Por Walter Belik na Revista Segurança Alimentar e Nutricional NEPA/Unicamp | V.30 2023
Este texto pretende atualizar a discussão sobre o apoio da Sociedade Civil, especialmente no meio empresarial, na promoção às políticas de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) no Brasil.
A pesquisa foi realizada a partir da consulta à literatura, levantamentos em relação à legislação, entrevistas com atores relevantes e informes verificados de Organizações Não Governamentais (ONGs), movimentos sociais e empresas.
O respeito ao Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) está previsto no artigo 6o da Constituição Federal de 1988 tendo sido regulamentado pela LOSAN – Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional em 2006. De acordo com as diretrizes legais, cabe ao Estado atuar de forma a respeitar, proteger e cumprir esse direito para toda a população. Vale destacar que essa mesma legislação também criou uma estrutura integrada para a execução e o acompanhamento das políticas de SAN e trouxe à luz o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN), “por meio do qual o poder público, com a participação da sociedade civil organizada, formulará e implementará políticas, planos, programas e ações com vistas em assegurar o direito humano à alimentação adequadas” (Lei nº 11.346, 1º parágrafo).
Observa-se acima que embora a garantia ao DHAA seja responsabilidade essencialmente do Estado e do conjunto de instituições públicas, a LOSAN não só abre espaço como coloca em papel de destaque a sociedade civil organizada. Sabemos que tal abertura e divisão de responsabilidades se apresenta de forma inconsistente do ponto de vista jurídico e até mesmo constitucional, mas mostra, por outro lado, que o legislador contemplou as ONGs, universidades e associações empresariais com um papel de relevo e como braço auxiliar do Estado para cumprimento de suas obrigações.
De certa maneira, e desde os tempos da colônia, a sociedade civil brasileira atuou como linha auxiliar dos governantes na execução das políticas sociais. Não é por demais lembrar a influência da Igreja Católica na execução das políticas de saúde com a rede de Santas Casas, na educação por meio de colégios e orfanatos, nas instituições de acolhimento de populações vulneráveis e também na doação de alimentos para comunidades carentes. Outras denominações religiosas também tiveram rol de destaque na busca por influência e domínio territorial, mas como país de maioria católica essa doutrina sempre teve maior importância.
Historicamente, no âmbito da Igreja Católica, um trabalho de repercussão foi desenvolvido pela Pastoral da Criança, dirigida pela Dra. Zilda Arns ministrando uma espécie de suplemento nutricional, denominado de “multimistura”, às crianças desnutridas de comunidades carentes. Esse trabalho ficou muito conhecido nos meios políticos e religiosos, mas, ao mesmo tempo levantou muitas controvérsias de parte de nutricionistas e profissionais de saúde pública, mesmo porque este recebia suporte financeiro direto do Ministério da Saúde durante a década de 1990 e aportes generosos da Fundação Banco do Brasil, na primeira metade da década seguinte.
O mesmo destaque pode ser atribuído com relação às empresas e pessoas físicas nas atividades de filantropia. Ao longo do tempo, as ações de apoio no combate à fome sempre foram episódicas e outros temas sempre apareciam com maior frequência no cardápio de atuação. Pode-se afirmar que até o momento de ebulição promovido pelos movimentos sociais contra a carestia no início dos anos 90, as empresas e fundações tinham preferência por ações em favor da infância, animais, pessoas com deficiência e outras causas ignorando a situação de fome e desnutrição vivida no Brasil. No entanto, a partir da emergência dos movimentos sociais e, mais tarde, com o lançamento do Programa Fome Zero pelo governo Lula em 2003, o tema da fome voltou para a agenda de responsabilidade coorporativa, principalmente para as áreas empresariais afins como os supermercados, restaurantes e indústria do setor de alimentação.
De fato, na área de alimentação, as grandes mudanças em relação ao envolvimento do setor privado vão ocorrer no início dos anos 1990 com o lançamento da campanha da “Ação da Cidadania, Contra Miséria e Pela Vida”, mais conhecida como “Campanha do Betinho”, promovida pela ONG Ação da Cidadania dirigida pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho. Essa campanha de rua galvanizou a sociedade na luta contra a alta dos preços, expandindo-se desde o Rio de Janeiro para todo o Brasil. Essa importante empreitada aproveitou a mobilização ocorrida meses antes pelo impeachment de Fernando Collor de Melo e também do movimento “Ética na Política”. Além de solicitar doações de alimentos, foram criados comitês locais para arrecadação de gêneros, cursos de capacitação e alfabetização e diversas outras manifestações culturais. Já pelo lado do governo, as principais ações sociais do período se concentraram no programa “Comunidade Solidária”, dirigido pela Primeira-dama Ruth Cardoso com o objetivo de emancipar grupos vulneráveis por meio de cursos profissionalizantes e pelo empreendedorismo. Esse programa veio em substituição ao precário funcionamento da Legião Brasileira de Assistência (LBA), originário da Era Vargas e envolto em pesadas acusações de desvio de recursos.
Exercendo um olhar retrospectivo, pode-se afirmar que a influência do movimento social capitaneado por Herbert de Souza – o Betinho, foi decisiva para a criação de uma cultura de combate à fome no Brasil. Por exemplo, em resposta a uma demanda do ilustre sociólogo, o Instituto de Estudos de Economia Aplicada (IPEA), órgão do Ministério do Planejamento, iniciou estudos que desembocaram no Mapa da Fome de 1993 e que demonstraram a existência de 32 milhões de brasileiros nessa condição. Como resultado da comoção decorrente da divulgação desse estudo, pouco mais de 30 dias depois, o presidente Itamar Franco criou o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA) e um Plano de Combate à Fome. Mais tarde, no ano seguinte, foi realizada a I Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) no Brasil.
Este artigo busca atualizar as informações sobre a atuação das organizações da sociedade civil no atendimento à demanda emergencial por alimentos.
Discussão
Nos anos recentes o Brasil viveu um verdadeiro desmonte das políticas públicas de combate à fome que se deu em combinação com a crise sanitária provocada pela pandemia. A mobilização da sociedade procurou restaurar de forma precária uma rede de proteção social evitando uma situação ainda mais grave.
Nesse contexto surgiram interessantes iniciativas na operação dos Bancos de Alimentos, Cozinhas Solidárias, Restaurantes Populares e na conexão mais direta entre agricultores familiares e consumidores urbanos pelo uso de aplicativos.
Conclusão
O artigo reforça a responsabilidade e o importante papel das organizaçõesda sociedade na Política de Segurança Alimentar
BELIK, W. Inovações para a promoção do acesso aos alimentos por meio de organizações da Sociedade Civil no Brasil. Segurança Alimentar e Nutricional, Campinas, SP, v. 30, n. 00, p. e023019, 2023. DOI: 10.20396/san.v30i00.8673795. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/san/article/view/8673795. Acesso em: 6 set. 2023.
Baixe/Leia aqui o estudo completo “Inovações para a promoção do acesso aos alimentos por meio de organizações da Sociedade Civil no Brasil“