Blog do IFZ | 05/11/2025
Baixe aqui o documento temático “Climate Resilience through Social Protection: The Economic Case for Early Action“
As mudanças climáticas deixaram de ser uma ameaça distante para se tornarem uma crise sistêmica de desenvolvimento — especialmente nos países menos desenvolvidos (LDCs) e nos pequenos Estados insulares (SIDS). Secas, enchentes e tempestades cada vez mais frequentes vêm destruindo meios de subsistência, revertendo conquistas de décadas e empurrando milhões de pessoas de volta à pobreza.
O relatório do International Institute for Environment and Development (IIED), assinado por Ritu Bharadwaj, N. Karthikeyan e Swati Chaliha, demonstra que agir antes das crises — por meio de programas de proteção social antecipatória — é não apenas mais eficaz, mas também economicamente mais vantajoso do que reagir depois dos desastres.
1. A crise climática e o papel da proteção social
Em 2024, o mundo registrou 58 desastres climáticos bilionários, que geraram perdas superiores a US$ 400 bilhões. Esses eventos atingem com mais força os países pobres, onde choques sucessivos corroem avanços sociais e empurram famílias para armadilhas de pobreza. O estudo mostra que, em contextos de vulnerabilidade crescente, a proteção social é uma das ferramentas mais eficazes para fortalecer a resiliência climática.
Quando bem estruturados, programas de transferência de renda, obras públicas e subsídios ajudam as famílias a se preparar, resistir e se recuperar de choques. No entanto, a maioria dos países ainda atua de forma reativa, liberando recursos apenas depois dos desastres. O IIED defende uma transição para sistemas de ação antecipatória, baseados em gatilhos climáticos, seguros paramétricos e alertas precoces.
2. Duas vias de ação antecipatória
O estudo identifica duas abordagens complementares para integrar a resiliência climática à proteção social:
- Transferências antecipatórias diretas (DBTs) — Pagamentos em dinheiro, alimentos ou apoio em espécie realizados antes de um desastre, acionados por previsões ou sistemas de alerta. Essas transferências permitem que as famílias comprem alimentos, protejam seus bens, se realoquem ou evitem o endividamento.
- Investimentos precoces em resiliência — Intervenções estruturais de longo prazo, como obras públicas, restauração ambiental e fortalecimento dos meios de vida, que reduzem vulnerabilidades e promovem adaptação.
Essas estratégias fortalecem três capacidades essenciais: absorver choques, adaptar-se a riscos em transformação e transformar estruturas sociais e econômicas que perpetuam a vulnerabilidade.
3. O diagnóstico ASPIRE
Para avaliar o grau de prontidão dos países na adoção da proteção social antecipatória, o IIED desenvolveu a ferramenta ASPIRE (Anticipatory Social Protection Index for Resilience). Ela analisa 69 indicadores em quatro dimensões — políticas, sistemas, desenho e implementação dos programas — e mede o quanto cada país está preparado para agir preventivamente diante de choques climáticos.
O ASPIRE foi aplicado em oito países: Bangladesh, Etiópia, Gana, Índia, Maláui, Paquistão, Senegal e Uganda, abrangendo 24 programas de proteção social.
Os resultados mostram avanços relevantes, mas também lacunas significativas em financiamento, integração interministerial, uso de dados climáticos e capacidade operacional.
Exemplos de progresso:
- Etiópia: incorporou gatilhos de seca em seu Productive Safety Net Programme (PSNP), permitindo expansão temporária de benefícios.
- Índia: por meio do Mahatma Gandhi National Rural Employment Guarantee Scheme (MGNREGS), criou mecanismos para gerar empregos extras em períodos de estiagem.
- Bangladesh e Maláui: estão testando pagamentos antecipatórios por plataformas digitais e projetos-piloto baseados em forecast-based financing.
Apesar desses avanços, a maioria dos países ainda não conta com gatilhos automáticos, fundos de contingência nem integração efetiva entre alertas precoces e registros sociais.
4. Resultados econômicos: o argumento financeiro para agir antes
O estudo apresenta uma análise robusta de custo-benefício, combinando 62 anos de dados de desastres (EM-DAT) com 10 mil simulações probabilísticas por país.
No cenário modelado — um choque severo com probabilidade de 1 em 20 anos — as perdas potenciais totalizam US$ 21,4 bilhões entre os oito países, sendo US$ 11 bilhões apenas na Índia.
A comparação entre quatro tipos de resposta revela:
- Programas sociais existentes: reduzem apenas 2% das perdas;
- Respostas humanitárias tardias: reduzem as perdas para 59%;
- DBTs antecipatórios: reduzem para 42%;
- Investimentos precoces em resiliência: reduzem para 27%.
