Blog do IFZ | 29/01/2025
A fome no mundo continua a crescer, impulsionada por conflitos, mudanças climáticas e crises econômicas. Segundo estimativas recentes, centenas de milhões de pessoas enfrentam insegurança alimentar severa, muitas delas em situações de guerra e deslocamento forçado. No entanto, os mecanismos internacionais de monitoramento da fome frequentemente falham em capturar a complexidade dessas crises e, pior, podem ser usados para minimizar ou ocultar a gravidade da situação. Diante desse cenário, a FIAN International alerta para a necessidade urgente de repensar a forma como monitoramos e respondemos à fome em contextos de conflito e crise.
Baixe aqui o estudo “Beyond Numbers: Rethinking Food Security Monitoring in Conflict and Crisis”
O sistema dominante de monitoramento da fome, representado pela Classificação Integrada da Fase de Segurança Alimentar (IPC), desempenha um papel central na definição de respostas humanitárias. Criado para avaliar a gravidade da insegurança alimentar e orientar doadores e organizações sobre onde agir, o IPC é amplamente utilizado para classificar crises alimentares e até determinar quando uma fome pode ser declarada oficialmente. No entanto, a dependência excessiva dessa abordagem técnica pode mascarar as verdadeiras causas da fome, transformando um fenômeno essencialmente político e de direitos humanos em um problema meramente estatístico.
O relatório mais recente da FIAN questiona a fragmentação entre os regimes humanitários e os mecanismos de direitos humanos no tratamento da fome. Em muitos casos, a fome extrema não surge apenas da escassez de alimentos, mas da marginalização sistêmica de comunidades inteiras, da destruição deliberada de meios de subsistência e do uso da alimentação como arma de guerra. Mesmo diante de evidências alarmantes de fome em massa, como no Sudão e em Gaza, a forma como esses dados são interpretados e utilizados pode variar de acordo com interesses políticos e geopolíticos.
A definição técnica de fome, conforme adotada por organismos internacionais, exige níveis extremos de mortalidade e desnutrição antes de ser reconhecida oficialmente. Isso significa que milhões de pessoas podem estar morrendo de fome sem que a situação seja formalmente classificada como tal, dificultando a mobilização de recursos e atrasando a resposta internacional. Além disso, os dados sobre insegurança alimentar frequentemente ignoram a participação das comunidades afetadas e carecem de um espaço intergovernamental claro para coordenação e responsabilização.
Para a FIAN, enfrentar a fome em tempos de crise exige mais do que estatísticas e relatórios técnicos. É necessário um compromisso global com abordagens baseadas nos direitos humanos, que reconheçam a fome como uma violação sistemática da dignidade e dos direitos das populações afetadas. A democratização do monitoramento da insegurança alimentar, o fortalecimento de mecanismos internacionais, como o Comitê de Segurança Alimentar das Nações Unidas (CFS), e a responsabilização de Estados e atores envolvidos em crises são passos essenciais para transformar a resposta global à fome.
Em vez de esperar que os números cheguem a níveis catastróficos, a comunidade internacional precisa agir com base na realidade vivida por milhões de pessoas, garantindo que a fome nunca seja normalizada ou negligenciada.
Baixe aqui o estudo “Beyond Numbers: Rethinking Food Security Monitoring in Conflict and Crisis”