Iniciativa surgiu a partir do Programa Fome Zero, um compromisso do presidente Lula na posse de 2003 para assegurar comida na mesa de todos os brasileiros
Agência Brasil | 20/10/2023
“Essa é uma história antiga. O Brasil conheceu a riqueza dos engenhos e das plantações de cana-de-açúcar nos primeiros tempos coloniais, mas não venceu a fome; proclamou a independência nacional e aboliu a escravidão, mas não venceu a fome; conheceu a riqueza das jazidas de ouro, em Minas Gerais, e da produção de café, no Vale do Paraíba, mas não venceu a fome; industrializou-se e forjou um notável e diversificado parque produtivo, mas não venceu a fome. Isso não pode continuar assim.”
A constatação e a indignação não são de hoje. Esse foi um trecho do discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na sessão solene de posse no Congresso Nacional, em 1º de janeiro de 2003. Na época, pesquisas apontavam que cerca de 50 milhões de brasileiros passavam fome. “Enquanto houver um irmão brasileiro ou uma irmã brasileira passando fome, teremos motivo de sobra para nos cobrirmos de vergonha”, afirmou.
Naquele momento, nascia um compromisso. “Defini entre as prioridades de meu governo um programa de segurança alimentar que leva o nome de Fome Zero. Como disse em meu primeiro pronunciamento após a eleição, se, ao final do meu mandato, todos os brasileiros tiverem a possibilidade de tomar café da manhã, almoçar e jantar, terei cumprido a missão da minha vida”, disse Lula.
A pobreza, no entanto, não era igualmente distribuída pelo território brasileiro. Uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrou que 32,6% das cidades brasileiras tinham mais de 50% da população na pobreza em 2003. No Nordeste, contudo, a porcentagem atingia o índice de 77,1%, enquanto a taxa do Sul se limitava a 0,9%.
Se, ao final do meu mandato, todos os brasileiros tiverem a possibilidade de tomar café da manhã, almoçar e jantar, terei cumprido a missão da minha vida” – Presidente Lula, em discurso de posse de 2003
Ainda nos primeiros dias de mandato, em janeiro de 2003, o presidente Lula visitou a vila Irmã Dulce, em Teresina, com a presença do recém-eleito governador do Piauí, Wellington Dias, e de uma comitiva de ministros. O grupo esteve também em Brasília Teimosa, uma favela de palafitas em Recife. Foi, no entanto, em um município do interior do Piauí, com cerca de 4,5 mil habitantes, que nasceria o projeto piloto do Fome Zero, no dia 3 de fevereiro.
Guaribas era considerada uma das cidades mais pobres do país. Ali a motivação de acabar com a fome no Brasil começaria a se tornar realidade. A iniciativa levou para a cidade projetos de infraestrutura, iniciativas de inclusão social, de acesso a água, saneamento básico, pavimentação, dentre outras melhorias.
Nasce o Bolsa Família
O início do governo Lula e a implementação do Fome Zero foram acompanhados pela criação do Programa Cartão Alimentação e do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), entre outras iniciativas de promoção da segurança alimentar. O Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) foi recriado como órgão de assessoramento imediato à Presidência da República e surgiu um amplo processo de mobilização popular em torno do tema.
Nesse contexto, em 20 de outubro do mesmo ano, o Programa Bolsa Família foi criado pela Medida Provisória nº 132, posteriormente convertida em lei, em janeiro de 2004 (Lei nº 10.836). O programa de transferência de renda do Governo Federal unificou iniciativas que já existiam, como o Cadastro Único, o Auxílio Gás e o Fome Zero, com o intuito de superar a pobreza e a fome.
“O Fome Zero significou Guaribas sem fome. Tinha vários programas. Lembro do programa Um Milhão de Cisternas, que o pessoal morria de sede e que salvou muita gente. O Luz Para Todos também veio. Na época não tinha energia onde eu morava. Foi muita coisa boa que aconteceu”, recorda Eldiene Maia, 37 anos, que nasceu e mora na cidade piauiense.
