Após três décadas, a CEPAL aponta desafios persistentes na América Latina e no Caribe e propõe um pacto global por desenvolvimento social inclusivo
Blog do IFZ | 03/09/2025
Baixe aqui o resumo executivo do relatório “América Latina e Caribe 30 anos depois da Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Social: Rumo a um pacto mundial pelo desenvolvimento social inclusivo“
Trinta anos depois da histórica Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Social, realizada em Copenhague em 1995, a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) apresenta um balanço contundente da trajetória regional em matéria de inclusão social. O estudo “América Latina e Caribe 30 anos depois da Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Social: Rumo a um pacto mundial pelo desenvolvimento social inclusivo” revela que, apesar de avanços significativos na redução da pobreza e na consolidação de sistemas de proteção social, a região permanece aprisionada em armadilhas estruturais de baixo crescimento, elevada desigualdade e frágil institucionalidade.
O organismo alerta que a América Latina acaba de atravessar uma “segunda década perdida” — com crescimento médio anual de apenas 0,9% entre 2014 e 2023, índice inferior ao registrado até mesmo nos anos 1980 — e que, sem reformas profundas, há risco real de repetir o cenário em uma terceira década. O relatório destaca que pobreza, fome, desigualdade, má nutrição, crise climática, violência, envelhecimento populacional e transformações tecnológicas compõem um quadro de desafios que, se não enfrentados de forma articulada, poderão comprometer o futuro social da região. Ao mesmo tempo, propõe que a próxima Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Social, marcada para novembro de 2025 em Doha, no Catar, aprove um pacto global capaz de garantir proteção social universal, reduzir desigualdades e fortalecer a cooperação internacional.
Cepal pede pacto global
O relatório da CEPAL não se limita a diagnosticar problemas: é, sobretudo, um chamado urgente à ação. O documento sustenta que, para enfrentar dilemas históricos e novas fronteiras da exclusão, é necessário avançar em direção a um pacto mundial pelo desenvolvimento social inclusivo. A expectativa é que, em Doha, os países firmem compromissos concretos e verificáveis, a exemplo do que ocorreu com o Pacto para o Futuro das Nações Unidas.
Entre as medidas sugeridas estão o fortalecimento de sistemas de proteção social universais, políticas integrais de cuidado, investimentos consistentes em saúde, educação e previdência, além da ampliação da inclusão digital como ferramenta essencial de cidadania.
O pacto também prevê a mobilização adicional de recursos. A CEPAL recomenda que os países latino-americanos destinem entre 1,5% e 2,5% do PIB — ou entre 5% e 10% do gasto público anual — exclusivamente a políticas de proteção social não contributivas, de modo a erradicar a pobreza e assegurar um piso mínimo de bem-estar. A dimensão internacional é igualmente decisiva: o documento convoca organismos multilaterais e países desenvolvidos a contribuir com financiamento inovador, cooperação técnica e facilidades de crédito. A lógica é clara e ambiciosa: “não deixar ninguém para trás” só será possível se o combate à pobreza, à fome e à desigualdade for tratado como responsabilidade compartilhada, e não como problema isolado de cada nação.
Brasil se afirma como líder regional na superação da pobreza
O Brasil ocupa posição central na estratégia latino-americana delineada pela CEPAL. Além de co-presidir, ao lado do Chile, a Conferência Regional de Desenvolvimento Social (2023-2025), o país assumirá, em 2025, a presidência plena desse fórum, o que amplia sua responsabilidade na construção de consensos regionais rumo à Cúpula Mundial.
O destaque brasileiro, no entanto, vai além da diplomacia. O relatório aponta que o Brasil é o país da América Latina e do Caribe que mais investe em políticas sociais: 12,4% do PIB em 2023, quase três vezes a média regional de 4,4%. Esse esforço permitiu retirar 8,7 milhões de pessoas da pobreza em apenas um ano e consolidar a saída do Mapa da Fome em 2025. Dados do IBGE indicam que a proporção de brasileiros em situação de pobreza caiu de 31,6% em 2022 para 27,4% em 2023, o menor índice desde 2012; já a extrema pobreza recuou para 4,4%, primeira vez que o indicador fica abaixo de 5%.
