No próximo mês, a Cúpula de Líderes do G20 acontecerá no Rio de Janeiro, onde questões urgentes como segurança alimentar e crise climática estarão em destaque. No entanto, o G20 e outras grandes plataformas – incluindo a Quarta Conferência Internacional sobre Financiamento para o Desenvolvimento, que será realizada no próximo ano – ainda não integraram plenamente os riscos climáticos em suas estratégias de segurança alimentar.
Insight de Ritu Bharadwaj e Tom Mitchell para o IIED | 16/10/2024
A presidência brasileira do G20 oferece uma oportunidade única para preencher essa lacuna, especialmente com o lançamento oficial da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza.
O mundo enfrenta uma crise de segurança alimentar devido às mudanças climáticas.
Chuvas imprevisíveis, secas prolongadas e tempestades mais frequentes estão desestabilizando sistemas agrícolas em todo o planeta.
Se a temperatura global subir apenas 2 °C até 2050, estima-se que mais 80 milhões de pessoas possam enfrentar a fome, com impactos mais severos em regiões como a África Subsaariana, o Sul da Ásia e a América Central.
Em 2023, 828 milhões de pessoas já viviam em situação de fome, agravada por choques climáticos e pela instabilidade econômica pós-pandemia. Isso afeta de forma desproporcional as populações vulneráveis nos Países Menos Desenvolvidos (PMDs) e nos Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento (PEID), evidenciando a urgência de ações concretas.
Proteção social: uma solução proativa
Um estudo recente publicado pelo IIED mostra como a proteção social antecipatória pode funcionar como solução proativa, ajudando países vulneráveis a gerir riscos e construir resiliência antes que uma crise alimentar atinja níveis críticos.
Pesquisas têm demonstrado de forma consistente o valor de agir precocemente: para cada dólar investido em medidas antecipatórias, até US$ 15 podem ser economizados em ajuda emergencial e custos de recuperação.
A intervenção precoce protege as famílias de afundarem ainda mais na pobreza e evita danos de longo prazo aos meios de subsistência e às economias causados por crises alimentares. Por exemplo, transferências de renda ou redes de proteção social adaptadas ao clima podem fornecer apoio financeiro antecipado aos lares, permitindo que garantam acesso a alimentos antes que cadeias de suprimento sejam interrompidas ou que colheitas sejam perdidas devido a eventos climáticos extremos.
ASPIRE: enfrentando os desafios da segurança alimentar
Um índice personalizado, desenvolvido a partir da ferramenta Anticipatory Social Protection Index for Resilience (ASPIRE), está oferecendo um marco de referência para avaliar até que ponto os países estão utilizando seus programas de proteção social de forma eficaz no enfrentamento da segurança alimentar no contexto das mudanças climáticas.
Com base na definição de segurança alimentar da FAO, o Índice de Segurança Alimentar ASPIRE avalia o desempenho a partir de quatro pilares: disponibilidade, acessibilidade, utilização e estabilidade. A análise é construída a partir de dados de oito países: Bangladesh, Etiópia, Gana, Índia, Maláui, Paquistão, Senegal e Uganda.
A análise revelou desempenhos variados entre os países, com a Etiópia se destacando por suas altas pontuações em utilização e disponibilidade, em grande parte devido ao Programa de Rede de Segurança Produtiva (Productive Safety Net Program), que garante segurança alimentar ao apoiar agricultores durante períodos de seca.
A Índia, por sua vez, apresenta uma pontuação particularmente elevada em utilização, graças às leis nacionais de segurança alimentar e aos sistemas públicos de distribuição, que asseguram o acesso de populações vulneráveis a alimentos nutritivos.
Por outro lado, Bangladesh e Paquistão apresentam fragilidades significativas em disponibilidade e estabilidade. Isso se deve a mecanismos de focalização pouco eficazes (em que os benefícios não chegam aos destinatários previstos) e à limitação de instrumentos de financiamento antecipatório de riscos (quando os recursos não são liberados antes do impacto máximo de um desastre iminente, reduzindo assim os seus efeitos).
O gráfico abaixo resume esses desempenhos, destacando os países onde os investimentos são mais necessários.
Construindo uma segurança alimentar resiliente ao clima
Enfrentar a questão da segurança alimentar no contexto das mudanças climáticas requer o fortalecimento dos quatro pilares – disponibilidade, acessibilidade, utilização e estabilidade – (como mostrado na imagem e no texto abaixo).
