Blog do IFZ | 23/04/2025
No Sudoeste do Paraná, uma transformação importante tem ganhado espaço, ainda que de forma discreta. Distante das grandes monoculturas e da lógica industrial que trata o alimento como produto padronizado, agricultores familiares estão construindo alternativas baseadas em práticas mais sustentáveis. Esses produtores mostram que é possível respeitar o meio ambiente — solo, água e alimento — e, ao mesmo tempo, questionar uma ideia bastante comum: a de que produzir de forma ecológica é necessariamente mais caro.
O estudo recém-publicado, Custos de produção em Sistemas Agroindustriais Familiares (SAFs) ecológicos e não ecológicos, realizado por Milena Demetrio, Leidiane Maria Fantin e Marcio Gazolla, lança luz sobre esse equívoco. A pesquisa, conduzida com rigor metodológico e sensibilidade às realidades do campo, compara pela primeira vez os custos reais de produção em dois modelos distintos de agroindústria familiar: o ecológico e o convencional. E os resultados surpreendem. Entre 2020 e 2021, os pesquisadores acompanharam 24 propriedades familiares organizadas como Sistemas Agroindustriais Familiares, ou SAFs, estruturas em que os agricultores não apenas cultivam, mas também processam os próprios alimentos, agregando valor antes de chegarem ao consumidor. Doze desses sistemas adotavam práticas ecológicas, e os outros doze seguiam o modelo convencional. Com base na metodologia do Valor Agregado, foi possível medir com precisão os custos de produção e o impacto social de cada modelo.
Os resultados revelaram um paradoxo: os SAFs ecológicos, embora cultivem sem agrotóxicos e com menor dependência de insumos externos, apresentaram custos de produção mais baixos — tanto nos gastos totais quanto no consumo de bens intermediários. Além disso, mostraram uma capacidade maior de redistribuir a riqueza gerada, destinando uma parcela mais significativa do valor produzido a salários, taxas e impostos. Isso representa, em termos práticos, uma contribuição direta para o dinamismo econômico regional e para o bem-estar coletivo.
Para compreender a força dos SAFs ecológicos, é fundamental situá-los no cenário mais amplo da produção de alimentos nas últimas décadas. Esse setor foi amplamente dominado por um modelo de alta produtividade baseado na mecanização intensiva, no uso pesado de fertilizantes e pesticidas químicos, e no processamento em larga escala. Embora esse modelo tenha garantido aumento na oferta de alimentos, também trouxe consequências graves: degradação ambiental, perda de biodiversidade, queda na qualidade nutricional e o agravamento das doenças crônicas associadas à má alimentação — as chamadas DANTs, que hoje respondem por cerca de 11 milhões de mortes anuais, segundo estudos recentes.
Diante desse quadro, os SAFs ecológicos surgem como uma alternativa concreta. Suas práticas valorizam a biodiversidade, o uso racional dos recursos, a produção artesanal e o respeito à cultura alimentar local. Mais do que uma técnica, trata-se de uma visão de mundo que resgata a dignidade do ato de produzir alimento e reforça o vínculo entre quem planta e quem consome.
Uma das grandes contribuições do estudo é demonstrar que, mesmo sob a ótica econômica — frequentemente usada para desacreditar a agroecologia — os SAFs ecológicos são mais eficientes. Ao analisar o custo total de produção, verificou-se que esses sistemas não apenas gastam menos, como também investem seus recursos de maneira distinta. Em vez de canalizar grande parte dos gastos para a compra de insumos externos, como defensivos agrícolas e fertilizantes industriais, os SAFs ecológicos destinam mais recursos para a contratação de mão de obra local, pagamento de tributos e aquisição de serviços na própria região. Essa escolha gera um efeito multiplicador, alimentando as economias locais e construindo uma lógica de circularidade econômica. Em contraste, os sistemas convencionais, com sua dependência de insumos industriais, acabam transferindo riqueza para fora, enfraquecendo a base econômica onde estão inseridos.
Além da questão econômica, há ainda o valor simbólico e cultural do alimento produzido nesses sistemas. Os SAFs ecológicos oferecem alimentos que carregam mais do que nutrientes: preservam tradições, histórias e modos de vida. Comercializados, em sua maioria, por meio de circuitos curtos — feiras, cooperativas, entregas diretas — esses produtos escapam dos caminhos longos e impessoais dos supermercados. Têm identidade e propósito. São alimentos com nome e sobrenome, que conectam quem planta a quem come.
O estudo revela que essas cadeias curtas, além de mais humanas, são também mais rentáveis. A agroindustrialização realizada no próprio espaço da família agricultora permite a venda de alimentos com maior valor agregado — como doces, compotas, queijos, pães e conservas. Quando esse processo está aliado à produção ecológica, os produtos ainda recebem o chamado preço prêmio: um valor adicional que consumidores conscientes estão dispostos a pagar por alimentos mais saudáveis e ambientalmente responsáveis.
O que está em jogo, portanto, não é apenas uma comparação entre formas de produzir. É um embate entre dois projetos de sociedade: um que enxerga o alimento como mercadoria indiferenciada e outro que o reconhece como direito, cultura e cuidado. Os SAFs ecológicos mostram que é possível produzir alimentos de forma justa, eficiente e sustentável. Que os custos podem ser menores quando se respeita a terra. E que o valor de um alimento vai muito além do preço no balcão.
Ao reunir dados, análises e comparações, este estudo não apenas informa: ele convida à reflexão. E, quem sabe, inspire uma mudança de rota — da terra até o prato. O estudo completo pode ser consultado em [referência bibliográfica] e representa um marco importante para o fortalecimento de políticas públicas voltadas à agricultura familiar ecológica no Brasil.
Sobre os autores
Milena Demetrio
Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional / Universidade Tecnológica Federal do Paraná
Rua Via do Conhecimento, km 01 – Bairro Fraron
85503-390 Pato Branco/PR, Brasil
Orcid: https://orcid.org/0000-0001-7975-8102
E-mail: [email protected]
Leidiane Maria Fantin
Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional / Universidade Tecnológica Federal do Paraná
Rua Via do Conhecimento, km 01 – Bairro Fraron
85503-390 Pato Branco/PR, Brasil
Orcid: https://orcid.org/0000-0001-5235-6437
E-mail: [email protected]
Marcio Gazolla
Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional / Universidade Tecnológica Federal do Paraná
Rua Via do Conhecimento, km 01 – Bairro Fraron
85503-390 Pato Branco/PR, Brasil
Orcid: https://orcid.org/0000-0002-4807-6683
E-mail: [email protected]
