Por Diego Arguedas Ortiz na BBC | 25/02/2024
A história da baunilha, como na maioria das culturas verdadeiramente internacionais, atravessa o atlas mundial. Apesar de Madagascar dominar hoje o comércio global, ela surgiu nas florestas do México e da América Central, quando uma orquídea evoluiu desenvolvendo o sabor distinto e marcante que hoje conhecemos tão bem.
O que talvez seja mais interessante sobre a baunilha é o fato de que sua indústria multibilionária existe por causa de um menino escravizado, de 12 anos, que viveu há 180 anos em uma remota ilha do Oceano Índico. Mas para chegar lá, a orquídea cujos frutos contêm a essência doce de baunilha fez uma viagem impensável. Sua história começa no México, onde o povo indígena Totonac, que se estabeleceu por volta de 600 d.C. na costa atlântica, sentiu seu cheiro pela primeira vez.
“Os Totonacs coletavam as favas da natureza e não tinham um sistema de cultivo organizado”, disse Rebecca Menchaca García, que administra o Orchid Garden and Lab no Centro de Pesquisa Tropical da Universidad Veracruzana, no México. “Era tão escasso e valorizado que os astecas exigiram-na como um imposto depois de conquistarem a civilização Totonac (no final de 1400)”.
Os astecas usaram baunilha para dar sabor ao xocoatl, a bebida que produziam a partir de cacau e outras especiarias, reservada à nobreza ou a ocasiões especiais. Foi essa bebida preciosa que o imperador Moctezuma Xocoyotzin ofereceu a Hernán Cortés e seu grupo de espanhóis quando eles chegaram à sua capital, Tenochtitlan, em 1519.
Durante as primeiras décadas de conquista, os espanhóis levaram dezenas de frutas, vegetais e outras culturas – incluindo baunilha – para cultivá-las e se exibir do outro lado do Atlântico. Os historiadores chamam esse movimento de alimentos e bens de Intercâmbio Colombiano.
“A baunilha e o cacau sempre viajaram juntos”, disse o especialista em orquídeas Adam Karrenmans, professor da Universidade da Costa Rica e diretor do Jardim Botânico de Lankester, um dos principais centros de pesquisa de orquídeas, com sede na Costa Rica. Os europeus gostaram da bebida cremosa, e ela se espalhou, chegando à França pela Espanha no início de 1600, após o casamento entre Luís 13 e Ana da Áustria, filha do rei espanhol.
Uma vez do outro lado do Atlântico, a baunilha logo fez seu próprio caminho. Próximo ao final de seu reinado, em 1602, o médico da rainha Elizabeth começou a adicionar a especiaria aos pratos da monarca, pois acreditava ser um poderoso afrodisíaco, escreve Rosa Abreu-Junkel em Vanilla: A Global History. Do outro lado do Canal da Mancha, a poderosa Madame de Pompadour adicionou baunilha à dieta quando tentou atrair de volta seu amante, o rei Luís 15 da França, por volta de 1750.
A baunilha tinha, assim, entrado no comércio global de especiarias que redesenhava fronteiras e mudava economias em todo o mundo, com as potências coloniais europeias lutando para garantir favas. Chefs testavam em sobremesas, fabricantes produziam novos perfumes e os aristocratas só queriam se exibir – mas a produção global de baunilha estava estrangulada na mesma faixa de terra costeira nas Américas, onde prosperou por séculos.
Outras potências coloniais começaram a explorar a ideia de cultivar baunilha fora das colônias espanholas, escreveu Tim Ecott em Vanilla: Travels in Search of the Luscious Substance. Os britânicos na Índia, os franceses nas colônias do Oceano Índico, os holandeses em Java e até os espanhóis nas Filipinas tentaram plantá-la nos anos 1600 e 1700, mas ninguém obteve sucesso.
Karremans parece se divertir com as tentativas. “Sempre que os europeus pegavam as plantas e as plantavam em outras de suas colônias, descobriam que elas podiam crescer e florescer lá, mas nunca produziam frutos”, disse o especialista, que estuda as interações ecológicas entre orquídeas e seus polinizadores e dispersores de sementes.
As orquídeas têm polinizadores especializados, explicou Karremans, e a baunilha requer um tipo específico de abelha que só é encontrada nas regiões tropicais das Américas. Até hoje, nenhum produtor no mundo conseguiu encontrar um polinizador natural para substituí-las.
Entre aqueles que se propuseram a quebrar o monopólio espanhol da baunilha produzida no México estavam os plantadores brancos franceses na ilha de Bourbon, agora chamada Reunião, no Oceano Índico. Em 1822, a colônia recebeu um lote de plantas de baunilha, cortadas da primeira a sobreviver e florescer na Europa. Embora a expectativa fosse alta, nenhuma fruta nasceu e os plantadores eventualmente resignaram-se.