A CEPAL observa que essa guinada não apenas reduziu a vulnerabilidade interna, como também produziu impacto regional decisivo: mais de 80% da redução da pobreza latino-americana em 2023 ocorreu no Brasil, país que abriga um terço da população da região e onde programas de transferência direta de renda foram fundamentais. O ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Wellington Dias, ressaltou que o relatório é um instrumento crucial para articular compromissos entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, em sintonia com a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza da ONU.
O caso brasileiro mostra como políticas de proteção social robustas, aliadas a reformas fiscais progressivas e a investimentos em sistemas de cuidado, podem transformar a trajetória de uma nação e, ao mesmo tempo, inspirar todo o continente. A CEPAL avalia que, se o Brasil mantiver essa rota, poderá liderar a transição da América Latina para uma sociedade mais justa e resiliente.
A realidade latino-americana entre avanços, retrocessos e novas fronteiras
No conjunto da América Latina e do Caribe, o estudo recorda que, entre 2000 e 2014, a combinação de crescimento econômico, boom das commodities, aumento dos salários reais, maior participação feminina no mercado de trabalho e expansão dos programas sociais ajudou a reduzir a pobreza a níveis históricos: 27,7% em 2014. Contudo, a crise financeira global de 2008, a estagnação econômica e a pandemia de COVID-19 interromperam esse ciclo virtuoso. Em 2024, a pobreza voltou a atingir cerca de 170 milhões de pessoas, enquanto a pobreza extrema alcançou 66 milhões. A fome e a insegurança alimentar seguem como chagas abertas: 187,6 milhões de pessoas — 28,2% da população — viviam em insegurança alimentar moderada ou grave em 2023, em uma região paradoxalmente líder na exportação de alimentos. Além disso, o sobrepeso e a obesidade crescem, configurando a dupla carga da má nutrição.
A desigualdade continua sendo marca estrutural: a América Latina permanece como a região mais desigual do planeta segundo o índice de Gini, e a mobilidade social intergeracional segue praticamente estagnada. Diante disso, a CEPAL defende a construção de sistemas universais de proteção social resilientes, integrados e sustentáveis; o fortalecimento da educação pública de qualidade e da formação profissional; o avanço das políticas de igualdade de gênero e de cuidado; e o aumento das capacidades institucionais dos Estados.
O relatório também chama atenção para novas fronteiras do desafio social: a revolução tecnológica e digital, que pode excluir milhões se não houver políticas de inclusão digital; as mudanças climáticas, que tornam o Caribe e as áreas costeiras particularmente vulneráveis; as transições demográfica, epidemiológica e nutricional, que pressionam sistemas de saúde e previdência; o crescimento da violência e do crime organizado, que minam a coesão social; e a instabilidade internacional, que dificulta o financiamento e a cooperação multilateral.
Num mundo em transformação acelerada, a CEPAL insiste que não há tempo a perder. O pacto social global defendido pela instituição busca garantir que ninguém seja deixado para trás. Para isso, será preciso mais do que vontade política: será necessário coragem para redistribuir recursos, inovar institucionalmente e transformar compromissos em realidade.
Baixe aqui o resumo executivo do relatório “América Latina e Caribe 30 anos depois da Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Social: Rumo a um pacto mundial pelo desenvolvimento social inclusivo“
Baixe aqui o relatório completo “América Latina y el Caribe a 30 años de la Cumbre Mundial sobre Desarrollo Social: Hacia un pacto mundial por el desarrollo social inclusivo“, em espanhol.
Baixe aqui o relatório completo “Latin America and the Caribbean 30 Years on from the World Summit for Social Development: Towards a Global Pact for Inclusive Social Development“, em inglês.
