Concentração Fundiária e Trabalho Escravo: uma realidade persistente no campo brasileiro

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Blog do IFZ | 13/12/2024

Baixe aqui o artigo “Relações entre a concentração de terras e a escravidão contemporânea no Brasil: algumas considerações sobre a produção de commodities e a escravização de trabalhadores no campo

Em artigo publicado na Revista Campo-Território, as pesquisadoras Aurelane Alves Santana (UFPB) e Christiane Senhorinha Soares Campos (UFS) mostram que a concentração fundiária no Brasil e suas implicações no trabalho escravo contemporâneo compõem um dos retratos mais alarmantes das desigualdades sociais e econômicas no país. Estudos recentes revelam como a estrutura desigual de uso e apropriação da terra, historicamente consolidada, está intimamente relacionada à exploração extrema de trabalhadores rurais, configurando práticas análogas à escravidão.

Terras concentradas, direitos negados

Desde a Lei de Terras de 1850, que privatizou o acesso à terra e excluiu vastas parcelas da população rural, o Brasil desenvolveu um modelo agrário que favorece grandes propriedades em detrimento da reforma agrária. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), analisados no período de 1985 a 2017, mostram que a concentração fundiária se intensificou, criando as condições ideais para o avanço de práticas predatórias no campo.

Ao mesmo tempo, a expansão do agronegócio — responsável por grande parte da produção de commodities no país — não só degrada o meio ambiente como também precariza a vida de milhares de trabalhadores. A exploração se dá, muitas vezes, por meio de relações laborais que incluem jornadas exaustivas, servidão por dívida e cerceamento da liberdade, práticas essas denunciadas pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) e pelo Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo.

Os estados mais críticos

Entre os estados brasileiros com maior incidência de trabalho escravo contemporâneo estão Pará, Mato Grosso, Minas Gerais, Goiás, Maranhão e Bahia. Nesses territórios, o agronegócio predatório e a concentração fundiária revelam como o modelo capitalista de produção no espaço agrário está alinhado à exploração intensiva da força de trabalho.

Em 2023, operações de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) resultaram no resgate de centenas de trabalhadores submetidos a condições degradantes. Muitos desses relatos apontam para a violência estrutural do campo: longas jornadas sob calor extremo, ausência de condições sanitárias e até cerceamento físico, caracterizando práticas que violam direitos fundamentais.

Escravidão contemporânea: um problema estrutural

Embora o discurso oficial do agronegócio exalte a modernização e a tecnologia, a realidade no campo brasileiro é marcada pela persistência de desigualdades e brutalidades. A combinação entre concentração fundiária e práticas predatórias de produção não apenas perpetua a precarização do trabalho, mas também aprofunda a exclusão social de comunidades tradicionais como quilombolas, indígenas e ribeirinhos.

A superexploração no campo vai além da lógica econômica: reflete um modelo de desenvolvimento que negligencia os direitos humanos em prol da geração de lucro. A romantização do agronegócio como “tech, pop e tudo” esconde um cenário de extrema desigualdade, onde a escravização moderna se torna ferramenta de sustentação do modelo produtivo.

Para onde vamos?

Entender a relação entre concentração fundiária e trabalho escravo contemporâneo é essencial para combater a perpetuação dessas práticas. É urgente que o Brasil repense seu modelo agrário, promovendo políticas de redistribuição de terras e garantindo condições dignas de trabalho no campo.

A luta contra a escravidão contemporânea exige não apenas ações pontuais de fiscalização, mas também uma transformação estrutural que enfrente as raízes históricas da desigualdade no campo brasileiro. Somente assim será possível romper com um ciclo de violência que há séculos caracteriza a vida rural no Brasil.

Aurelane Alves Santana — Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal da Paraíba
Christiane Senhorinha Soares Campos — Departamento de Economia e Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Sergipe

Baixe aqui o artigo “Relações entre a concentração de terras e a escravidão contemporânea no Brasil: algumas considerações sobre a produção de commodities e a escravização de trabalhadores no campo
Publicação: Campo-Território: revista de Geografia Agrária, Uberlândia, v. 19, n. 56, p. 150-170, set./dez. 2024
ISSN 1809-6271 | https://doi.org/10.14393/RCT195673598