O Clima, Gates e a COP30

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Por José Graziano da Silva | 11/11/2025

O recente artigo de Bill Gates sobre as “três verdades difíceis” das mudanças ambientais em curso trata de um ponto essencial: é preciso colocar o bem-estar humano no centro das políticas climáticas. Tem toda a razão em dizer que nenhum progresso ambiental será sustentável se não melhorar a vida das pessoas, especialmente das mais pobres. E que a COP30 oferece uma rara oportunidade de recolocar essa verdade no centro dos esforços internacionais.

Gates reconhece que não há recursos suficientes para fazer tudo e que, portanto, é preciso estabelecer prioridades entre as urgências ambientais e sociais. Concordo — a questão financeira é real e decisiva. Só que o debate não pode se limitar a repartir o pouco que já existe. Precisamos também discutir como ampliar esses recursos; e isso passa, inevitavelmente, por uma contribuição maior de quem mais tem e mais polui, um princípio que não parece ter sido devidamente internalizado nas discussões até agora.

Nos últimos anos, o próprio Gates apoiou a ideia de um imposto sobre grandes fortunas; mas logo se calou quando percebeu que não tinha apoio dos seus pares milionários… E a proposta não prosperou diante da resistência dos governos dos países ricos e de suas elites econômicas. Ora, por que o setor privado — que tem recursos e responsabilidade direta nas emissões — não assume uma responsabilidade maior no financiamento climático e social? Nada impede que os bilionários que se reúnem para discutir o futuro do planeta decidam agir coletivamente para financiá-lo.

Se, como afirma corretamente Gates, “não há dinheiro para tudo”, então é hora de agir sobre as duas frentes possíveis: definir prioridades entre as urgências e encontrar meios de aumentar a arrecadação atual. E definir prioridades entre as urgências significa colocar a fome no topo da lista, na minha opinião.

Bill, não se resolve o problema de uma criança desnutrida só com vacinas! Nem mesmo se ela tiver um celular com acesso à internet! Uma criança com fome pode até ir à escola, mas não aprende, não se desenvolve física e intelectualmente de forma adequada. Antes de começar a vacinar, irrigar ou digitalizar, é preciso garantir que todos possam comer adequadamente. Essa é a base de qualquer política centrada nas pessoas, seja ela climática ou social.

Outro ponto que merece ressalva no texto de Gates é o papel por ele atribuído à tecnologia, que parece poder resolver tudo no futuro, como um “Deus ex-machina”. A inovação é, sem dúvida, uma esperança que precisa se tornar parte da solução. Mas as tecnologias não se inventam sozinhas; são frutos de decisões sociais sobre o que priorizar, e transformam as invenções individuais ou coletivas em tecnologias sociais aplicadas aos processos produtivos.

Ou seja, a inovação — entendida como uma nova tecnologia incorporada ao sistema produtivo — é também um produto social, e não apenas o resultado da inspiração isolada de uma cabeça brilhante. E decidir onde investir para melhorar mais rápido a vida dos pobres é, antes de tudo, uma decisão política. E é isso o que está faltando cada vez mais nessas intermináveis reuniões internacionais para debater o que fazer…

Por isso, o que está em jogo na COP30 é menos a corrida por “soluções mágicas” com novas balas de prata disponíveis e mais a construção de um pacto político global. Um pacto que reconheça que quem mais sofre com as mudanças climáticas — agricultores familiares, pescadores artesanais, mulheres negras, povos indígenas, entre tantos outros — são também quem mais precisa dos recursos atualmente disponíveis para financiar as adaptações tão necessárias à sobrevivência dessas pessoas pobres.

Gates aponta também, corretamente, que a agricultura é central para a adaptação climática, num processo que já está em curso. Mas esquece que, quase setenta anos depois do início da Revolução Verde, seus ganhos marginais de produtividade são cada vez menores; e, ainda assim, continuam a impactar negativamente no aumento das emissões. O desenvolvimento agrícola proporcionado pela Revolução Verde — baseado no uso intensivo de insumos químicos, como fertilizantes e pesticidas, e na monotonia das monoculturas — está perto de atingir o seu limite de eficiência.

É hora, portanto, de buscar alternativas — e uma delas é a agroecologia, entre outras tantas que buscam um novo modelo de relacionamento da produção com a natureza. Não como retorno ao passado, mas como avanço civilizatório: uma forma de produzir respeitando os ciclos naturais, regenerando solos e valorizando o conhecimento local.

Gates afirma ainda que “o desenvolvimento é a adaptação”. É uma boa frase, mas incompleta. O desenvolvimento verdadeiro também precisa reduzir as desigualdades e fortalecer as capacidades locais. Isso não se alcança apenas com aplicativos de internet, fertilizantes biológicos ou vacinas, mas com políticas amplas de proteção social, com programas para melhorar a distribuição de renda e o acesso à terra e à água. Em suma, com justiça social.

O Brasil, ao sediar a COP30, oferece ao mundo um exemplo concreto de que é possível unir combate à fome, proteção ambiental e crescimento inclusivo. Programas como o Bolsa Família, o PAA e o PNAE mostram que é possível transformar políticas sociais em políticas climáticas, incorporando ações antecipatórias, promovendo segurança alimentar e adaptabilidade às secas, inundações e choques econômicos.

No fim das contas, o debate com Gates não é sobre a importância da inovação, mas sobre como ampliar o horizonte da esperança. Precisamos acreditar que podemos mudar o rumo das coisas — e isso só se faz pela política! O planeta não precisa apenas de mais tecnologia, mas também de mais coragem, solidariedade e política.

A COP30, que se realiza atualmente em Belém do Pará, no Brasil, é mais que um evento diplomático: ela visa ampliar a esperança dos povos da floresta e de milhares de outros pobres do Sul Global, que sofrem atualmente os maiores impactos das mudanças climáticas extremas sem terem sido responsáveis por elas.

Em uma nota adicional: a Fundação Bill & Melinda Gates lançou recentemente uma nova chamada para financiar projetos de pesquisa agrícola. É uma excelente oportunidade para ampliar sua visão. Em vez de direcionar a maior parte dos recursos apenas aos tradicionais centros da Revolução Verde — como o Centro Internacional de Pesquisa do Arroz, nas Filipinas; o Centro Internacional de Melhoramento de Milho e Trigo, no México; ou o Centro Internacional da Batata, no Peru —, a Fundação poderia também apoiar pesquisas e inovações em agroecologia, especialmente na África, onde sua própria parceira, a AGRA, tem enfrentado dificuldades para alcançar os pequenos produtores com alternativas verdadeiramente sustentáveis.

Investir em agroecologia é investir no futuro da agricultura, não apenas em seus sucessos do passado.