Blog do IFZ | 04/01/2025
O Bolsa Família, reconhecido como um dos maiores programas de transferência de renda do mundo, não apenas combateu a pobreza, mas também trouxe impactos diretos e mensuráveis na saúde pública brasileira. Uma pesquisa publicada na revista científica Nature Medicine revelou que o programa foi responsável por reduzir significativamente a incidência e a mortalidade por tuberculose no Brasil entre 2004 e 2015. Com quedas expressivas nos casos e óbitos, especialmente entre os grupos mais vulneráveis, o estudo reforça a importância de iniciativas sociais que atuam em múltiplas frentes para enfrentar desigualdades estruturais.
Ao analisar dados de mais de 54 milhões de brasileiros, os pesquisadores descobriram que os beneficiários do programa apresentaram taxas muito menores de infecção e morte pela doença em comparação aos não beneficiários. Esses resultados refletem como a melhoria das condições de vida, alimentação e acesso à saúde proporcionada pelo Bolsa Família pode funcionar como uma ferramenta essencial na prevenção de doenças ligadas à pobreza, consolidando o programa como um modelo de referência para o mundo.
Bolsa Família: um pilar na luta contra a tuberculose no Brasil
O programa Bolsa Família, reconhecido por sua contribuição na redução das desigualdades sociais e econômicas, também demonstrou impacto significativo na saúde pública, particularmente na prevenção e controle da tuberculose. O estudo “Effects of conditional cash transfers on tuberculosis incidence and mortality according to race, ethnicity and socioeconomic factors in the 100 Million Brazilian Cohort” publicado na revista Nature Medicine revelou que, entre 2004 e 2015, o programa foi responsável por reduzir em 41% a incidência e em 31% a mortalidade por tuberculose no Brasil. Esses resultados reforçam o papel crucial de políticas de transferência de renda na promoção da saúde e na redução de desigualdades estruturais.
O impacto entre os mais vulneráveis
Os efeitos do Bolsa Família são ainda mais acentuados entre grupos histórica e socialmente marginalizados. Entre as populações indígenas, a incidência de tuberculose caiu 63%, enquanto a mortalidade foi reduzida em 65%. Entre os extremamente pobres, houve redução de 51% nos casos e de 40% nas mortes. Já entre os negros (pretos e pardos), os índices ficaram próximos à média nacional: 42% de redução na incidência e 31% na mortalidade.
A pesquisa utilizou dados de 54,57 milhões de brasileiros cadastrados no Cadúnico, dos quais 23,9 milhões (43,8%) eram beneficiários do programa. Ao cruzar essas informações com os registros do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) e do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), constatou-se que as taxas de novas infecções e de óbitos entre beneficiários foram significativamente menores em comparação aos não beneficiários.
Melhorias nas condições de vida e saúde
O sucesso do Bolsa Família na redução de casos e mortes por tuberculose é atribuído à melhoria das condições de vida dos beneficiários. Segundo Gabriela Jesus, pesquisadora e coautora do estudo, o programa garante acesso a uma alimentação mais adequada em termos de quantidade e qualidade, o que reduz a insegurança alimentar e fortalece as defesas imunológicas. “O programa também reduz barreiras ao acesso à assistência médica e ao diagnóstico precoce, fatores determinantes para o tratamento eficaz da tuberculose”, afirma.
Priscila Pinto, pesquisadora do Instituto de Saúde Coletiva (ISC) da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e coautora do artigo, destaca que os resultados mostram que o Bolsa Família vai além do combate à pobreza. “O programa também promove melhorias significativas nos indicadores de saúde, especialmente entre os mais vulneráveis”, explica. Davide Rasella, coordenador da pesquisa e professor do ISC e do ISGlobal (Instituto de Saúde Global) em Barcelona, compara o impacto do programa à proteção conferida por uma vacina. “A tuberculose é uma doença altamente sensível a determinantes sociais. Melhorar as condições de vida dos mais pobres é essencial para reduzir sua incidência.”
Uma estratégia eficaz contra a pobreza e a doença
Entre 2004 e 2015, os beneficiários do Bolsa Família apresentaram uma taxa de incidência de tuberculose de 49,4 por 100 mil habitantes, comparada a 81,4 entre os não beneficiários — o que equivale a uma redução de 59%. A taxa de mortalidade foi de 2,08 por 100 mil entre os beneficiários, enquanto entre os não beneficiários chegou a 4,68, uma queda de 69%. Essas diferenças permaneceram significativas mesmo após ajustes para fatores como idade, sexo, escolaridade e cor/raça da pele.
Além disso, o impacto do programa foi maior entre aqueles em situação de pobreza extrema. “O gradiente de efeito é muito mais acentuado nos mais pobres, enquanto é dez vezes menor entre os menos pobres”, afirma Rasella. “Esses resultados mostram a necessidade de fortalecer e expandir programas de transferência de renda para alcançar as populações mais vulneráveis e remotas.”
Repercussões e perspectivas
O estudo, que também contou com a colaboração do Cidacs (Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde) da Fiocruz Bahia e da Fundação “La Caixa” de Barcelona, integra a chamada “Coorte dos 100 Milhões de Brasileiros”, uma iniciativa que analisa os efeitos de programas sociais na saúde da população. Além da tuberculose, outros estudos mostraram que o Bolsa Família foi responsável por reduzir a mortalidade infantil em 17%, prevenir 1,5 milhão de mortes e diminuir em 56% os suicídios entre beneficiários.
Com os dados mais recentes, de 2023, indicando 80.012 novos casos de tuberculose no Brasil, os pesquisadores destacam a importância de políticas públicas que combinem o combate à pobreza com a promoção da saúde. “A expansão do Bolsa Família pode contribuir para a erradicação da tuberculose e de outras doenças relacionadas à pobreza”, conclui Rasella.
O estudo oferece evidências robustas de que programas como o Bolsa Família não apenas aliviam as desigualdades sociais, mas também têm o potencial de transformar indicadores de saúde em contextos de vulnerabilidade. Assim, ele se reafirma como um modelo para iniciativas semelhantes em outros países com altas taxas de pobreza e doenças infecciosas.
Fonte: EBC com informações complementares do UOL