COP30 em Belém: sistemas agroalimentares entre a ambição política e os limites das negociações

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Blog do IFZ | 26/11/2025

A Conferência do Clima de 2025, realizada em Belém, terminou com um conjunto expressivo de decisões reunidas no chamado Pacote Belém, ao mesmo tempo em que projetou a presidência brasileira como articuladora de uma agenda que busca aproximar clima, combate à fome e proteção social. No entanto, a centralidade dos sistemas agroalimentares e do enfrentamento da insegurança alimentar se afirmou mais pela liderança política do Brasil e pela atuação da FAO do que pela arquitetura formal das negociações. As decisões sobre mitigação, adaptação, financiamento e transição justa continuam tratando agricultura, alimentação e nutrição de forma dispersa, apesar do peso do setor nas emissões, na vulnerabilidade climática e na vida cotidiana de bilhões de pessoas.

Esse descompasso fica evidente quando se compara a densidade da Declaração de Belém sobre Fome, Pobreza e Ação Climática Centrada nas Pessoas, lançada no início da conferência, com o conteúdo das decisões aprovadas ao final. A declaração propõe um redesenho profundo das respostas à crise climática, organizando compromissos em torno da proteção social, da resiliência de pequenos produtores e das transições justas em regiões de floresta e ecossistemas sensíveis. Já o Pacote Belém se concentra na criação de mecanismos de implementação, indicadores de adaptação e instrumentos financeiros — passos relevantes, porém ainda tímidos, para integrar plenamente os sistemas alimentares às estratégias climáticas globais.

A Declaração de Belém: fome, proteção social e pequenos produtores no centro

A Declaração de Belém parte de um diagnóstico inequívoco: a crise climática aprofunda a fome, a pobreza e as desigualdades, atingindo com mais força quem menos contribuiu para o problema. O texto afirma que enfrentar os impactos desiguais do clima exige uma mudança de paradigma, colocando a proteção social e o direito humano à alimentação adequada no centro das respostas. Ao fazer isso, recoloca o combate à fome como eixo estruturante da ação climática — e não apenas como consequência a ser mitigada por políticas compensatórias.

O documento compromete os países signatários a expandir sistemas de proteção social capazes de antecipar riscos, responder rapidamente a choques climáticos e se articular a políticas-chave como alimentação escolar, saúde, nutrição, extensão agrícola e educação. A noção de “proteção social climática” aparece tanto como plataforma para respostas de curto prazo a eventos extremos quanto como base para trajetórias de adaptação e transição justa no longo prazo. Porém, a declaração reconhece que quase metade da população mundial ainda está excluída de qualquer forma de proteção social — justamente nas regiões mais vulneráveis às mudanças do clima.

Outro ponto central é o reconhecimento de pequenos agricultores familiares, pescadores artesanais, povos indígenas e comunidades locais como agentes de resiliência, e não apenas como grupos vulneráveis. A declaração propõe ampliar o acesso a infraestrutura hídrica, energia sustentável, serviços de extensão, informação de mercado, crédito, seguros, mecanismos de redução de risco e políticas que favoreçam práticas produtivas sustentáveis e dietas saudáveis. Ao vincular tudo isso ao financiamento climático, o texto sugere que transformar os sistemas alimentares é condição para cumprir o Acordo de Paris e reduzir simultaneamente fome e pobreza.

Por fim, a declaração reforça a necessidade de transições justas em regiões de floresta e ecossistemas sensíveis, conectando conservação, bioeconomia, agrofloresta, direitos territoriais e geração de renda para populações locais. Esse enfoque é particularmente importante para a Amazônia e outros biomas onde a expansão da fronteira agrícola, o risco de desmatamento e a vulnerabilidade social se sobrepõem. Ao apoiar iniciativas como o Tropical Forests Forever Facility (TFFF) e destacar a necessidade de meios de vida sustentáveis, o texto mostra que não há proteção climática duradoura sem enfrentar, ao mesmo tempo, o desmatamento e a pobreza rural.

