IIED: Enfrentando a lacuna da nutrição na ação climática

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Os impactos das mudanças climáticas sobre os resultados nutricionais são frequentemente negligenciados, e as ações de adaptação climática muitas vezes deixam de abordar essa questão fundamental. Sarah McIvor e Annet Nakyeyune estão co-desenvolvendo planos de adaptação sensíveis à nutrição em parceria com a World Vision e comunidades na Tanzânia e nas Ilhas Salomão.

Insight de Sarah McIvor e Annet Nakyeyune para o IIED | 20/08/2025

Enfrentando a lacuna da nutrição na ação climática

Ainda neste mês, especialistas de todo o mundo se reunirão em Paris, durante o Congresso Internacional de Nutrição, para discutir como alcançar “alimentação sustentável para a saúde global”.

Nós apresentaremos os resultados iniciais de uma pesquisa desenvolvida em parceria com a World Vision Irlanda, como parte do programa NOURISH, financiado pela Irish Aid. O projeto analisa os efeitos das mudanças climáticas sobre a nutrição, a segurança alimentar e a equidade, propondo soluções práticas.

Nosso trabalho com comunidades na Tanzânia e nas Ilhas Salomão revela que as mudanças climáticas afetam diretamente os resultados nutricionais — e que a nutrição precisa ser considerada uma peça-chave em qualquer ação climática eficaz.

Historicamente, as questões de nutrição e diversidade alimentar no contexto das mudanças climáticas receberam menos atenção do que os impactos sobre a produtividade agrícola — especialmente no cultivo de cereais. Embora o foco nesses cultivos contribua para a resiliência climática e o suprimento calórico, a concentração em poucas culturas pode reduzir a diversidade alimentar e limitar o consumo de alimentos nutritivos, ricos em vitaminas e minerais essenciais.

É fundamental promover uma colaboração efetiva entre especialistas em clima, agricultura e nutrição, adotando uma abordagem holística de adaptação que incorpore a dieta e a nutrição como partes integrantes da resposta climática.

Desenvolvendo planos de adaptação climática sensíveis à nutrição com liderança comunitária

O IIED e a World Vision vêm colaborando com comunidades na Tanzânia e nas Ilhas Salomão para construir planos de adaptação climática sensíveis à nutrição, conduzidos pelas próprias comunidades.

Foram criados espaços seguros de escuta, nos quais crianças, jovens, homens e mulheres puderam compartilhar como as mudanças climáticas afetam sua nutrição e segurança alimentar, quais estratégias de enfrentamento utilizam e que soluções de adaptação de longo prazo poderiam ser implementadas para superar esses desafios.

Mudanças climáticas e nutrição na Tanzânia e nas Ilhas Salomão

Na comunidade de Ngwamanota, no distrito de Kishapu, norte da Tanzânia, exploramos opções de adaptação climática com foco em nutrição. A maioria da população depende da agricultura de subsistência e da criação de animais.

De forma alarmante, crianças de 7 a 12 anos relataram que frequentemente pulam refeições como estratégia de enfrentamento. Essa prática, além de ineficaz, agrava o problema da desnutrição infantil, já presente na região. A ação climática precisa garantir que as famílias — especialmente as crianças — não tenham que recorrer a esse tipo de medida.

Nas Ilhas Salomão, ciclones podem afetar a região por duas a três semanas, dificultando o acesso ao mar, aos mercados e à produção de alimentos básicos.

Na vila de Toroa, localizada na Ilha Makira e habitada por cerca de 250 pessoas que dependem da agricultura de subsistência e da pesca, a vulnerabilidade é visível. Apesar da paisagem cercada por coqueiros à beira de uma baía tranquila, Toroa enfrenta exclusão e abandono: não há telefone, eletricidade, centros de saúde nem escolas secundárias.

Para lidar com deslizamentos de terra e enchentes, os moradores cultivam hortas em diferentes locais. Mesmo assim, um idoso relatou ter perdido todas as cinco hortas que mantinha, enfrentando, assim, um cenário ainda mais severo de pobreza e fome.

Comunidades na linha de frente da ação eficaz em clima e nutrição

Com o agravamento dos impactos climáticos e suas consequências sobre a segurança alimentar, muitas famílias passam a escolher suas refeições com base apenas na disponibilidade de alimentos, e não em suas necessidades nutricionais. Identificamos uma forte tendência à adoção de estratégias baseadas em experiências passadas para lidar com os impactos atuais. Embora algumas dessas estratégias possam funcionar a curto prazo, muitas delas se tornarão insustentáveis à medida que as mudanças climáticas se tornarem mais severas e imprevisíveis.

As abordagens lideradas pelas comunidades são essenciais para alcançar os grupos mais vulneráveis e marginalizados.

Junto aos moradores locais, co-desenhamos ferramentas simples de avaliação de risco e vulnerabilidade climática. Esse processo impulsionou o engajamento de diferentes segmentos da comunidade, ampliando a participação e o senso de pertencimento.

Como resultado, foram elaborados planos de adaptação sensíveis à nutrição, contextualizados às realidades locais. Esses planos descrevem com clareza as soluções e ações que as comunidades estão dispostas a implementar, bem como os apoios necessários por parte de outros atores — como governos, ONGs, centros de pesquisa e financiadores.

A inclusão de crianças nas discussões revelou perspectivas fundamentais que poderiam ter sido ignoradas por outros grupos, reforçando a importância de considerar suas vozes em iniciativas de ação climática — especialmente no que se refere ao acesso à alimentação e à nutrição.

O trabalho conjunto com comunidades da Tanzânia e das Ilhas Salomão reafirma que elas não são apenas vítimas das mudanças climáticas, mas também protagonistas na resposta ao problema, com capacidade de propor e liderar soluções eficazes.

Aprendemos que co-criar com as comunidades e garantir a representatividade de diversos grupos sociais — inclusive crianças — no desenvolvimento de planos de adaptação é uma oportunidade valiosa de aprendizado coletivo, tomada de decisão inclusiva e renovação do compromisso com a construção de resiliência.

Essa abordagem representa uma ruptura com modelos extrativos e hierárquicos de planejamento, dando lugar a uma adaptação liderada pelas próprias comunidades. Ela aproveita estruturas formais e informais já existentes, que sustentam a coesão social e a autoajuda. Também permite integrar saberes tradicionais e conhecimentos técnicos em um único plano de ação.

Promovendo uma ação climática sensível à nutrição

Pesquisadores de diferentes áreas precisam romper com os silos técnicos e estar abertos a aprender uns com os outros — e, sobretudo, com as comunidades — para enfrentar a complexidade dos impactos climáticos e garantir que aspectos essenciais, como a nutrição, não sejam ignorados.

Ainda este ano, publicaremos um guia prático sobre como desenvolver planos de adaptação climática sensíveis à nutrição com liderança comunitária.

Gostaríamos de agradecer às equipes da World Vision Irlanda (Clodagh McLoughlin e Maurice Sadlier), World Vision Tanzânia (Irene Abusheikh Gillah), World Vision Ilhas Salomão (George Mae) e à gerente de projeto do IIED, Marion Pobo, por suas valiosas contribuições.

Sobre as autoras

Sarah McIvor ([email protected]) é pesquisadora sênior no grupo de pesquisa em Mudanças Climáticas do IIED.
Annet Nakyeyune ([email protected]) é pesquisadora no mesmo grupo.

Publicado originalmente pelo IIED
https://www.iied.org/addressing-nutrition-gap-climate-action