“O Bolsa Família tornou-se um dos maiores e mais respeitados programas no mundo, sendo uma das políticas que liderou a retirada do Brasil do mapa da fome”, comenta a secretária nacional de Avaliação, Gestão da Informação e Cadastro Único do MDS, Letícia Bartholo.
O primeiro pagamento do Bolsa Família foi realizado em outubro de 2003 e contemplou 1,15 milhão de famílias a partir do repasse de R$ 84,74 milhões. Cada família recebeu, em média, R$ 73,67.
Em 2009, uma mudança de metodologia proporcionou maior qualidade no atendimento e a concessão do benefício a um número maior de famílias. De acordo com a pesquisa “Cash Transfers and Formal Labour Markets – Evidence from Brazil“, do Banco Mundial, a expansão impulsionou as economias locais no país, com aumento do consumo, dos empregos, do número de contas bancárias e da arrecadação de impostos.
Ao longo do tempo, o programa cresceu. No início de 2014, mais de 14 milhões de famílias brasileiras já eram atendidas, e o investimento ultrapassava a marca de R$ 2 bilhões. Naquele ano, a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês), anunciou a saída do Brasil do mapa da fome.
Entre 2002 e 2013, caiu em 82% a população de brasileiros considerados em situação de subalimentação. O relatório também mostra que o Indicador de Prevalência de Subalimentação atingiu no Brasil nível menor que 5%, abaixo do qual a organização considera que um país superou o problema da fome.
De acordo com a pesquisa “Mobilidade Social no Brasil: uma análise da primeira geração de beneficiários do Programa Bolsa Família”, mais de 64% das crianças e dos adolescentes que recebiam o Bolsa Família em 2005 deixaram o Cadastro Único até 2019. O estudo foi conduzido por pesquisadores do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS), do Oppen Social, da FGV-EPGE e da Università Bocconi.
Desmonte e reconstrução
O ciclo de superação da fome e da pobreza foi interrompido pelo sucateamento das políticas públicas a partir do golpe de 2016. Os índices foram piorando até que, em 2022, o Brasil voltou ao mapa da fome, mesmo com grandes repasses financeiros do programa de transferência de renda em vigor. Segundo relatório da FAO, 70,3 milhões de pessoas estiveram em estado de insegurança alimentar moderada no ano passado. O levantamento também aponta que 21,1 milhões de pessoas no país passaram por insegurança alimentar grave.
Já de acordo com o Segundo Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia de Covid-19 no Brasil, 33,1 milhões de pessoas não tinham garantido o que comer em 2022. Conforme o estudo, 58,7% da população brasileira conviviam com a insegurança alimentar em algum grau (leve, moderado ou grave).
O novo desenho traz equidade, fortalecimento na segurança alimentar, articulação e acesso a outras políticas públicas. Reconstrói o pacto federativo e a necessidade cada vez maior do fortalecimento do Sistema Único de Assistência Social” – Eliane Aquino, secretária nacional de Renda de Cidadania do MDS
Agora, o Brasil tem novamente a missão de sair do mapa da fome e assegurar comida de qualidade na mesa de todas as famílias do país. Em menos de três meses de gestão do terceiro mandato do presidente Lula, o Bolsa Família voltou. Desta vez, renovado e assegurando valores mínimos por pessoa e por lar, além de adicionais para crianças, adolescentes, gestantes e nutrizes. Tem, ainda, a missão de promover uma emancipação real dos beneficiários por meio do emprego e do empreendedorismo.
“Ao retomarmos o programa no ano em que ele completa 20 anos de sua criação, damos continuidade a um caminho de construção em busca do resgate da dignidade e da cidadania das famílias, não somente pelo Governo Federal, mas pela atuação conjunta, forte e participativa de todos os entes federados”, afirma Letícia Bartholo.
