Preocupação com autossuficiência e sustentabilidade leva Japão a testar opções vegetais
Por Leo Lewis no Financial Times | 05/07/2023
Apesar de todo o efervescente entusiasmo pós-pandemia dos exibidores, de toda a exuberância de sua grandiosidade e de todos seus produtos suntuosos, a feira japonesa de alimentos Foodex 2023 pegou o país em um momento vulnerável.
Uma exibição em particular foi bem simbólica: três pratos de sashimi vegano. Eles pareciam conter deliciosos cortes crus genuínos de atum, salmão e lula. Feitos puramente de matéria vegetal, esses cortes podem ter mostrado como será o formato dos cardápios do futuro e como será a proteção que o Japão precisa diante da crise de sustentabilidade dos peixes.
A Foodex de março também foi palco dos negócios de sempre: produtores de alimentos do mundo inteiro atraídos pela lucrativa perspectiva de vender para um Japão que é obcecado por culinária. A história mostra que os esforços deles têm valido a pena — as importações agrícolas japonesas somaram US$ 70,2 bilhões em 2022. Embora o evento deste ano, realizado em Tóquio, tenha trazido os produtores de alimentos de volta a um mercado cada vez mais dependente de calorias importadas, ficou nítido que o Japão agora sente um maior nervosismo a respeito desse nível de dependência.
Em 2021, a taxa de autossuficiência alimentar do Japão foi de 38% — apenas um pouco acima do menor patamar histórico, registrado no ano anterior, e bem longe da meta do governo de 45% até 2030. Desde então, como o custo dos ingredientes importados — e até o da ração animal — decolou após a invasão da Ucrânia pela Rússia, a preocupação dos consumidores japoneses diante dos altos preços só aumentou. O modelo de importação tem se mostrado um sistema alimentar adequado para tempos mais previsíveis.
Cada vez mais, porém, a preocupação nacional com a autossuficiência alimentar está se somando aos crescentes receios sobre a questão da sustentabilidade. Em particular, segundo o diretor de vendas da Azuma Foods, Yoshihiro Sugiura, o país vem ficando mais preocupado com as projeções de que haverá uma escassez mundial de proteínas — principalmente dos produtos marinhos favoritos do Japão. Esses temores são ainda mais agravados pela estimativa da Organização das Nações Unidas de que a população humana mundial chegará a 9,7 bilhões até 2050.
Acredita-se que os produtos pesqueiros estão especialmente ameaçados. Desde 1974, a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) tem acompanhado a proporção dos estoques mundiais de peixes cujos níveis são considerados biologicamente sustentáveis. Quando a pesquisa começou, a proporção era de 90%. Em 2019, caiu para apenas 64,6%.
Esse forte declínio, de acordo com Sugiura, é motivo de grande preocupação para uma empresa como a Azuma Foods, que nasceu como uma comercializadora de frutos do mar tradicional. “O aquecimento global deixou a cadeia produtiva instável e vimos que ela não é mais sustentável para os ingredientes, então fomos buscar alternativas”, diz.
A empresa começou testando maneiras de fazer frutos do mar com aparências (e, eventualmente, sabores) autênticos, que não dependessem do uso de produtos de origem animal.
Nos estágios iniciais, conta Sugiura, o foco estará em fornecer produtos no estilo de sashimi e sushi totalmente veganos e sem alergênicos. A demanda, admite, é proporcionalmente pequena, mas poderia vir a representar entre 1% e 3% do mercado de peixe cru no Japão.
“No longo prazo, sabemos que uma crise de proteína está chegando”, diz Sugiura. “Sabemos que a escassez está chegando e é aí que o segmento poderia crescer tanto no mercado interno quanto no externo.”
A empresa está procurando materiais veganos alternativos para produzir os sempre populares bastõezinhos de caranguejo, o kani-kama, um produto que hoje já é derivado de outros peixes, como o polaca, em vez de caranguejos.
“Da mesma forma, olhamos para os suprimentos futuros globais com um senso de crise e de como alcançar a sustentabilidade”, diz Sugiura.
O “Future Fish” (peixe do futuro) da Azuma Foods, como foi rotulado, é feito com base no konnyaku em pó, uma raiz comestível que pode ser transformada em uma substância com uma textura surpreendentemente parecida à do peixe cru — atum, salmão e lula em primeiro lugar, embora outros produtos estejam em desenvolvimento. Entre eles, há uma versão à base de plantas das populares ovas de salmão — outro alimento muito apreciado na culinária japonesa.
A empresa também começou a produzir um camarão vegano feito de amido e konnyaku, modelado em uma forma que parece autêntica, e já conseguiu uma base de clientes entre fabricantes de alimentos e restaurantes que vêm testando saladas e pizzas veganas. Vistos a distância, os produtos parecem bastante realistas, segundo a empresa, embora Sugiura admita que o cliente mais atento pode perceber que não são reais.
A tarefa realmente difícil, porém — e, por enquanto, o segredo mais bem guardado da Azuma Foods — , é recriar o sabor. O konnyaku é conhecido por não ter muito gosto. Além disso, qualquer adição de sabor realista de frutos do mar precisa necessariamente evitar ingredientes de origem animal. A feira Foodex, segundo Sugiura, foi uma chance de obter um retorno com opiniões francas sobre os esforços da empresa, antes do lançamento do peixe falso nas prateleiras dos supermercados no Japão previsto ainda para julho.
A Azuma não é a única a reconhecer o potencial enorme da demanda por frutos do mar realmente alternativos. Até a gigante japonesa Nippon Ham — há anos uma das principais fornecedoras de produtos animais no Japão — agora entrou no mercado de alternativas feitas integralmente sem carnes. Neste ano, a empresa lançou um produto que imita peixe frito, mas é feito de soja e extratos de algas.
Tradução de Sabino Ahumada
Republicado pelo Valor Econômico
https://valor.globo.com/eu-e/noticia/2023/07/05/vem-ai-o-sushi-de-peixe-falso.ghtml