saboroso está acontecendo na região da Bahia, no Brasil. Ali, onde antes as florestas foram derrubadas para dar lugar a plantações de cacau a pleno sol, este recanto da Mata Atlântica — um dos ecossistemas mais ricos e, ao mesmo tempo, mais ameaçados do planeta — tornou-se o palco de uma silenciosa revolução agrícola.

Os agricultores estão resgatando o sistema cabruca, uma prática tradicional em que os cacaueiros crescem sob o dossel de espécies nativas. O retorno do cacau cultivado à sombra está revivendo a biodiversidade, restaurando terras degradadas e reconectando paisagens florestais fragmentadas. A iniciativa pretende apoiar 3 mil produtores e restaurar ou melhorar cerca de 1,85 milhão de hectares de sistemas cabruca, evitando a emissão estimada de 3,7 milhões de toneladas de carbono.

É uma solução que une tradição e inovação — e que já se mostrou eficaz em outros lugares. Na Costa do Marfim, um projeto semelhante, voltado à promoção do cacau livre de desmatamento, ajudou os agricultores a migrar do cultivo a pleno sol para o cultivo sombreado, aumentando a produtividade e a renda enquanto restauravam terras degradadas.

Desde seu início, em 2022, o projeto — financiado pelo Fundo Verde para o Clima e implementado pela FAO em parceria com o governo da Costa do Marfim — já beneficiou 3.577 pessoas, restaurou ou manteve mais de 700 hectares de florestas e converteu 3.448 hectares de cacau convencional em sistemas agroflorestais.

Os resultados são palpáveis: cacau de melhor qualidade, florestas mais saudáveis e comunidades mais fortes. Juntas, essas iniciativas mostram que, quando os agricultores têm meios para trabalhar em harmonia com a natureza, eles podem transformar uma história de desmatamento em um futuro de regeneração.

É isso que significa investimento climático inteligente: ajudar os agricultores a prosperar e, ao mesmo tempo, manter as florestas em pé, reduzindo as emissões.

A agricultura tem um dos maiores potenciais ainda inexplorados para reduzir as emissões globais de gases de efeito estufa, em conformidade com o Acordo de Paris — mas continua cronicamente subfinanciada. Em 2023, florestas, pecuária, pesca e produção agrícola receberam apenas 4% de todo o financiamento internacional relacionado ao clima, segundo uma análise da FAO que será publicada em breve. Para um setor tão essencial na redução de emissões, na prevenção da fome e na proteção das comunidades frente aos extremos climáticos, o abismo entre potencial e investimento é alarmante.

Ignorar os sistemas agroalimentares não é apenas injusto — é desperdiçar uma oportunidade de fortalecer a resiliência, mitigar as mudanças climáticas e garantir um futuro mais seguro e sustentável para as 1,3 bilhão de pessoas que dependem da agricultura para viver.

No ano passado, durante a COP29, em Baku, os países concordaram com uma nova meta: destinar US$ 300 bilhões por ano a países em desenvolvimento, como parte de uma ambição mais ampla de elevar o financiamento climático total a US$ 1,3 trilhão anuais até 2035. Mas, a menos que uma parcela significativa desses recursos seja direcionada aos sistemas alimentares e agrícolas, o mundo fracassará tanto em suas metas climáticas quanto em suas metas de segurança alimentar.

À medida que os países se preparam para se reunir no coração da Amazônia para a COP30, as florestas surgem naturalmente como ponto de partida. Elas não são apenas vítimas das mudanças climáticas — são também uma das soluções mais poderosas que temos, desde que haja investimento. O Brasil já está mostrando o caminho por meio de seu novo Fundo Florestas Tropicais para Sempre, que recompensa países por manterem suas florestas em pé. O governo brasileiro prometeu US$ 1 bilhão para lançar o fundo durante a COP30.

Embora o desmatamento global tenha diminuído nas últimas três décadas, o mundo ainda perde mais de 4 milhões de hectares de floresta por ano, de acordo com a mais recente Avaliação Global de Recursos Florestais da FAO — um número alto demais para que possamos atingir as metas de clima e biodiversidade.

Prevenir o aumento dos incêndios florestais é um ponto de partida crucial. Mas manter as florestas intactas vai além disso: significa restaurar terras degradadas e apoiar as comunidades que delas dependem, ajudando-as a construir meios de vida sustentáveis. A melhor defesa contra o desmatamento é tornar produtivas e rentáveis as terras ao redor das florestas, oferecendo aos agricultores alternativas viáveis à derrubada das árvores.

Cada dólar investido nesse tipo de agricultura gera múltiplos retornos: menores emissões, maior segurança alimentar e economias rurais mais fortes.

O que vale para as florestas vale também para toda a agricultura: quando investimos em soluções agroalimentares que fortalecem os agricultores, todos ganham — as pessoas, o planeta e o clima. No entanto, os pequenos produtores, responsáveis por um terço dos alimentos do mundo, ainda recebem apenas uma fração mínima do financiamento climático global. Liberar o potencial desses agricultores é uma das maneiras mais rápidas e inteligentes de se adaptar às mudanças climáticas, reduzir emissões e alimentar uma população crescente.

A restauração de terras degradadas traz benefícios semelhantes. Nas estepes orientais da Mongólia, uma iniciativa da FAO está ajudando agricultores a recuperar mais de 11 mil hectares de lavouras com o uso de plantio direto e consórcios agrícolas, restaurando a produtividade e protegendo os ecossistemas. Cerca de 845 mil hectares de pastagens estão se regenerando após o sobrepastoreio, enquanto comunidades pastoris transformam a lã de cashmere tosada em fibra sustentável para o mercado de luxo. Solos mais saudáveis e novos meios de subsistência estão aumentando a renda de dezenas de milhares de agricultores e criadores, ao mesmo tempo em que evitam cerca de 6 milhões de toneladas de emissões de carbono.

Sabemos que investir em sistemas alimentares mais resilientes funciona. O que falta é escala. Frequentemente, a agricultura é vista como um setor de alto risco e baixo retorno — um equívoco que precisamos corrigir. Sistemas de monitoramento mais inteligentes e detalhados podem direcionar o financiamento para as pequenas propriedades, permitindo que tenham acesso ao crescente mercado global de carbono. Ao mesmo tempo, os países precisam de apoio para estruturar carteiras de investimento compatíveis com o Acordo de Paris, canalizando o financiamento climático para onde ele é mais necessário.

Com dados mais precisos, incentivos claros e políticas sólidas, podemos garantir que o financiamento climático chegue, finalmente, àqueles que trabalham mais próximos da terra — liberando todo o potencial da agricultura e da produção de alimentos como motores do progresso climático.

O financiamento climático voltado à agricultura oferece um triplo retorno: mitigação, adaptação e segurança alimentar. Mas, quando o setor é ignorado, o mundo perde sua melhor chance de transformação duradoura.

A COP30 precisa ser o momento em que os sistemas alimentares passem das margens para o centro da ação climática. Como mostram os cacaueiros da Bahia, apoiar quem trabalha a terra é a forma mais segura de garantir o futuro do planeta.

Kaveh Zahedi é Diretor do Escritório de Mudanças Climáticas, Biodiversidade e Meio Ambiente da FAO, das Nações Unidas.

Publicado originalmente na Revista Time
https://time.com/7328338/cop30-brazil-climate-change-farming/