Renda per capita cai a R$ 1.353 e atinge menor valor em dez anos

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Rendimento recuou 6,9% em 2021 ante 2020, ano em que a economia foi abalada pela pandemia, diz IBGE. Queda no valor do auxílio emergencial e inflação contribuíram para retração
Por Carolina Nalin e Jéssica Marques no Globo | 10/06/2022

RIO DE JANEIRO | A renda média dos brasileiros nunca esteve tão baixa. É o que mostra a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) 2021: Rendimento de todas as fontes, divulgada nesta sexta-feira pelo IBGE. No ano passado, a renda média mensal domiciliar per capita foi de R$ 1.353. É o menor valor em dez anos, considerando a série histórica da pesquisa iniciada em 2012.

Entre 2012 e 2014, a renda média do brasileiro cresceu 6,2% (de R$ 1.417 para R$ 1.505). Essa tendência de crescimento da renda, porém, foi alterada em 2015 quando o país amargou o início da recessão. Naquele ano, o rendimento caiu 3,1%, estimado em R$ 1.458. A renda continuou perdendo valor em 2016, com queda de 1,3%, mas voltou a crescer entre 2017 e 2019 – registrando um aumento de 5,2%.

O rendimento chegou a atingir a maior média da série (R$ 1.520) em 2019, antes da chegada da pandemia de Covid-19. Mas, desde que o país passou a enfrentar os efeitos econômicos da crise sanitária, o rendimento tem caído. Em 2020, recuou 4,3% frente o ano anterior e ficou estimado em R$ 1.454. Em 2021, a retração foi de 6,9% – a maior da série na comparação contra ano imediatamente anterior.

Quando analisada a renda média de acordo com as classes de renda, o estudo mostra que houve queda no ano passado em todas as faixas de renda, mas os mais pobres foram mais penalizados. A renda média per capita dos 5% mais pobres caiu de R$ 75 em 2012 para R$ 39 em 2021- um tombo de 48%. Já o 1% mais rico da população amargou perda de 6,9% no período, com a renda passando de R$ 17,1 mil em 2012 para R$ 15,9 mil de 2021.

Se considerados os 50% da população com os menores rendimentos, esta parcela recebeu, em média, R$ 415 em 2021, o menor valor em dez anos.

De acordo com o IBGE, a renda domiciliar per capita mede o rendimento total do trabalho dividido pela quantidade de pessoas em cada residência. Já o rendimento médio mensal real considera somente as pessoas que tem algum tipo de rendimento, independentemente da fonte.

Assim como renda média per capita, o rendimento mensal real da população também amargou o maior tombo já registrado série histórica da pesquisa. A renda mensal média de todas as fontes, já descontada a inflação, passou de R$ 2.386 em 2020 para R$ 2.265 em 2021, menor valor em dez anos. A retração representa uma queda de 5,1%, a mais intensa da série.

Desemprego e auxílio menor

Alessandra Brito, analista da Pnad Contínua, explica que o auxílio emergencial pago em 2020 funcionou como uma espécie de colchão para amortecer a perda de renda das famílias, sobretudo no momento em que houve uma menor participação do trabalho na composição do rendimento já que o emprego ficou escasso para milhões de brasileiros. Isso explicaria a queda menor da renda naquele ano em comparação com o ano passado.

Já em 2021, a redução do valor do benefício e do número de beneficiários atendidos pelo auxílio emergencial em meio à lenta recuperação do mercado de trabalho fez a renda sofrer mais. O percentual de domicílios com alguém recebendo programas sociais, que inclui o auxílio emergencial, caiu de 23,7% em 2020 para 15,4% em 2021, enquanto a proporção de domicílios com beneficiários do Bolsa Família aumentou de 7,2% para 8,6%.

Outro fator que explica a queda na renda é o avanço da inflação, que encerrou 2021 em dois dígitos com alta de 10,06% – algo que não ocorria desde 2015.

— Tem efeito pandemia, efeito inflacionário e efeito da retirada desses colchões, com o mercado de trabalho ainda tentando se recuperar. São vários fatores que contribuíram, não é possível dizer qual preponderou, mas podemos dizer que todos perderam — explica Alessandra.

Perda de renda maior para beneficiários de programas sociais

A pesquisa também revela que todas as regiões do país registraram perda de renda per capita entre 2020 e 2021. Entre elas, o Nordeste segue com menor rendimento médio mensal domiciliar, ao atingir R$ 843 no ano passado.

Todos os domicílios registraram recuo no rendimento, mas a perda de renda foi maior nos lares em que havia algum membro da família recebendo algum tipo de programa social. Enquanto os domicílios não beneficiários registraram queda de 5,4% da renda, a renda per capita dos beneficiários do Bolsa Família se desvalorizou em dobro: recuo de 10,8% entre 2020 e 2021.

Entre os domicílios que tiveram algum membro recebendo outro programa social, como é o caso do auxílio emergencial, a redução no rendimento médio foi de 26,1% entre 2020 e 2021. Isso porque o valor do benefício foi reduzido pelo governo no ano passado. Nos lares sem beneficiários deste tipo de programa, a perda foi de 10,3% em relação ao ano anterior.

Maria da Conceição Ferreira da Silva, de 31 anos, faz parte dessa parcela da população que amargou perda na renda. A maranhense trabalhava como manicure pouco antes da pandemia e chegava a ganhar mais de um salário mínimo.

Maria da Conceição, na sua casa em Irajá, mostra os arranjos de flores que confecciona para complementar a renda — Foto: Arquivo pessoal

Maria da Conceição, na sua casa em Irajá, mostra os arranjos de flores que confecciona para complementar a renda — Foto: Arquivo pessoal

Com a perda de renda e a gravidez da primeira filha, hoje com dois anos de idade, ela depende do auxílio do governo, cujo benefício foi reduzido para R$ 400 no final de 2021. Há cinco meses passou a trabalhar com artesanato para conseguir fechar as contas no fim do mês, mas um acidente levou à perda de parte dos movimentos das mãos. Com uma renda informal que não ultrapassa R$ 800, Maria se queixa de não conseguir dar entrada no INSS por ter o auxílio doença negado já que, na época, o acidente aconteceu no Maranhão e o benefício foi solicitado no Rio:

— É difícil ter que sobreviver com o mínimo. Eu trabalho por encomenda e quando não tem pedido eu fico dependendo do auxílio. Minha filha tem dois anos e eu tento não deixar faltar nada para ela. Perdi parte do movimento das mãos, isso dificulta que eu volte a trabalhar como antes. E com tudo muito caro, não tá sendo fácil vender meus artesanatos já que os produtos que eu uso para fazer uma peça estão caros — lamenta.

Menos recursos para as famílias

Considerando a massa de rendimento mensal real domiciliar per capita – medida que mede a circulação de recursos na economia ao somar a remuneração do trabalho, aposentadoria, bolsas e programas sociais pagos pelo governo -, houve uma queda de 6,2% em 2021 (R$ 287,7 bilhões) em comparação com 2020 (quando a massa totalizou R$ 306,9 bilhões). Isso significa dizer as famílias amargaram uma perda de R$ 30,56 bilhões no período, atingindo seu segundo menor valor, desde 2012 (R$ 279,9 bilhões).

Segundo a pesquisa, os 10% com os menores rendimentos da população tinham apenas 0,7% da massa de renda, enquanto o grupo dos 10% mais ricos concentravam 42,7% do total.

Publicado originalmente no Globo
https://oglobo.globo.com/economia/noticia/2022/06/renda-per-capita-cai-a-r-1353-e-atinge-menor-valor-em-dez-anos.ghtml