Os índices de benefício-custo (BCR) comprovam o valor da ação antecipatória:
- Cada US$ 1 investido em resiliência precoce gera US$ 5,17 em perdas evitadas;
- DBTs antecipatórios geram US$ 2,06;
- Respostas humanitárias retornam US$ 0,83;
- Sistemas reativos de proteção social geram apenas US$ 0,23, ou seja, são deficitários.
Para cobrir as perdas estimadas de US$ 21,4 bilhões, seriam necessários:
- US$ 93 bilhões via programas existentes;
- US$ 25,8 bilhões via ajuda humanitária;
- US$ 10,4 bilhões via DBTs antecipatórios;
- US$ 4,1 bilhões via investimentos precoces.
Países como Índia e Paquistão poderiam reduzir custos em até 95% ao substituir respostas reativas por estratégias de resiliência antecipatória.
Os dados deixam claro que agir antes do desastre não só evita perdas humanas e econômicas, mas também gera benefícios duradouros — protegendo ativos produtivos, prevenindo a desnutrição e fortalecendo sistemas locais de entrega.
5. Desafios estruturais
Apesar das evidências, o relatório identifica cinco barreiras principais que dificultam a ampliação da proteção social antecipatória:
- Financiamento insuficiente: países de baixa renda investem entre US$ 4 e US$ 28 per capita, contra US$ 700 nos países ricos.
- Acesso limitado ao financiamento climático internacional, como o do Green Climate Fund, que leva em média 5,5 anos para aprovar projetos.
- Falta de integração entre políticas de proteção social, gestão de riscos e adaptação climática.
- Dados desatualizados e sistemas fragmentados, sem informações adequadas sobre vulnerabilidade climática.
- Burocracia e lentidão decisória, que atrasam respostas mesmo quando há alertas disponíveis.
6. Soluções propostas
O relatório propõe um conjunto de reformas estruturais com base nas análises do ASPIRE:
- Políticas públicas: incluir o risco climático como eixo central das estratégias nacionais de proteção social; criar marcos legais que autorizem pagamentos antecipatórios vinculados a gatilhos climáticos.
- Sistemas e financiamento: estabelecer fundos nacionais de contingência, seguros paramétricos e instrumentos híbridos de financiamento — como resilience bonds — que assegurem desembolsos rápidos.
- Integração digital: modernizar cadastros sociais, cruzando dados climáticos e socioeconômicos; utilizar plataformas biométricas e pagamentos móveis para ampliar a cobertura.
- Inclusão e portabilidade: adaptar benefícios para migrantes climáticos e grupos vulneráveis — como mulheres, idosos e pessoas com deficiência.
- Apoio local e coordenação intersetorial: fortalecer governos locais e redes comunitárias, garantindo sinergia entre agricultura, meio ambiente e proteção social.
7. Investimentos em resiliência de longo prazo
A segunda via proposta — os investimentos precoces — visa reduzir vulnerabilidades estruturais. Programas como o MGNREGS (Índia) e o PSNP (Etiópia) têm mostrado resultados expressivos em conservação de solos, manejo de água, reflorestamento e geração de empregos rurais. Essas iniciativas aumentam a produtividade agrícola, reduzem a migração forçada e elevam a renda.
Além de promover adaptação, esses programas também contribuem para a mitigação climática: estima-se que o MGNREGS possa sequestrar 249 milhões de toneladas de CO₂ até 2030. O IIED defende que políticas desse tipo sejam financiadas por fundos climáticos e títulos verdes, gerando um duplo benefício — social e ambiental.
8. Caminho a seguir
O relatório conclui com uma mensagem inequívoca: a transição das respostas emergenciais para a proteção social antecipatória e os investimentos precoces é urgente e viável.
Ferramentas como o ASPIRE oferecem roteiros nacionais personalizados e evidências econômicas sólidas para orientar governos, doadores e organizações da sociedade civil.
O Fundo de Resposta a Perdas e Danos (FRLD), criado em 2022, é apontado como uma oportunidade estratégica para canalizar financiamento rápido e escalável a essas ações — especialmente quando combinado a capital filantrópico e inovação financeira.
A agenda proposta reforça um princípio central: a resiliência climática começa com justiça social.
Investir antecipadamente em proteção social salva vidas, reduz custos e prepara comunidades para um futuro de riscos inevitáveis — transformando a resposta ao clima em um motor de desenvolvimento sustentável.
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