Iniciativas agroalimentares da COP30: restaurar terras, apoiar agricultores e valorizar a bioeconomia

No campo agroalimentar, a COP30 resultou em um conjunto de iniciativas que, embora não tenham o mesmo peso jurídico das decisões negociadas no Pacote Belém, apontam caminhos concretos para alinhar produção de alimentos, clima e biodiversidade.

Entre elas, a iniciativa RAIZ (Resilient Agriculture Investment for net-Zero land degradation) se destaca como um esforço global para restaurar terras agrícolas degradadas, buscando um “ganho quádruplo”: clima, biodiversidade, segurança alimentar e combate à desertificação. A proposta combina recursos públicos e privados, financiamento climático e arranjos de blended finance para recuperar milhões de hectares hoje improdutivos, reduzir emissões e ampliar a produção de alimentos em bases sustentáveis.

A iniciativa TERRA (Together for the Expansion of Resilient and Restorative Agroforestry and Agroecology) reforça esse movimento a partir da realidade de agricultores familiares. Seu foco é acelerar soluções em agrofloresta e agroecologia para famílias agricultoras, cooperativas e associações, combinando apoio financeiro, assistência técnica e fortalecimento de organizações locais. A TERRA dialoga diretamente com a Declaração de Belém ao fortalecer pequenos produtores como agentes centrais da resiliência climática.

Outro eixo é o Bioeconomy Challenge, concebido como plataforma global para transformar princípios de bioeconomia em ações mensuráveis e escaláveis até 2028. A proposta é conectar inovação tecnológica, conhecimento tradicional e novas cadeias produtivas baseadas em recursos biológicos da floresta, da agricultura e dos ecossistemas aquáticos, alinhadas a métricas claras de impacto climático, social e econômico.

Em paralelo, o Tropical Forests Forever Facility, lançado sob liderança do Brasil, cria um instrumento de financiamento de longo prazo baseado na manutenção de florestas tropicais em pé, articulado a uma chamada global por manejo integrado do fogo e maior resiliência a incêndios. Ao incentivar a transição de modelos reativos para uma gestão preventiva, essas iniciativas buscam proteger florestas, reduzir emissões, preservar serviços ecossistêmicos e sustentar meios de vida nas regiões onde pobreza, insegurança alimentar e vulnerabilidade climática se acumulam.

Tomadas em conjunto, essas iniciativas sinalizam uma inflexão importante: compreender que restaurar terras, fortalecer a agroecologia, expandir a bioeconomia e proteger florestas tropicais não são agendas separadas, mas partes de uma mesma estratégia para construir sistemas agroalimentares resilientes, de baixo carbono e capazes de contribuir diretamente para o combate à fome. O desafio será garantir que esses compromissos se traduzam em fluxos de financiamento estáveis, acesso real para agricultores familiares e capacidade institucional nos países em desenvolvimento para transformar projetos-piloto em políticas de escala nacional.

O Pacote Belém e a ação climática “centrada nas pessoas”

As decisões formais da COP30, sintetizadas em 29 medidas do Pacote Belém, avançam em direção a um regime climático mais conectado à vida das pessoas, mas ainda sem incorporar plenamente a centralidade dos sistemas agroalimentares. Houve avanços na Meta Global de Adaptação, com definição de indicadores voluntários, e no compromisso de triplicar o financiamento para adaptação até 2035, com foco nas populações mais vulneráveis.

Foram criados instrumentos como o Mecanismo Global de Transição Justa de Belém, o Acelerador Global de Implementação e a Missão Belém para 1,5°C, além de planos específicos para saúde, gênero e proteção de florestas tropicais.

