Bruno Teixeira Lins no NEXO | 15/11/2024
O Programa Fome Zero foi instituído em 2003, durante o primeiro mandato do presidente Luís Inácio Lula da Silva. A iniciativa tinha como objetivo combater a insegurança alimentar no país através de políticas que alcançassem suas causas estruturais. Na época, através de diagnósticos feitos com a contribuição de especialistas, estimava-se que existia um contingente de 44 milhões de brasileiros em situação de vulnerabilidade à fome, o que correspondia a 27,8% da população
Esta pesquisa analisa a trajetória do programa para entender os motivos que fizeram com que seu impacto sobre a economia alimentar brasileira decaísse e o Brasil voltasse, no triênio 2019-2021, para o Mapa da Fome, da ONU.
1 Qual a pergunta a pesquisa responde?
De que maneira as alterações nas políticas públicas derivadas do Programa Fome Zero durante o período 2004-2022 impactaram os índices de segurança alimentar entre a população brasileira?
2 Por que isso é relevante?
A pesquisa partiu da correlação entre dois acontecimentos importantes no cenário brasileiro na época em que foi desenvolvida (entre o final de 2022 e o início de 2023): índices de fome no Brasil mensurados pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional apontavam que 15,5% da população encontrava-se em situação de insegurança alimentar severa, o maior quantitativo até então; e foi instituída uma Emergência de Saúde Pública por causa da ausência de assistência do Estado brasileiro à população yanomami, que enfrentava um quadro de saúde grave em razão de uma desnutrição severa.
Esse cenário demonstra que o Brasil, em menos duas décadas, passou de um exemplo internacional em políticas públicas de combate à fome — com a implementação do Programa Fome Zero, cumprindo um dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio ainda na primeira década do século 21 — para um país que retornou ao Mapa da Fome e com mais da metade da sua população (58,7%) enfrentando algum nível de insegurança alimentar.
3 Resumo da pesquisa
O trabalho tem o objetivo de realizar uma comparação entre a evolução dos índices de segurança alimentar no Brasil e as alterações implementadas nas políticas públicas derivadas do Programa Fome Zero entre 2004 e 2022.
Estabeleceu-se como hipótese que o aumento da fome no Brasil decorre do esvaziamento das políticas públicas derivadas do Programa Fome Zero. Para testá-la, este estudo utilizou uma metodologia qualitativa de análise e avaliação do desempenho das políticas públicas, tendo como foco verificar: 1) os objetivos que fundamentaram a criação da política em questão; 2) a maneira como foi idealizada a sua implementação; 3) os resultados pretendidos; e 4) o impacto social alcançado.
4 Quais foram as conclusões?
A pesquisa evidenciou que a modificação ocorrida no Programa Fome Zero em 2009, que ampliava a destinação de alimentos obtidos da agricultura familiar para a alimentação escolar, e o aumento constante do orçamento destinado ao programa influenciaram os resultados positivos mais altos obtidos em 2013. Até então, as políticas públicas que a União desenvolvia produziam redução dos índices de insegurança alimentar, que só voltaram a subir a partir da medição do biênio 2018-2019.
O aumento dos números negativos registrados nesses anos se deveram a um conjunto de fatores: 1) do esvaziamento do Programa Fome Zero, que, em razão de sua complexidade, foi substituído por uma política de transferência de renda; 2) o desmantelo sistêmico de pautas sociais, da participação popular e das políticas ligadas à agricultura familiar; 3) a flexibilização dos regimes de trabalho e do intervalo intrajornada, o que afetou diretamente o poder de compra, a qualidade e a disponibilidade dos gêneros alimentícios consumidos; 4) o aumento do custo de alimentos; 5) o crescimento da desigualdade de renda; 6) e o processo de desvalorização do salário mínimo.
Já os dados relativos a 2021 e 2022 coletados pela Rede Penssan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional) apresentam um crescimento ainda maior da fome entre a população brasileira, tendo como causas os seguintes fatores: 1) o esvaziamento do Programa Fome Zero; 2) a reforma da legislação trabalhista em 2017; 3) o aumento do índice nacional de preço dos alimentos; 4) o crescimento da concentração de renda; 5) a extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar, em 2019; 6) a crise sanitária e econômica decorrente da covid-19; 7) a insuficiência relativa da política de renda básica/auxílio emergencial; e 8) os entraves na implementação das políticas públicas do PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar) pelos governos estaduais e municipais.
A presença de 15,5% da população brasileira num estado grave de insegurança alimentar é produto de um processo histórico de precarização das políticas públicas de combate à fome e dos direitos sociais do trabalhador, do aumento de preço dos insumos alimentícios, do crescimento da concentração de renda, principalmente entre os trabalhadores informais, somados à crise sanitária e à má administração por parte do poder executivo, tanto na esfera federal quanto em âmbito regional e local.
5 Quem deveria conhecer seus resultados?
Estudantes e profissionais da área de ciências sociais, formuladores de políticas públicas e movimentos sociais.
Bruno Teixeira Lins é mestre e doutorando em direitos humanos pelo Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Tiradentes. Pós-graduado em direito público aplicado pela Universidade São Judas Tadeu. Membro do Grupo de Pesquisa de Políticas Públicas de Proteção aos Direitos Humanos – CNPq. Participa, enquanto pesquisador de pós-graduação, de projetos financiados pelo CNPq na modalidade PIBIC e do Projeto Laboratório Social, voltado para análise da segurança alimentar na comunidade indígena Xokó, financiado por uma parceria entre Universidade Tiradentes, Universidad de Valladolid e Universidad de Deusto, ambas na Espanha.
Referências
ALPINO, Tais de Moura Ariza et al. COVID-19 e (in)segurança alimentar e nutricional: ações do Governo Federal brasileiro na pandemia frente aos desmontes orçamentários e institucionais. Cadernos de Saúde Pública, v. 36, n. 8, e00161320, 2020. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csp/a/JfJpwMh9ZDrrsM9QG38VnBm/abstract/?lang=pt. Acesso em: 14 jul. 2022
ANJOS, Flávio Sacco dos; CALDAS, Nádia Velleda. Inovações no combate à fome e à insegurança alimentar: a estratégia brasileira. Revista de Estudios Brasileños, v. 5, n. 10, p. 11-24, 2018. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/reb/article/view/154307. Acesso em: 11 jul. 2022.
DAGNINO, Renato et al. Metodologia de análise de políticas públicas. In: DAGNINO, Renato et al. Gestão estratégica da inovação: metodologias para análise e implementação. Taubaté: Cabral Universitária, 2002. p. 51-113.
DELGROSSI, Mauro et al. A estratégia Fome Zero no Brasil. In: SILVA, José Graziano da (coord.). Do Fome Zero ao Zero Hunger: uma perspectiva global. Roma: FAO, 2019
REDE PENSSAN. II Inquérito Nacional da Insegurança Alimentar no Brasil no Contexto da Covid-19 (II VIGISAN): Suplemento I: insegurança alimentar nos estados. Brasília: Rede PENSSAN, 2022.
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