Sistemas agroflorestais recuperam solos degradados

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Engenheira obtém resultados promissores ao implantar práticas alternativas e sustentáveis em fazenda paulista

Por Carmo Gallo Netto no Jornal da Unicamp | 30/11/2018

Os avanços tecnológicos incorporados à agricultura a partir da chamada “Revolução Verde” têm possibilitado a expansão das fronteiras agrícolas e o expressivo aumento da produção agropecuária no mundo, mas à custa de graves consequências socioambientais. Suas práticas provocam desmatamentos, alterações drásticas dos ciclos hidrológicos, degradação contínua do solo e sua contaminação – como das águas e dos alimentos –, aquecimento global, perda da biodiversidade, entre outros.

O relatório Estado da Arte do Recurso Solo no Mundo (FAO; ITPS, 2015), aponta que cerca de 33% dos solos do mundo estão degradados. Erosão, salinização, compactação, acidificação e contaminação estão entre os principais problemas. Somente a erosão elimina entre 25 a 40 bilhões de toneladas de solo por ano, reduzindo significativamente a produtividade das culturas e capacidade de armazenar carbono, nutrientes e água.

Foto: Scarpa
A engenheira florestal Maria Fernanda Magioni Marçal: “A ideia é que o solo fique mais rico ao longo dos anos”

Os processos naturais não renovam ou restauram a fertilidade do solo na velocidade da degradação resultante do modelo agrícola convencional, do que resulta, a cada dia, o aumento de solos menos férteis. Somem-se a isso os prejuízos causados à saúde humana pela necessidade crescente de utilização de fertilizantes químicos e do emprego de agrotóxicos cada vez mais poderosos no combate a pragas progressivamente resistentes. Todos estes problemas têm impulsionado os próprios produtores à procura de alternativas para o estabelecimento de um sistema agropecuário mais sustentável.

É nessa direção que atua a engenheira florestal Maria Fernanda Magioni Marçal, que vem se dedicando ao estudo da recuperação e restauração de ecossistemas degradados e a trabalhos que buscam alternativas ao modelo convencional de produção agrícola através do emprego dos denominados sistemas agroflorestais. Como o próprio nome sugere, estes são sistemas de produção agrícola e/ou pecuária que incorporam o componente arbóreo em seu desenho e propõem manejos baseados na sucessão de espécies, a exemplo da natureza. Entre as árvores podem ser cultivadas hortaliças, mandioca, banana e muitas outras espécies plantadas e colhidas em intervalos de tempo bem menores dos demandados para o corte da madeira. Dessa forma, diz Maria Fernanda, “o sistema não permanece inerte ao longo do tempo, mas torna-se periódica e constantemente produtivo, constituindo fonte de alimento e renda enquanto as árvores se desenvolvem. A ideia é que o solo fique mais rico ao longo dos anos, já que as práticas de manejo buscam a otimização dos recursos, assim como acontece na natureza”.

Diferentemente do que ocorre na monocultura, a diversificação das espécies proporciona um sistema mais equilibrado e o desenvolvimento de plantas mais saudáveis e menos suscetíveis a pragas e doenças, informa a autora. Em vista disso, os sistemas agroflorestais vêm sendo utilizados como tecnologia alternativa para a produção de alimentos saudáveis. Embora os resultados se mostrem positivos na recuperação de sistemas degradados, persiste o desafio de utiliza-los em áreas mais extensas.

Reprodução
Cobertura do solo na leira de plantio em sistema agroflorestal para fruticultura

Em seu mais recente trabalho, que deu origem à sua dissertação de mestrado orientado pelo professor Zigomar Menezes de Souza, da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Unicamp, a pesquisadora trata da “Qualidade do solo em sistemas agroflorestais desenvolvidos para a produção em larga escala”. A pesquisadora avalia atributos físicos, químicos e estoques de carbono e nitrogênio em solos em sistemas agroflorestais implantados na Fazenda da Toca, em Itirapina, SP. O grande diferencial desta iniciativa é a de propor sistemas que possam ser replicados em larga escala, já que utilizam máquinas e equipamentos adaptados e desenvolvidos para atender aos novos manejos.


