A agricultura é, ao mesmo tempo, uma grande responsável pelas mudanças climáticas e altamente vulnerável a seus impactos. À medida que empresas globais de alimentos avançam em direção a práticas chamadas de “sustentáveis” ou “regenerativas”, surge uma questão crítica: essa será uma transição justa para os trabalhadores que alimentam o mundo?
Insight de George Williams para o IIED | 05/06/2025
Depois do setor de energia, a agricultura é o maior contribuinte para as emissões globais de gases de efeito estufa — respondendo por cerca de 12%. Ao mesmo tempo, a agricultura, e o sistema alimentar em geral, são extremamente vulneráveis ao aumento das temperaturas e à instabilidade climática.
No Reino Unido, somente em 2024 registrou-se o período de 18 meses mais chuvoso já documentado. Agora, em 2025, os agricultores britânicos enfrentam alto risco de seca após a primavera mais seca em mais de um século.
O mesmo ocorre em outras partes do mundo: agricultores lidam com padrões climáticos imprevisíveis e eventos extremos. Produtores de cacau na África Ocidental enfrentam altas temperaturas e chuvas irregulares. Chuvas torrenciais e inundações sem precedentes destruíram plantações e meios de subsistência no coração agrícola da Espanha em outubro de 2024.
Uma nova esperança?
Para aumentar a resiliência da agricultura frente às mudanças climáticas e fortalecer o potencial de sequestro de carbono no solo e na paisagem, muitas empresas globais de alimentos estão investindo em abordagens inovadoras.
A Nestlé, maior empresa de alimentos do mundo, pretende que 50% de seus “ingredientes-chave” sejam adquiridos de agricultores que adotem práticas de agricultura regenerativa até 2030. Já a Cargill — uma das maiores produtoras e comerciantes de grãos do planeta — planeja oferecer treinamento em agricultura sustentável a 10 milhões de agricultores até 2030. A Unilever, por sua vez, comprometeu-se a adotar um “novo código de agricultura regenerativa” para todos os seus fornecedores.
Termos como “agricultura regenerativa”, “agricultura amiga da natureza” e “agricultura sustentável” se multiplicam. Mas, ao olhar mais de perto, nota-se um brilho verde em torno de cada um deles.
Como organização tripartite dedicada ao avanço dos direitos humanos nas cadeias de suprimento, a Ethical Trading Initiative (ETI) não se propõe a avaliar a eficácia de cada abordagem em termos de adaptação ou mitigação climática. Mas um ponto chama atenção — e falta no entusiasmo em torno dessa transição agrícola: a consideração sobre quem faz o trabalho.
Sejamos claros: são os trabalhadores agrícolas que alimentam o mundo. E em muitas regiões, a agricultura é um dos principais empregadores. No Quênia, responde por cerca de 32% da força de trabalho; na África do Sul, 19%; no Peru, 24%; e na Índia, 44% — todos países cujos nomes os consumidores britânicos estão acostumados a ver nos rótulos de supermercados.
Quando as vozes, prioridades e conhecimentos desses trabalhadores não são incluídos na tomada de decisões, os planos de sustentabilidade correm o risco de repetir velhos problemas de direitos humanos que há décadas assolam as cadeias agrícolas.
Nova pesquisa para entender impactos humanos e identificar boas práticas
No início de 2025, a ETI, o IIED e a Banana Link lançaram um projeto de pesquisa colaborativa com o objetivo de responder a questões-chave, como:
- Onde a agricultura sustentável (em sentido amplo) já está sendo implementada em áreas de produção ligadas às cadeias globais de valor e quais são seus impactos sobre os direitos humanos de trabalhadores e produtores?
- Como esses impactos diferem daqueles encontrados em locais que praticam agricultura convencional?
- Existem boas práticas que incluam trabalhadores nos processos de decisão sobre a transição para a agricultura sustentável (inclusive por meio de sindicatos e organizações de trabalhadores)?
Começamos com uma pesquisa documental para explorar essas questões, incluindo uma revisão rápida de evidências, entrevistas com especialistas do setor e uma sessão com membros da ETI para validar descobertas iniciais e identificar novas frentes de investigação.
Ainda este mês, durante a London Climate Action Week, realizaremos uma mesa-redonda reunindo especialistas da indústria, da academia, da sociedade civil e de sindicatos para aprofundar os achados, refletir sobre suas implicações e desenvolver um roteiro para a próxima fase da pesquisa.
Por que isso importa — uma transição justa
Transição justa não significa apenas adotar práticas mais verdes — trata-se de justiça, inclusão e direitos humanos. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) define transição justa como “tornar a economia mais verde de forma tão justa e inclusiva quanto possível para todos os envolvidos, criando oportunidades de trabalho decente e não deixando ninguém para trás”.
Mas transições justas dizem respeito tanto ao processo quanto ao resultado: trabalhadores e seus representantes precisam participar das decisões, não apenas receber de cima as mudanças. Como organização tripartite, com membros e um conselho de governança que inclui empresas, ONGs e sindicatos, a ETI tem no diálogo social um eixo central de seu trabalho sobre transições justas.
O trabalho agrícola há muito tempo está associado a práticas exploratórias: do trabalho forçado imposto pelo Estado na produção de tomates, à violência sexual e ao assédio generalizado contra mulheres no setor de chá; do trabalho infantil no cacau ao trabalho forçado no café; e à exploração de migrantes em fazendas no Reino Unido — o histórico, simplesmente, não é bom.
Sobre o autor
George Williams é assessor de transições justas na Ethical Trading Initiative (ETI).
Publicado originalmente pelo IIED
https://www.iied.org/just-transition-agriculture-putting-workers-centre
