Por José Graziano da Silva | 12/07/2023
O relatório “O Estado da segurança alimentar e nutricional no mundo” (SOFI, pela sigla em inglês), uma produção conjunta da FAO, FIDA,PMA,OMS e UNICEF, traz informações preocupantes. A proporção da população brasileira em insegurança alimentar grave ou moderada atingiu o recorde 32,8% no triênio da pandemia 2020/22, afetando um contingente estimado em mais de 70 milhões de pessoas, praticamente um de cada três brasileiros. Isso representou um aumento de quase 60% em relação ao triênio pré-pandemia de 2017-19, quando a insegurança alimentar grave e moderada já afetava mais de 20% da população – ou seja, um de cada cinco brasileiros. Ou ainda um aumento de 13% em relação ao triênio anterior 2019-2021.
Os números divulgados para o Brasil no SOFI-2023 surpreenderam, pois se esperava uma atenuação no aumento da fome com a inclusão dos dados de 2022 no cálculo da média trienal. O fato é que o forte aumento da insegurança alimentar grave e moderada mostrado no SOFI- 2023 para o Brasil no triênio 2020-2022 levanta a questão de quais políticas utilizar para reverter o crescimento da fome.
Já tivemos oportunidade de dizer que as políticas de transferência de renda, dada a condição de insegurança alimentar generalizada na população de menor renda no país, tem apenas um “papel coadjuvante” de atenuar o problema para os beneficiários; e que as políticas principais devem ser as que possam impactar a base da pirâmide ocupacional, como as de geração de emprego e o aumento do salário mínimo acima da inflação por exemplo.
A melhoria da merenda escolar, não apenas pela sua abrangência mas sobretudo pela importância do público atingido: crianças na escola que vão poder melhorar seu aprendizado com acesso a uma comida saudável. Os dados da fome no Brasil são tão impactantes que o Sofi-2023 mostra também a América do Sul – considerada o celeiro do mundo – como uma das regiões com maiores níveis de insegurança alimentar grave e moderada: quase 40%, valor inferior apenas ao da África onde essa proporção infelizmente passa dos 60%.
O Brasil aparece entre os países vizinhos, atrás apenas da Argentina que apresentou 37% de insegurança alimentar moderada e severa em 2020/22. Esse crescimento contínuo da insegurança alimentar moderada e grave no Brasil vai na contramão das tendências verificadas para grande parte do restante do Mundo. Segundo o SOFI- 2023, a prevalência de insegurança alimentar moderada e grave em nível mundial (indicador 2.1.2 dos ODS) manteve-se inalterada pelo segundo ano consecutivo, depois de ter aumentado acentuadamente no início da pandemia. Cerca de 30% da população global – 2,4 mil milhões de pessoas – estavam em situação de insegurança alimentar moderada ou grave no ano de 2022, dos quais 11% (ou seja, cerca de 900 milhões das pessoas no mundo) estavam em situação de insegurança alimentar grave, o que significa que passaram pelo menos um dia sem comer na época da pesquisa.
O SOFI-2023 revela ainda que um número ainda maior – cerca de 3 bilhões de pessoas no mundo, ou mais de 40% – não tinham condições para pagar por uma dieta saudável em 2021, uma demonstração inequívoca de que a má alimentação decorre do baixo poder aquisitivo de grande parte da população . E mostra ainda que em 2022, quase 150 milhões de crianças com menos de cinco anos de idade (22% do total) eram raquíticas e 37 milhões (6%) tinham excesso de peso. Os números para o Brasil revelam que mais de 10% das crianças com menos de 5 anos tinham excesso de peso, inferior apenas aos vizinhos Argentina (13%) e Uruguai (11%).
Sobrepeso e obesidade são elementos que reforçam a gravidade da má alimentação da nossa população. De fato, o SOFI-2023 mostra que a fome no mundo ainda está muito acima dos níveis pré- pandêmicos. Estima-se que 735 milhões de pessoas no mundo passavam fome em 2022, o que representa 120 milhões de pessoas a mais do que antes da pandemia do COVID-19. No entanto, uma boa notícia: para o mundo a fome parou de aumentar pois em 2022, havia cerca de 4 milhões a menos de pessoas a passar fome do que em 2021.
A avaliação geral do SOFI-2023 é o retrato de um mundo ainda em lenta recuperação após o fim da pandemia. Os sinais encorajadores do crescimento económico – e as consequentes projeções de um declínio da pobreza e da fome – foram logo atenuadas pelo aumento dos preços dos géneros alimentícios e da energia em parte impulsionados pela guerra da Ucrânia. Com isso, o 2022 terminou sem registrar progressos significativos rumo ao objetivo “fome zero” a nível mundial; e piorou muito aqui no Brasil, país que já mostrou que alcançar esse objetivo é possível. Tem razão o presidente Lula em ter sido eleito novamente para retirar o país do Mapa da Fome como sua prioridade maior!
José Graziano da Silva é Diretor Geral Instituto Fome Zero e ex-Diretor Geral da FAO (2012-2019)