No que se refere à agricultura e alimentação, esses instrumentos abrem janelas de oportunidade, mas não estabelecem metas específicas ou compromissos vinculantes. O Acelerador RAIZ, por exemplo, foi mencionado como iniciativa-chave para restaurar terras agrícolas degradadas, mobilizando capital privado e soluções financeiras inspiradas em experiências brasileiras. Ao mesmo tempo, a Missão Belém e a Agenda de Ação consolidaram mais de 40 parcerias e cerca de 9 bilhões de dólares em investimentos para paisagens regenerativas, beneficiando milhões de agricultores.

A Declaração de Belém volta a atuar como ponte ao explicitar que o novo objetivo coletivo de financiamento climático — que busca mobilizar ao menos 300 bilhões de dólares anuais até 2035 — deve priorizar segurança alimentar, proteção social e resiliência de pequenos produtores. O texto também pede que instituições multilaterais, fundos climáticos e bancos de desenvolvimento removam barreiras de acesso para agricultores familiares, povos indígenas, comunidades locais e países com menor capacidade fiscal.

Entre a ambição e a implementação: desafios para a agenda da fome e dos sistemas alimentares

O balanço da COP30 em Belém, pela ótica da fome e dos sistemas agroalimentares, é de avanços importantes, porém ainda insuficientes. A presidência brasileira e a FAO conseguiram dar visibilidade às conexões entre clima, alimentação e proteção social, e a Declaração de Belém oferece um roteiro consistente para uma ação climática centrada nas pessoas. Ao mesmo tempo, as negociações formais ainda não traduzem essa ambição em compromissos concretos e financiados na escala necessária.

Os próximos anos mostrarão se o “mutirão global” e a chamada COP da Implementação conseguirão transformar declarações em mudanças reais para agricultores familiares, povos indígenas, comunidades rurais e populações urbanas em insegurança alimentar. Para isso, será decisivo que a agenda agroalimentar deixe de ser apenas um eixo voluntário e passe a ocupar o centro da arquitetura climática — tanto nos compromissos nacionais (NDCs, planos de adaptação) quanto na forma de conceber, alocar e monitorar o financiamento climático.

Aqui está a revisão das referências, adequadas ao Português do Brasil, com formatação padronizada e sem marcas de tradução literal ou de transcrição automática — mantendo fidelidade ao conteúdo original:

Bibliografia

COP30 / CMP20 / CMA7 Presidency and Ministerial Consultations.
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FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS (FAO).
Sustainable and resilient agrifood systems are essential for achieving the Paris Agreement targets on climate change. Rome/Belém, 1 nov. 2025. Disponível em: https://www.fao.org/newsroom/detail/cop30–fao-brings-agrifood-systems-to-the-forefront-of-climate-action/en. Acesso em: 26 nov. 2025.

UNITED NATIONS FRAMEWORK CONVENTION ON CLIMATE CHANGE (UNFCCC); COP30 BRASIL.
COP30 aprova o Pacote Belém. Belém, 23 nov. 2025. Disponível em: https://cop30.br/pt-br/noticias-da-cop30/cop30-aprova-o-pacote-belem. Acesso em: 26 nov. 2025.

COP30 BRASIL; CLIMATE HIGH-LEVEL CHAMPIONS.
Climate Champions accelerate implementation in Belém, unveil five-year vision for next era of climate action. Belém, 21 nov. 2025. Disponível em: https://cop30.br/en/news-about-cop30/cop30-climate-champions-accelerate-implementation-in-belem-unveil-five-year-vision-for-next-era-of-climate-action. Acesso em: 26 nov. 2025.

UNITED NATIONS FRAMEWORK CONVENTION ON CLIMATE CHANGE (UNFCCC); COP30 BRASIL.
COP30: landmark outcomes emerge from negotiations despite unprecedented geopolitical tensions. Belém, 23 nov. 2025. Disponível em: https://cop30.br/en/news-about-cop30/cop30-landmark-outcomes-emerge-from-negotiations-despite-unprecedented-geopolitical-tensions. Acesso em: 26 nov. 2025.