Menchaca García explica que cada espécie de orquídea prospera em condições muito específicas. “Eu sempre digo que as orquídeas são muito sociáveis. Para sua germinação, eles precisam de um fungo, para crescer, precisam de uma árvore e, para a polinização, precisam de uma abelha ou polinizador específico que se adapte à sua anatomia.”
Mas, no final de 1841, algo aconteceu em Bourbon que desafiou essas suposições. O agricultor Ferréol Bellier-Beaumont andava em suas terras com um garoto escravizado de 12 anos chamado Edmond quando o menino notou duas frutas de baunilha em uma planta trepadeira, escreveu Ecott em seu livro.
Como poderia ser? Os agricultores já tinham tentado, sem sucesso, e agora essa trepadeira solitária tinha dado frutos. Edmond disse que ele era o responsável, mas, de início, Bellier-Beaumont não acreditou. Foi só quando alguns dias depois ele viu outra flor polinizada que pediu para o garoto contar o que havia feito.
Edmond mostrou a ele. Cada orquídea de baunilha (vanilla planifolia) tem partes masculina e feminina divididas por uma membrana, para evitar a autopolinização. O menino pegou uma flor próxima e descascou o lábio da orquídea com o dedo, levantou a membrana com um graveto e pressionou as partes feminina e masculina juntas – uma manobra não totalmente diferente da polinização de uma melancia que ele tinha visto algum tempo antes.
Bellier-Beaumont ficou chocado e encantado e não conseguiu guardar a notícia. Logo Edmond estava passeando pela ilha mostrando seu truque a outros agricultores.
“Depois disso, era possível começar a cultivar baunilha na Reunião, em Madagascar e em outros lugares”, disse Karremans. “Isso foi no meio de 1800, três séculos depois que os europeus souberam pela primeira vez que a baunilha poderia ser usada. Eles levaram 300 anos para saber como obter frutos da planta.”
Os agricultores de baunilha de Reunião realizaram seu sonho: em 1848, eles conseguiram exportar 50 kg de favas de baunilha para a França e, em 1898, quando produziram 200 toneladas de baunilha seca, ultrapassaram o México como fornecedor global.
Edmond não compartilhou dessa bonança. Embora ele tenha sido libertado junto com todos os escravos franceses em 1848, em 1852 ele foi acusado de realizar um assalto e condenado a cinco anos de prisão com trabalhos forçados. Um botânico francês tentou levar o crédito pela invenção de Edmond, alegando ter visitado Reunião em 1838 e mostrado a um grupo de agricultores a técnica para polinizar a baunilha.
Edmond foi eventualmente libertado e sua descoberta reconhecida (graças em parte ao apoio vigoroso de seu ex-dono), mas ele morreu pobre, aos 51 anos. “O mesmo homem que gerou grande lucro para esta colônia ao descobrir como polinizar flores de baunilha morreu no hospital público em Sainte-Suzanne”, foi como o jornal local Moniteur registrou sua morte em 1852, de acordo com o livro de Ecott. “Foi um final pobre e miserável.”
Após sua morte, a descoberta feita por Edmond Albius (seu nome completo como homem livre e cidadão) mudou radicalmente o mercado global de baunilha. Poucas partes do mundo sofreram as repercussões como a região costeira de Veracruz, no México, onde a maior parte da baunilha era produzida antes da polinização manual ser descoberta.
Na época do momento eureka de Reunião, os produtores no México ainda dependiam de abelhas locais para polinizar as flores. Quando o mercado global foi dominado por baunilha de outros lugares – inicialmente apenas Reunião, mas depois Madagascar, Indonésia e outros países – a indústria local não conseguiu competir. Hoje, a produção do México é responsável por apenas 5% do comércio de favas naturais de baunilha.
A indústria ficou ainda mais complicada com o desenvolvimento da baunilha artificial, no final de 1800, que agora abastece a maior parte do mercado. Apenas 1% do mercado é servido por baunilha natural, que pode atingir preços de arder os olhos: em 2018, atingiu um recorde de £445 (cerca de R$ 2.800) por kg, tornando-a mais valiosa em peso que a prata.
Aqueles que comercializam baunilha natural – mesmo no México – adotaram o método de polinização manual, que é muito mais confiável do que esperar por polinizadores naturais. Na verdade, todas as plantas de baunilha cultivadas no mundo agora são polinizadas manualmente, tornando a tarefa extremamente trabalhosa.
“As flores podem abrir no espaço de um mês, mas cada uma abre apenas por algumas horas por dia. Então, todos os dias você tem que caminhar pelos campos para polinizá-las manualmente. É extraordinário”, disse Menchaca García. “Toda vez que vejo uma fava de baunilha, digo para mim mesmo ‘Este é um produto feito à mão’.”
Publicado originalmente na BBC
https://www.bbc.com/portuguese/articles/cv2l3dwenj3o