O encontro marcou uma inflexão: das promessas grandiloquentes ao enfrentamento das complexidades reais da redução de emissões
Por Pilipa Clark no Financial Times | 21/11/2025
A COP30 já nasceu destinada a ser diferente. A primeira realizada às portas da Amazônia. A primeira a ser tão amplamente rechaçada pelo governo dos Estados Unidos. E a primeira desde que o planeta ultrapassou, por um ano inteiro, o limiar de 1,5 °C de aquecimento global.
Também acabou se tornando a primeira COP cujo próprio local de realização foi afetado por calor extremo, enchentes e até um incêndio que paralisou as negociações durante boa parte do penúltimo dia.
Apesar disso, a conferência na cidade de Belém, sob seu clima úmido e imprevisível, conseguiu algo que esses grandes encontros anuais já deveriam ter alcançado há muito tempo: deslocar o foco das promessas grandiloquentes para o enfrentamento das complexidades concretas envolvidas na redução das emissões de carbono.
Os delegados debateram regras do comércio global, minerais críticos, a possibilidade de uma eliminação progressiva dos combustíveis fósseis e outras questões que, por anos, foram consideradas demasiado sensíveis — ou até irrelevantes — para o escopo das COPs.
Não é descabido perguntar por que isso levou tanto tempo, sobretudo no que se refere aos combustíveis fósseis.
A queima de carvão, petróleo e gás continua sendo, de longe, a principal causa do aquecimento global. Contudo, a dinâmica extremamente pesada de tomada de decisão nas COPs fez com que, em três décadas de reuniões, não se chegasse sequer perto de um plano claro sobre como — e quando — os países devem abandonar esses combustíveis.
Tentando preencher essa lacuna, dezenas de governos defenderam, em Belém, a elaboração de um roteiro de transição energética. Essa proposta levou os participantes a expor, com rara clareza, os inúmeros obstáculos que hoje travam essa transição.
Como resumiu Susana Muhamad, ex-ministra do Meio Ambiente da Colômbia, em uma das sessões, países que tentam reduzir suas exportações de petróleo enfrentam hoje uma enxurrada de riscos: queda nas ações de empresas de energia, questionamentos do FMI sobre capacidade de pagamento da dívida e preocupações de agências de rating sobre a solidez dos investimentos. Sem um marco internacional para orientar essa transição, ela perguntou: “quem vai arriscar sua economia primeiro?” A pergunta é incontornável.
Outros fatores financeiros ajudam a explicar por que, na década posterior ao Acordo de Paris, o mundo aposentou cerca de 300 gigawatts de energia a carvão, mas acrescentou quase 600 GW — com outros 600 GW ainda em fase de planejamento, segundo ressaltou o professor Akash Deep, de Harvard. Mesmo que existam alternativas mais limpas, os combustíveis fósseis continuam sendo a opção racional para muitas economias de rápido crescimento, simplesmente porque são mais fáceis de financiar.
Ao final das negociações, nesta sexta-feira, o futuro do roteiro ainda permanecia incerto. Mas a pressão exercida em Belém fez com que vários países se comprometessem a avançar no tema ao longo do próximo ano, possivelmente com apoio de instituições multilaterais.
Houve, contudo, avanços mais concretos em outro tema que ganhou peso nesta COP: as regras do comércio global.
As tarifas generalizadas de Donald Trump ajudaram a trazer para o centro das atenções um debate que, por anos, pairou à margem dessas discussões. Da mesma forma, as tarifas impostas por países ocidentais aos veículos elétricos chineses alimentaram temores de que o ritmo da transição energética global seja comprometido caso se intensifiquem as barreiras à principal fonte mundial de tecnologias verdes.
Mas o estopim em Belém foi o imposto de fronteira sobre carbono da União Europeia, previsto para entrar em vigor em janeiro.
Diversos países criticaram o Mecanismo de Ajuste de Carbono na Fronteira (CBAM), ferramenta criada para evitar que indústrias europeias sejam prejudicadas por importações oriundas de países sem um sistema robusto de precificação de carbono. Hoje, esse sistema exige que empresas europeias paguem algo em torno de 80 euros por tonelada de dióxido de carbono emitido.
A Arábia Saudita esteve entre os que repudiaram a medida, denunciando o que chamaram de uma “transferência econômica injusta dos pobres para os ricos, disfarçada de ação climática”, capaz de minar os esforços de descarbonização dos países menores.
Ainda assim, muitos governos estão atentos a esse tipo de iniciativa, especialmente diante de indícios de que o CBAM está estimulando a disseminação da precificação de carbono. Desde que o plano europeu começou a ser discutido em 2019, pesquisadores contabilizam mais de 40 esquemas, em 37 países, que foram lançados, analisados ou implementados.
De forma oportuna, o Brasil aproveitou a COP30 para lançar um fórum destinado a discutir o provável aumento das tensões entre comércio e clima. Apenas mais um espaço de diálogo? Talvez, mas foi revigorante ver as realidades econômicas imediatas finalmente ganhando centralidade em um processo que tantas vezes parece alheio a elas.
De maneira semelhante, países fizeram um esforço raro para incluir, nas negociações formais da COP, o tema dos minerais críticos imprescindíveis à transição energética. O combate à desinformação climática — questão que raramente recebe atenção direta nesses encontros — também foi apoiado por diversas nações. E foi criado ainda um fundo pioneiro de US$ 5,5 bilhões para a proteção das florestas tropicals.
Convém frisar: trata-se mais de um passo hesitante do que de um rompimento real com o tradicional “business as usual” das COPs. Os negociadores ainda passaram horas discutindo textos jurídicos que confundiriam até especialistas, quanto mais o público geral, sobretudo num momento em que o mundo avança a passos largos rumo a um clima desconhecido.
Não há garantias de que essas novas iniciativas produzirão mudanças profundas. Ainda assim, o Brasil iniciou um trabalho há muito necessário: redefinir a forma como o mundo enfrenta um dos grandes desafios do nosso tempo. Não é a resposta final — mas é, sem dúvida, um começo.
Publicado originalmente no Financial Times
https://www.ft.com/content/8e8f960f-1b25-4c10-b4a5-a0c745ad9054
