Blog do IFZ | 21/02/2024
Em uma edição histórica do “60 Minutes” em 1991, Morley Safer, correspondente renomado da CBS, levantou uma questão intrigante sobre a dieta francesa, rica em gorduras, e a baixa incidência de doenças cardíacas. O enigma, segundo Safer, residia no consumo de vinho tinto, sugerindo que a bebida tinha um papel protetor para o coração.
Na época, estudos apoiavam essa teoria, contribuindo para o aumento de 40% nas vendas de vinho tinto nos EUA. No entanto, pesquisas subsequentes questionaram esses achados, revelando uma mudança significativa na percepção sobre o álcool e a saúde.
Um estudo de 1997, acompanhando 490 mil adultos, sugeriu que o consumo moderado de álcool estava associado a uma menor probabilidade de morte por doença cardiovascular. Mas análises posteriores revelaram viéses e problemas metodológicos.
Em 2006, uma equipe liderada por Kaye Middleton Fillmore desafiou a narrativa prevalecente, descobrindo que os supostos benefícios do álcool para o coração eram inconsistentes. Isso desencadeou debates acalorados, inclusive financiados pela indústria do álcool, que buscava preservar a ideia do álcool como benéfico.
Estudos recentes, como o de 2023 liderado por Tim Stockwell, confirmam que o álcool, incluindo o vinho tinto, não oferece os benefícios cardiovasculares anteriormente alegados. Pior ainda, evidências emergentes destacam os riscos para a saúde, incluindo aumento da pressão arterial e risco de câncer.
Os pacientes, muitas vezes surpresos, são aconselhados a reconsiderar o consumo de álcool, desafiando noções arraigadas sobre seus supostos benefícios. A mensagem é clara: não há quantidade segura de álcool, e a associação entre álcool e câncer é inegável.
Enquanto isso, especialistas como Leslie Cho, cardiologista da Cleveland Clinic, instam as pessoas a repensarem a crença no vinho tinto como elixir cardíaco. A ciência evoluiu, e é hora de abandonar mitos em prol da saúde informada.
Compreendendo o impacto do consumo de alcool: uma perspectiva de saúde global
O álcool, uma substância psicoativa enraizada em diversas culturas por séculos, apresenta riscos significativos para a saúde pública e o bem-estar social. Os efeitos prejudiciais do álcool vão além do consumidor individual, afetando famílias, comunidades e economias em todo o mundo.
Com mais de 200 doenças e condições de saúde relacionadas ao consumo de álcool, incluindo transtornos mentais, cirrose hepática, certos tipos de câncer e doenças cardiovasculares, seu uso nocivo cobra um preço elevado. Notavelmente, as lesões relacionadas ao álcool, sejam acidentais (como acidentes de trânsito) ou intencionais (como violência e suicídio), impactam desproporcionalmente grupos etários mais jovens.
Além disso, o consumo de álcool contribui para a incidência e desfechos de doenças infecciosas como tuberculose e HIV, exacerbando os desafios de saúde globalmente. As mães em gestação enfrentam o risco adicional de síndrome alcoólica fetal e complicações de parto prematuro pelo uso de álcool durante a gravidez.
Compreender os fatores que influenciam os padrões de consumo de álcool e os danos associados é crucial. Fatores sociais, como status econômico, normas culturais e disponibilidade de álcool, interagem com características individuais como idade, gênero e status socioeconômico para moldar os resultados relacionados ao álcool. Populações vulneráveis, incluindo os economicamente desfavorecidos, frequentemente sofrem um ônus desproporcional dos danos relacionados ao álcool.
O volume e o padrão de consumo de álcool influenciam significativamente os resultados de saúde, com o consumo episódico pesado representando riscos particulares. Disparidades de gênero na mortalidade e morbidade relacionadas ao álcool destacam a necessidade de intervenções direcionadas.
Os governos desempenham um papel crucial na mitigação dos danos relacionados ao álcool por meio de políticas baseadas em evidências. Estratégias como regulamentar a publicidade de bebidas alcoólicas, restringir a disponibilidade, implementar leis de combate à condução sob efeito de álcool e aumentar impostos têm se mostrado eficazes. Campanhas de conscientização pública e acesso a tratamento para transtornos relacionados ao uso de álcool complementam os esforços políticos.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) defende uma abordagem abrangente para abordar o uso nocivo do álcool. A Estratégia Global para Reduzir os Danos do Álcool, adotada em 2010, fornece um quadro para a cooperação internacional e delineia dez áreas-chave de políticas para ação. Intervenções custo-efetivas, incluindo tributação e restrições à publicidade, figuram proeminentemente nas recomendações da OMS.
O Sistema Global de Informações sobre Álcool e Saúde (GISAH) serve como um recurso vital para monitorar os padrões de consumo de álcool e informar respostas políticas. Alcançar reduções nos danos relacionados ao álcool está alinhado com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e requer esforços concertados dos governos, partes interessadas e órgãos internacionais.
Ao priorizar intervenções baseadas em evidências e promover a colaboração global, podemos mitigar as consequências adversas para a saúde e sociedade do consumo de álcool, promovendo sociedades mais saudáveis em todo o mundo.
Com informações do Globo
https://oglobo.globo.com/saude/noticia/2024/02/21/vinho-tinto-bebida-deixa-de-ser-a-queridinha-na-medicina-entenda.ghtml
e da Organização Mundial da Saúde
https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/alcohol