Blog do IFZ | 16/09/2025
No início do século XXI, programas de transferência de renda e outras formas de assistência social se multiplicaram no Sul Global. O avanço foi acompanhado por inovações na gestão e por avaliações que demonstraram impacto positivo na redução da pobreza. No cenário internacional, a proteção social tornou-se pauta central, recebendo apoio financeiro e político de organismos multilaterais.
Nos últimos dez anos, contudo, esse entusiasmo parece ter perdido força. Cortes de financiamento, austeridade fiscal e crises sucessivas, como a financeira de 2008 e a pandemia de COVID-19, frearam o ritmo de inovações. A questão que se impõe é se chegamos ao fim de uma fase de expansão das políticas sociais.
O Relatório sobre o Estado da Proteção Social 2025, do Banco Mundial, sugere que não. Entre 2012 e 2022, a cobertura global da proteção social aumentou dez pontos percentuais, alcançando 51% da população nos países analisados. O crescimento foi ainda mais expressivo entre os grupos mais pobres, em grande parte devido ao reforço da assistência social. Apesar das ressalvas metodológicas, como a concentração de dados em 73 países e a influência dos programas emergenciais da pandemia, o quadro indica continuidade, e não retração.
As taxas de pobreza extrema, indicador fortemente sensível às políticas de transferência de renda, também mantiveram tendência de queda. O avanço foi desigual, com progressos mais lentos na África Subsaariana, mas o período pós-2000 marca uma aceleração clara no combate à miséria. Ainda que o crescimento econômico siga sendo o motor principal, a redistribuição via proteção social desempenha papel relevante.
Talvez o efeito mais profundo dessa expansão não esteja apenas nas estatísticas, mas na transformação política: governos do Sul passaram a assumir explicitamente a responsabilidade de garantir padrões mínimos de vida para suas populações. Trata-se de uma inflexão em relação ao paradigma neoliberal que relegava a redução da pobreza ao crescimento econômico, sem mediação estatal.
O futuro, no entanto, apresenta dilemas complexos. Os modelos tradicionais de seguro ocupacional, voltados a trabalhadores formais, enfrentam limites diante da desindustrialização e da informalidade persistente. Alternativas como a poupança individual obrigatória mostram baixa popularidade e eficácia restrita. A assistência social, por sua vez, tem se mostrado a via mais inclusiva, mas sua consolidação como um piso universal exigirá pactos políticos ainda em aberto.
Outro desafio está no campo da pesquisa. Avaliações de impacto trouxeram evidências valiosas sobre os efeitos diretos dos programas, mas pouco se sabe sobre suas implicações mais amplas para a economia e para a coesão social. Casos como a substituição do programa PROSPERA, no México, por pensões e bolsas de estudo, apontam para a necessidade de métricas que considerem não apenas eficiência e custo, mas também preferências sociais e percepções de justiça.
Por fim, o cenário político coloca interrogações adicionais. Regimes autoritários, ao mesmo tempo em que podem ampliar a proteção social por interesse eleitoral, também podem fragilizar suas bases institucionais, reduzindo transparência e enfraquecendo regras de acesso e controle orçamentário — elementos centrais para a sustentabilidade de longo prazo.
A trajetória recente mostra que a proteção social no Sul Global não está em declínio, mas em transformação. Entre conquistas que se consolidam e incertezas que se acumulam, o desafio maior será preservar o compromisso político que tornou possível enxergar a pobreza não como destino inevitável, mas como responsabilidade coletiva a ser enfrentada.
Para quem deseja se aprofundar no tema, vale a leitura do artigo “Social protection in the South: Rise and Fall?”, de Armando Barrientos, publicado na SocialProtection.org, que traz uma análise detalhada sobre a trajetória recente da proteção social no Sul Global e os desafios que se desenham para o futuro.
Link para a matéria https://socialprotection.org/discover/blog/social-protection-south-rise-and-fall
Baixe o relatório do Banco Mundial “State of Social Protection Report 2025: The 2-Billion-Person Challenge“
