A inclusão é parte fundamental do debate sobre justiça social e climática. No entanto, em diferentes níveis e contextos, vozes cruciais continuam silenciadas. Susan Nanduddu e Lilian Motaroki destacam barreiras invisíveis que podem impedir justamente a participação dos grupos mais vulneráveis aos impactos do clima.
Insight de Susan Nanduddu e Lilian Motaroki para o IIED | 03/09/2025
Muitas vezes tratamos a inclusão como se bastasse convidar todos para a mesa. Mas a experiência – inclusive a nossa – mostra que é mais complicado do que isso. Mesmo com as melhores intenções, barreiras estruturais e invisíveis podem, silenciosamente, excluir justamente aqueles que queremos alcançar.
No âmbito do projeto CRAKS, o African Centre for Trade and Development (ACTADE) e o IIED vêm explorando formas de fortalecer a resiliência comunitária em Uganda, por meio de um sistema de conhecimento sobre adaptação liderado localmente. Isso inclui garantir que o conhecimento local e tradicional das comunidades sobre adaptação climática seja compartilhado e integrado.
Desde o início, buscamos criar espaços participativos e inclusivos. Nosso último diálogo nacional reuniu representantes de governos locais, setor privado, ONGs e agricultores para refletir sobre os resultados preliminares do projeto e propor formas de apoiar sistemas de conhecimento sensíveis a questões de gênero e socialmente inclusivos.
Tínhamos certeza de que havíamos pensado em tudo para garantir a participação dos grupos marginalizados – que são o centro do projeto CRAKS.
Mas os números e o feedback contaram outra história:
- Apenas 36% dos participantes eram mulheres, e só 6% eram jovens.
- Nenhuma pessoa com deficiência esteve presente.
- Os poucos idosos que compareceram disseram ter se sentido excluídos.
- Todas as regiões foram representadas, mas a diversidade interna delas foi muito baixa.
Como organizadores, foi uma experiência de humildade – e também de desconforto.
O choque de realidade
Logo no início do projeto CRAKS, uma avaliação de igualdade de gênero e inclusão social (GESI) revelou que muitos grupos marginalizados enfrentam obstáculos persistentes para acessar conhecimento sobre adaptação às mudanças climáticas, como:
- Falta de tempo, sobretudo entre mulheres.
- Baixos níveis de alfabetização, principalmente entre mulheres mais velhas ou de meia-idade.
- Restrições culturais que limitam a mobilidade feminina.
- Falta de renda ou recursos para acessar rádio, celular ou internet.
- Para pessoas com deficiência: estigma, falta de acessibilidade e exclusão dos processos comunitários de decisão.
Mas uma coisa é saber disso. Outra, bem diferente, é ver essas barreiras acontecendo, em tempo real, dentro de um evento organizado por nós.
O que os agricultores nos disseram: as barreiras menos visíveis
Um exemplo foi o transporte. Como de costume, reembolsamos os custos de viagem dos participantes. O pagamento após o evento ajuda a evitar riscos, como a pessoa receber o dinheiro e não comparecer.
Parece justo, certo? Mas, para agricultores que vivem no limite, sem dinheiro sobrando, pagar a passagem de ônibus ou a hospedagem antecipadamente é simplesmente inviável. Nós não havíamos considerado isso.
Outro obstáculo foi a época do evento. A reunião aconteceu em plena colheita, quando os agricultores passam o dia todo no campo. É preciso respeitar as prioridades deles, não as nossas: para quem depende da safra, a lavoura sempre vem em primeiro lugar. A pergunta que devemos fazer é: o que funciona para vocês?
A linguagem também foi um problema. Termos como “intermediação de conhecimento” ou “sistemas de conhecimento” soam distantes, sobretudo em contextos locais. Alguns agricultores disseram ter medo de não acompanhar a discussão ou de serem questionados sobre algo que não soubessem responder. Paradoxalmente, são justamente essas pessoas que detêm conhecimentos valiosos para compartilhar – e que também precisam aprender com os outros para se adaptar melhor. Ainda assim, o “tecniquês” acaba afastando-os.
Outro ponto foi o medo da cidade grande. Alguns agricultores expressaram receio de se perder ou de não se sentirem à vontade em um ambiente estranho, cercados por líderes nacionais e especialistas em clima. Isso nos fez refletir: por que tantos diálogos agrícolas acontecem em grandes cidades, onde quase não há agricultura?
A partir disso, começamos a pensar em como levar os encontros até os agricultores, em locais familiares, onde se sintam confortáveis.
Também repensamos a forma como enviamos os convites. Quando chamamos instituições, em vez de pessoas, geralmente são homens que acabam participando. Se não convidarmos explicitamente mulheres, jovens ou pessoas com deficiência, dificilmente estarão presentes. Essa lógica institucional cria uma espécie de “porteira”, e acabamos vendo sempre os mesmos rostos – enquanto outras vozes seguem ausentes.
As barreiras culturais também são relevantes. Nossa avaliação GESI mostrou que mulheres e meninas acumulam trabalho doméstico e enfrentam normas sociais que restringem sua mobilidade. Não basta convidá-las: é preciso garantir que possam ir e que se sintam seguras para compartilhar suas experiências.
O mesmo vale para pessoas com deficiência. Em um evento anterior, descobrimos que, para uma pessoa com deficiência visual participar, era necessário que seu acompanhante também estivesse presente durante toda a atividade – e isso precisa estar previsto no orçamento.
O que estamos fazendo de diferente
Estamos encarando tudo isso como aprendizado, não como fracasso. Da próxima vez, vamos:
- Garantir transporte de ida e hospedagem antecipadamente para agricultores.
- Informar com antecedência sobre serviços de tradução, para reduzir receios de participação.
- Solicitar explicitamente diversidade nos convites institucionais, pedindo que indiquem mulheres, jovens e pessoas com deficiência.
Cuidado com as palavras da moda
Gênero, igualdade, inclusão – hoje são termos presentes em quase todas as propostas e estratégias de projetos. Mas, se não gerarem mudanças concretas, correm o risco de virar apenas jargões, sem significado real.
Boas intenções são um começo. Mas a verdadeira inclusão acontece quando temos coragem de reconhecer nossas próprias falhas, escutar com atenção e nos ajustar constantemente. Inclusão não é apenas abrir espaço para todos; é remover os obstáculos que impedem as pessoas de ocupar esse espaço.
Trabalhando em parceria, podemos derrubar, passo a passo, essas barreiras invisíveis – até que pequenas mudanças se somem e se transformem em grandes transformações.
Agradecimentos
A Annet Nakyeyune e Viola Musiimenta (ACTADE), por suas contribuições a esta reflexão.
Este trabalho contou com apoio do Ministério das Relações Exteriores dos Países Baixos e do Centro Internacional de Pesquisa para o Desenvolvimento (IDRC), do Canadá. As opiniões expressas não refletem necessariamente as do IDRC, de seu conselho de governadores ou do Ministério das Relações Exteriores dos Países Baixos.
Sobre as autoras
- Susan Nanduddu é diretora executiva do African Center for Trade and Development (Centro Africano para Comércio e Desenvolvimento).
- Lilian Motaroki ([email protected]) é pesquisadora do grupo de Mudanças Climáticas do IIED – International Institute for Environment and Development (Instituto Internacional para o Meio Ambiente e Desenvolvimento).
Publicado originalmente pelo IIED
https://www.iied.org/how-hidden-barriers-exclude-marginalised-groups-creating-sharing-knowledge-critical-for-climate
