Dieta de grupos vulneráveis preocupa governo e terceiro setor, que defendem comida nutritiva como prioridade no combate à insegurança alimentar
Por Victória Pacheco na Folha de S.Paulo | 29/07/2025
SÃO PAULO (SP) | O Brasil tem 50,2 milhões de pessoas que não podem pagar por uma alimentação saudável —23,7% da população—, de acordo com dados divulgados na segunda-feira (28) pela FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura).
Ao mesmo tempo, o país deixou o Mapa da Fome da ONU, após ter saído pela primeira vez em 2014 e retornado à lista entre 2019 e 2021. O relatório “O Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo” mostra que, entre 2022 e 2024, menos de 2,5% da população brasileira estava em situação de subnutrição ou com acesso insuficiente a alimentos.
Para especialistas, o resultado representa um avanço, mas persistem desafios. “A batalha contra a fome não se encerra quando o país deixa o indicador. Ela continua existindo, mas não na proporção de antes”, afirma José Graziano, ex-diretor da FAO e idealizador do programa Fome Zero.
“O problema não é falta de alimento, é falta de poder de compra. O Brasil tem excedentes alimentares, tanto que exporta para o mundo inteiro. A melhora da qualidade alimentar só se resolve com aumento de emprego e de salários.”
Segundo Graziano, a retomada de políticas públicas voltadas à segurança alimentar foi um dos fatores que contribuíram para o avanço recente. Entre elas, destacam-se Bolsa Família, PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar) e medidas de apoio à agricultura familiar.
No entanto, não basta garantir comida na mesa, é preciso priorizar a qualidade da alimentação, defende ele. Isso envolve oferecer uma cesta básica mais saudável, fortalecer a atuação de pequenos agricultores e promover ajustes no modelo de abastecimento de alimentos.
“Hoje, a distribuição está concentrada em grandes centrais e supermercados, o que não favorece os pequenos produtores. Enquanto isso, feiras livres e outros canais locais perdem espaço. Essa lógica intensifica os desertos alimentares, especialmente no interior e nas periferias, onde é praticamente impossível encontrar alimentos saudáveis”, afirma o especialista.
A preocupação com o acesso à comida de qualidade também é destacada por Luiza Trabuco, secretária extraordinária de Combate à Pobreza e à Fome do Ministério do Desenvolvimento Social.
Segundo ela, a próxima fase do Plano Brasil Sem Fome —estratégia do governo federal para enfrentar a insegurança alimentar—, prevista para começar em agosto, vai se centrar nos grupos que ainda enfrentam subnutrição ou têm acesso precário a alimentos.
“Nosso foco agora é localizar essas pessoas e garantir que sejam alcançadas pelas políticas públicas. Para isso, criamos um indicador municipalizado, já que antes só havia dados nacionais e estaduais”, explica.
A nova etapa terá como públicos prioritários indígenas, mulheres negras e famílias com crianças. “Com essa ferramenta, vamos orientar a busca ativa, incluir essas famílias no Cadastro Único e garantir o acesso ao Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, tarifa social de energia e ações de segurança alimentar e nutricional”, diz Trabuco.
“Quando falamos em fome, estamos nos referindo ao nível mais grave da insegurança alimentar, quando a pessoa não tem acesso a alimento algum. Já a segurança alimentar e nutricional abrange diferentes níveis”, explica Silvia Zimmermann, coordenadora da Rede Penssan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional).
Na pandemia, a comunidade de pesquisadores foi responsável pela realização do 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, que mostrou que 6 a cada 10 brasileiros —125,2 milhões de pessoas— conviviam com algum grau de insegurança alimentar.
“Mesmo quando há alguma disponibilidade de alimentos, ela pode se restringir a opções não saudáveis, o que também representa insegurança. A dificuldade de acesso à comida saudável está ligada a inúmeros problemas, como a obesidade.”

Para evitar retrocessos, a rede de pesquisadores defende a continuidade de políticas públicas e estruturas institucionais voltadas à segurança alimentar, como a Caisan (Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional), responsável por articular ações no âmbito do Sisan (Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional).
“Os dados da FAO mostram que o Brasil voltou a alcançar o patamar que havia atingido em 2014. Durante a pandemia, o avanço da fome esteve diretamente ligado ao desmonte dessas políticas. A retomada das ações de segurança alimentar foi essencial para o cenário atual e será decisiva para que o país avance na erradicação da fome”, afirma Zimmermann.
Publicado originalmente na Folha de S.Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/folha-social-mais/2025/07/fora-do-mapa-da-fome-brasil-ainda-tem-50-milhoes-de-pessoas-sem-alimentacao-saudavel.shtml
