Nossa história demonstra que quando há vontade política e engajamento social é possível acabar com a fome
Por José Graziano da Silva no Le Monde Diplomatique Brasil | 23/04/2024
A luta contra a fome e a má nutrição é uma tarefa que vai além dos governos. O papel da sociedade civil na elaboração e monitoramento de políticas públicas é essencial, como bem demonstra a experiência brasileira. Os atores não estatais têm que ser também partes constituintes do tema na agenda internacional.
A Aliança Global contra a Fome e a Pobreza (AGFP), iniciativa atual da presidência brasileira no G20, exemplifica essa abordagem, que não se legitima apenas pelas experiências de políticas públicas que erradicaram a fome no Brasil, mas busca consolidar o combate à fome como tema permanente na pauta internacional.
Desde 2008, quando a crise dos preços agrícolas assolou países pobres e ricos, iniciativas para enfrentar a fome foram tomadas em busca de fontes globais de financiamento. O próprio G20, em presidências anteriores, apoiou a criação do Fundo Global para a Segurança Alimentar e Nutricional (GASFP), em 2008, e do Quadro de Segurança Alimentar e Nutricional (FSN Framework) (aqui o Plano de Implementação do G20 FSN Framework), em 2013. Também em 2008, o G7 lançou a Iniciativa de Áquila e a FAO, em 2020, a Coalizão Alimentar, para lidar com os impactos da Covid-19.
Tais iniciativas se mostraram pontuais, em respostas emergenciais a crises específicas, e não contaram com participação da sociedade civil, embora algumas tenham buscado apoio do Comitê Mundial de Segurança Alimentar (CFS).
A proposta do Brasil procura uma abordagem mais ampla, com governos, organizações internacionais e sociedade civil, e é aberta à adesão de todos os países. O fato de o Brasil liderar essa iniciativa confere-lhe uma significância particular, pois é pelo exemplo de nossas políticas públicas, e não por deter a presidência do G20.
Nossa história demonstra que quando há vontade política e engajamento social é possível acabar com a fome. Foi assim com o Programa Fome Zero, lançado em 2003 pelo presidente Lula, que resultou na saída de milhões da miséria, em menos de uma década, levando o Brasil a sair do Mapa da Fome da FAO em 2014.
O Fome Zero alcançou tambem reconhecimento internacional, impulsionado pela iniciativa do então Secretário-Geral das Nações Unidas, Ban Ki Moon, de lançar o Desafio Fome Zero em 2012, na Conferência Rio+20. E depois, com a inclusão na Agenda 2030 da ONU do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 2 de erradicar a fome, não por acaso chamado de “Zero Hunger”, e não mais de apenas reduzir à metade os famintos do mundo, como era antes de 2015 a meta dos Objetivos do Milenium.
A Aliança Global proposta pelo Brasil visa sistematizar a troca de boas práticas, não se limitando ao modelo brasileiro, mas incorporando outras experiências que deram certo ao redor do mundo.
Há lições a serem aprendidas nessa longa luta. Uma delas é que para erradicar a fome e a pobreza é preciso partir de iniciativas concretas, trocar experiências bem sucedidas e, sobretudo, contar com a participação da sociedade civil.
José Graziano da Silva é diretor-geral do Instituto Fome Zero, ex- diretor-geral da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) – 2012 a 2019 – e ex-ministro Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome, no primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva, quando implantou o Programa Fome Zero.
Publicado no Le Monde Diplomatique Brasil
https://diplomatique.org.br/construindo-o-futuro-da-seguranca-alimentar-global/