No último dia 2 de março, o presidente Lula assinou a Medida Provisória 1.164/23, que recriou o Bolsa Família. Em 19 de junho, a MP foi convertida na Lei nº 14.601, contemplando uma série de medidas que resgataram o conceito de perfil familiar e de apoio à primeira infância.
O resgate, na verdade, havia começado ainda durante o Governo de Transição. A garantia de pelo menos R$ 600 por família no Orçamento de 2023 se deu antes mesmo da posse de Lula. O orçamento enviado ao Congresso Nacional pela gestão anterior definia um valor mínimo de apenas R$ 400 para o Bolsa Família.
“Alcançamos uma vitória muito importante, ainda com o Congresso antigo. Abrimos diálogo e aprovamos a PEC dos Programas Sociais”, lembra o ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Wellington Dias.
No relançamento do programa, foi criado o Benefício Primeira Infância, com o pagamento de R$ 150 adicionais por criança de zero a seis anos – 8,98 milhões de crianças contempladas já em março. Em junho, o Bolsa Família começou a pagar R$ 50 adicionais para gestantes e para a faixa etária de sete a 18 anos, além de R$ 142 por integrante da família, de qualquer idade.
A Regra de Proteção, novidade incorporada também em junho, garante que, mesmo conseguindo um emprego e melhorando a renda, a família permaneça no programa por até dois anos, desde que cada integrante receba o equivalente a até meio salário mínimo (R$ 660). O objetivo é assegurar maior estabilidade financeira e estimular o emprego e o empreendedorismo. Se a família perder a renda depois dos dois anos ou tiver pedido para sair do programa, ela tem direito ao Retorno Garantido, e o benefício volta a ser pago.
Em outubro, veio o benefício de R$ 50 para as nutrizes, para contemplar bebês com até seis meses de idade. Completou-se a reformulação do programa e a recomposição do conceito de família como base para a política pública de transferência de renda.
“O novo desenho traz equidade, fortalecimento na segurança alimentar, articulação e acesso a outras políticas públicas. Reconstrói o pacto federativo e a necessidade cada vez maior do fortalecimento do Sistema Único de Assistência Social”, destaca a secretária nacional de Renda de Cidadania, Eliane Aquino.
Reconhecimento
Os resultados positivos do novo Bolsa Família no combate à pobreza já estão sendo sentidos e foram medidos em estudo realizado por pesquisadores da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).
Uma pesquisa divulgada no fim de setembro mostrou o incremento na renda das famílias a partir da nova cesta de benefícios. A conclusão é de que, das 21,2 milhões de famílias contempladas pelo programa em agosto de 2023, 19,7 milhões já estavam protegidas da pobreza, sendo que três milhões delas conseguiram a evolução a partir de março.
“O Bolsa Família é uma das políticas públicas brasileiras mais estudadas e avaliadas. Ao longo de suas duas décadas de existência, a pesquisa científica acumulou um importante conjunto de evidências acerca do impacto da transferência condicionada de renda na vida brasileira”, aponta Letícia Bartholo. “O programa ajudou a reduzir a pobreza e a pobreza extrema, a diminuir a mortalidade infantil, aumentar a participação escolar feminina, reduzir a desigualdade regional do país e melhorar indicadores de segurança alimentar entre os mais pobres”, acrescenta.
O Bolsa Família completa 20 anos investindo, neste mês, R$ 14,67 bilhões para auxiliar 21,45 milhões de famílias brasileiras a superarem a fome e a pobreza. Entre março e outubro de 2023, 2,39 milhões de famílias foram encontradas pela busca ativa e passaram a receber o benefício.
“Ao longo de 20 anos, o Bolsa Família ajudou a modificar a vida de muita gente. Com esses resultados, seguimos com muito mais força, com o objetivo de inclusão, acesso aos direitos e oportunidades melhores para as famílias beneficiárias”, assegura Eliane Aquino.
Publicado pela Assessoria de Comunicação – MDS
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