Boa parte da ajuda aos agricultores entrava a adaptação à mudança climática, indica relatório
Valor — Genebra | 30/10/2023
Os sistemas alimentares mundiais estão cada vez mais expostos a riscos trazidos pela mudança climática. E isso poderá levar a altas significativas de preços nos mercados internacionais com uma redução do fornecimento global.
O alerta é de relatório de monitoramento das políticas agrícolas de 54 países elaborado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Economico (OCDE).
Os subsídios para a agricultura alcançaram volume recorde de US$ 851 bilhões por ano no período 2020-2022. Foram multiplicados por 2,5 vezes desde 2000-02, mas progrediram menos lentamente que a produção agrícola em valor (3,6 vezes).
A conclusão do monitoramento é de que frequentemente o enorme apoio aos agricultores vem em forma nefasta e ‘entrava a adaptação à mudança climática, falseia o jogo da concorrência no mercado e é potencialmente prejudicial ao meio-ambiente’.
O grosso dos subsídios agrícolas é dado por um pequeno número de países produtores e encabeçado de novo pela China, com 36% do total. A parte da India alcança 15%, dos Estados Unidos 14% e da União Europeia (EU) 13%.
A China forneceu US$ 310 bilhões por ano de subsídio agrícola e a India outros US$ 124 bilhões no período examinado. Mas a situação diferente nos dois países mais populosos do mundo. A China fornece quase todo o apoio na forma de preço mínimo, enquanto a India dá muita ajuda para o uso de insumos, por exemplo, e algumas políticas resultam em impacto negativo para o setor.
Enquanto na China os subsídios representaram cerca de 14% da receita bruta do agricultor, na União Europeia representam 16% e nos Estados Unidos 9% (era 20% no começo de 2000). A situação varia consideravelmente por país. Entre 72% e 83% da receita dos agricultores na Noruega, Suíça e Islândia vem de subsídios, comparado a menos de 5% no Brasil, África do Sul, Nova Zelândia e Ucrânia.
Conforme o monitoramento, os governos aumentaram esforços para ajudar a agricultura a se adaptar à mudança climática. Mas diz ser preciso redobrar esse movimento para reduzir as emissões de gás de efeito estufa de origem agrícola.
A mudança climática já tem repercussões importantes no rendimento e qualidade da produção alimentar globalmente. Embora os rendimentos de culturas de base tenham aumentado com o progresso tecnológico e melhores práticas de gestão, os rendimentos mundiais de commodities como milho e soja caíram entre 4% a 6% comparado a uma situação na ausência do aquecimento.
O crescimento da produtividade agrícola diminuiu 21% desde 1961 também por causa da mudança climática. A frequência de secas quase dobrou, de tempestades quase triplicou e de inundações aumentou seis vezes. A previsão é de que serão cada vez mais fontes de problemas para a agricultura nas próximas décadas.
Na América do Sul, a seca provocou uma baixa de colheita de cereais de 2,6% entre 2020-2021 em relação ao ano anterior. A região enfrenta uma intensificação de ondas de calor extremo e diminuição de ondas de frio.
Uma baixa suplementar dos rendimentos poderá resultar na evolução de populações de insetos nocivos. As temperaturas mais altas também tornarão mais provável perda de rendimento simultânea em grandes regiões produtoras. Um impacto será na produção bovina e de leite, por exemplo. Poderá haver também impacto sobre 40% das culturas irrigadas no mundo. A progressão dos níveis de CO2 tende a reduzir a eficácia de herbicidas.
O relatório cita estudo de especialistas da ONU, de que um terço das terras agrícolas atualmente exploradas poderiam se tornar impróprias à produção animal ou vegetal até o fim do século em caso de evolução desfavorável de chuvas, temperatura e aridez, com consequências evidentes para a produção mundial.
Ao mesmo tempo, a mudança climática poderá tornar mais propicia a produção agrícola em outras regiões. Na Espanha, algumas províncias poderão se adaptar mais e mais à produção de frutas tropicais. No Reino Unido, a produção de vinho já foi ampliada para o norte, assim como na Itália para algumas zonas montanhosas.
Publicado no Valor Econômico
https://valor.globo.com/opiniao/assis-moreira/coluna/subsidio-agricola-bate-recorde-e-afeta-o-meio-ambiente.ghtml