Olhares Cruzados pela Terra: MST 40 anos alimentando o Brasil

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Blog do IFZ | 28/10/2025

Há quarenta anos, um grupo de trabalhadores e trabalhadoras rurais decidiu que a terra precisava cumprir o papel para o qual sempre existiu: sustentar a vida. Foi assim que, em janeiro de 1984, em Cascavel, no Paraná, nasceu o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) — um dos capítulos mais marcantes da história social brasileira.

O livro Olhares Cruzados Pela Terra: MST 40 Anos Alimentando o Brasil recupera essa trajetória e a projeta para o futuro. Mais que uma comemoração, é um registro de memória e de sentido: um retrato de um país que se transformou a partir do chão que pisa.

Na introdução, João Pedro Stédile, um dos fundadores do movimento, conduz o leitor por quatro décadas de enfrentamentos e conquistas. Em “MST – 40 anos de luta”, ele volta aos anos 1970 e 1980, quando o país atravessava uma crise profunda e vivia sob o autoritarismo da ditadura militar. No campo, a desigualdade se traduzia em latifúndios improdutivos, expulsões violentas e fome. Foi nesse ambiente que começaram as primeiras ocupações de terra, organizadas por trabalhadores rurais, militantes de pastorais e sindicalistas que acreditavam em um Brasil mais justo.

Daquelas ocupações nasceu um movimento que combinou prática política, solidariedade e formação popular. Stédile lembra que o MST aprendeu com a história da classe trabalhadora e com o pensamento de Paulo Freire, transformando a luta pela terra também em luta por conhecimento. “Organizamos escolas em todos os acampamentos e assentamentos e conquistamos o direito de frequentar a universidade”, escreve. A educação se tornou parte essencial da reforma agrária: instrumento de autonomia, reflexão e permanência.

Essa dimensão educativa percorre todo o livro. O texto de Valter de Jesus Leite, do Setor de Educação do MST, mostra como a Pedagogia do Movimento formou gerações de jovens e adultos que compreendem o trabalho, a organização coletiva e a cultura como bases de emancipação. Em cada escola do campo, o aprendizado é indissociável da vida comunitária e da relação com a terra.

As fotografias e relatos reunidos em Olhares Cruzados pela Terra revelam o alcance concreto dessa transformação. Onde antes havia campos vazios, há produção de alimentos. Onde existia exclusão, há escolas, cooperativas, agroindústrias e espaços culturais.
O MST, que hoje organiza cerca de 450 mil famílias assentadas em todo o país, tornou-se referência em agroecologia e produção sustentável. “Aprendemos que lutar pela terra é defender a natureza”, afirma Stédile — e essa síntese parece atravessar todas as páginas do livro.

A jornalista e fotógrafa Dirce Carrion recorda a madrugada de 29 de outubro de 1985, quando presenciou a ocupação da antiga Fazenda Annoni, no norte do Rio Grande do Sul, um dos marcos da história do MST. Quase quarenta anos depois, ela volta ao mesmo local e encontra comunidades estruturadas, lavouras produtivas e escolas ativas. O tempo, diz, transformou a coragem de então em modos de vida dignos e organizados.

As análises de Erika Pires Ramos e Ariana Monteiro, da Rede Sul-Americana para as Migrações Ambientais, ampliam o olhar. Elas relacionam a reforma agrária ao desafio ambiental contemporâneo: a redistribuição da terra como política de preservação e justiça climática. Em suas palavras, as comunidades camponesas não apenas resistem à crise ambiental, mas também oferecem caminhos concretos para enfrentá-la.

O livro nasceu de uma parceria entre o MST, educadores, fotógrafos e pesquisadores. Sua metodologia se apoia na escuta intergeracional — o diálogo entre crianças, jovens e adultos —, transformando lembranças em aprendizado e futuro. O projeto percorreu assentamentos em diferentes regiões do país, recolhendo narrativas e experiências que, juntas, compõem uma espécie de mapa vivo da reforma agrária popular.

Entre as falas registradas, há uma que sintetiza o espírito do movimento. Dona Socorro, do Assentamento 25 de Maio, no Ceará, aconselha a juventude:

“Que se organizem e trabalhem com amor e pertença. Porque se não tiver amor e pertença, a luta não vai.”

Essa consciência de pertencimento é o que sustenta o MST e o livro que o retrata. Olhares Cruzados Pela Terra: MST 40 Anos Alimentando o Brasil não é apenas uma antologia de imagens e textos; é o testemunho de uma construção coletiva, paciente e duradoura.
Ao final de sua introdução, Stédile escreve: “Nosso sonho não tem limites. Pode demorar, mas já estamos a caminho.”

Quarenta anos depois, a caminhada continua — agora mais ampla, mais diversa, mais visível. O MST segue alimentando o Brasil, não só com alimentos saudáveis, mas com a ideia persistente de que a terra, quando partilhada, é também um modo de fazer justiça.

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