Como tudo começou

Diante da dificuldade de erradicar o greening dos pomares orgânicos, a Fazenda da Toca adotou sistemas agroflorestais de plantio, a fim de investir no bem-estar das plantas cítricas para que estas pudessem expressar maior resistência contra os sintomas da doença. A diversificação do sistema também poderia dificultar o reconhecimento das plantas cítricas pelo psilídeo.

Diante dos bons resultados, os sistemas agroflorestais na fazenda foram ampliados para outras áreas em caráter experimental, propondo desenhos com potencial de aplicação em maior escala. Em uma área formada por Neossolo Quartzarênico, solo essencialmente arenoso, foram implantados dois diferentes sistemas com foco na recuperação de áreas degradadas, um desenhado para a produção de frutas e outro para pecuária. Em ambos os casos foram preparadas leiras, que são faixas de plantio de 1,2 metro de largura, separadas por entrelinhas de 5 metros uma das outras. No caso da pecuária, que exige uma área mais aberta para pastagem, a cada três leiras separadas por 5 m, foi deixada uma faixa de 12 m para o gado, seguida por mais três leiras, e assim sucessivamente. As leiras são cobertas por uma espessa camada de resíduos vegetais provenientes do manejo de gramíneas, arbustos e árvores do próprio local que, além de fornecerem nutrientes, proporcionam outros benefícios como controle de umidade, temperatura e favorecimento da atividade dos microrganismos do solo.  Até mesmo o capim, grande vilão dos cultivos convencionais, é considerado um forte aliado para a produção de biomassa.

Quando a pesquisadora passou a avaliar as áreas na Fazenda da Toca, os sistemas agroflorestais já haviam sido implantados há dois ou três anos e as alterações provocadas no solo encontravam-se em processo de desenvolvimento. O gado ainda não tinha sido introduzido e as espécies produtivas estavam em crescimento. Nas áreas de pasto, futuramente destinadas ao gado, e nas entrelinhas, o capim era periodicamente roçado para servir de cobertura nas leiras, assim como o material proveniente das podas das árvores e arbustos plantados.


Resultados

Para efeito comparativo, a pesquisadora analisou amostras de solo provenientes de uma área de pasto degradado e de um fragmento florestal em processo de regeneração natural há cerca de 35 anos, além dos sistemas agroflorestais.  A ideia era saber, com base em parâmetros físicos e químicos, em que medida a intervenção efetivamente trazia resultados, o que atendia aos interesses dos proprietários da fazenda e também dos estudos acadêmicos.

Reprodução
Práticas de manejo em sistema agroflorestal: adaptação e desenvolvimento de máquinas

Os resultados revelaram que os sistemas agroflorestais desenvolvidos para produção em larga escala contribuem para melhorar os atributos físicos e químicos do solo que se refletem em sua qualidade, especialmente nas camadas mais superficiais das leiras de plantio, superando em muito o processo natural de regeneração, embora não se tenha notado ainda influência nas entrelinhas.

A propósito desses resultados, Maria Fernanda acrescenta: “O que se pode afirmar agora é que o solo dentro das leiras já se diferencia dos demais pontos amostrados”. Como se trata de um sistema em desenvolvimento, ainda não é possível uma análise de produtividade e também não se pode prever o que acontecerá na área reservada ao gado. Por ora, ficou comprovado que o solo está melhorando, mas seu comportamento futuro é uma questão a ser estudada com o gado utilizando o pasto e as plantas em franca produção. Resta ainda avaliar o impacto da mecanização nas entrelinhas, esclarece ela.

O estudo também aponta que a implantação dos sistemas agroflorestais, ou seja, a mudança no uso do solo na Fazenda da Toca foi considerada um dos principais fatores para o aumento do seu estoque de carbono, o que também indica os benefícios desta prática.

Publicado no Jornal da Unicamp
https://www.unicamp.br/unicamp/ju/noticias/2018/11/30/sistemas-agroflorestais-recuperam-solos-degradados