Para fortalecer a disponibilidade de alimentos, é importante mapear os riscos climáticos, estabelecer sistemas de alerta precoce e integrar gatilhos baseados em riscos climáticos na entrega da proteção social. Esquemas de seguros antecipatórios, como o seguro paramétrico (que libera recursos com base em gatilhos climáticos pré-acordados, como secas), podem fornecer apoio financeiro oportuno durante choques climáticos. Além disso, investimentos em conservação ambiental e gestão da água por meio de programas de proteção social baseados em obras públicas podem ajudar a sustentar a produção de alimentos.
Quando se trata de fortalecer a acessibilidade aos alimentos, é essencial garantir a acessibilidade econômica e alcançar grupos marginalizados. Isso inclui oferecer benefícios portáteis para migrantes e desenvolver sistemas de informação robustos para melhorar a entrega. Colaborações com bancos locais e instituições financeiras, além de mecanismos ágeis de desembolso de fundos, podem ajudar a estabilizar o acesso a alimentos durante crises.
A utilização dos alimentos é entendida como a forma como o corpo aproveita os diversos nutrientes. Fortalecer este pilar envolve um foco na melhoria da saúde e da nutrição, com investimentos em infraestrutura de saúde e promoção da higiene. A coordenação entre ministérios – como agricultura, saúde e desenvolvimento social – e atores como ONGs locais é crucial para garantir a segurança alimentar e o uso eficaz dos alimentos.
Para fortalecer o quarto pilar, a estabilidade, o foco deve estar na diversificação econômica e nos investimentos em infraestrutura. O financiamento sustentável (incluindo alívio da dívida e seguros paramétricos) é essencial para manter sistemas alimentares estáveis, garantindo que os governos disponham de recursos suficientes para a proteção social durante desastres climáticos. Mecanismos de financiamento inovadores, como os títulos de resiliência (resilience bonds), podem ajudar a superar restrições financeiras e a construir resiliência de longo prazo.
Abordagem para o fortalecimento da segurança alimentar por meio da proteção social antecipatória
Aproveitando as plataformas globais: G20 e Financiamento para o Desenvolvimento
Embora soluções promissoras estejam sendo exploradas, ainda existem lacunas na forma como as plataformas globais abordam a segurança alimentar. Grandes iniciativas, como o G20 e a Quarta Conferência Internacional sobre Financiamento para o Desenvolvimento (FfD4), ainda não integraram plenamente os riscos climáticos em suas estratégias.
Com a presidência do G20 pelo Brasil em 2024, surge uma oportunidade única de fechar essa lacuna – especialmente por meio do lançamento oficial da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza na Cúpula do G20 em novembro. A aliança busca mobilizar recursos globais e promover reformas políticas para combater a insegurança alimentar.
Renato D. Godinho, co-presidente da força-tarefa especial do G20 criada para estabelecer a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, afirmou:
“Políticas nacionais adaptativas direcionadas e sistemas de proteção social focados nos mais pobres e vulneráveis devem ser parte integral e essencial de qualquer estratégia de adaptação climática. Embora tais políticas e programas estejam incluídos na cesta de políticas de referência da Aliança Global, a comunidade internacional – incluindo a comunidade de financiamento climático e os próprios países afetados – precisa colocá-los no centro de suas prioridades.
O Documento de Iniciação da Aliança Global, uma declaração política endossada pelo G20, já deixa bastante claro os múltiplos vínculos entre clima, pobreza e fome, bem como a necessidade de o financiamento climático considerar melhor programas e soluções nos campos da proteção social e do apoio a agricultores familiares.”
Como destaca o Índice ASPIRE, os países enfrentam atualmente inúmeros desafios, em especial devido às disrupções climáticas e à necessidade de proteção social antecipatória. A liderança do Brasil nesse tema pode impulsionar a resiliência climática nos esforços globais de segurança alimentar, garantindo que as populações vulneráveis estejam melhor protegidas tanto contra a insegurança alimentar quanto contra os crescentes impactos das mudanças climáticas.
Na FfD4, em 2025, a reforma da arquitetura financeira internacional será um dos focos centrais. Ao defender a integração de soluções financeiras inovadoras, será possível ajudar os PMDs (Países Menos Desenvolvidos) e os PEID (Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento) a construir segurança alimentar contra choques climáticos. Por exemplo, o seguro paramétrico permite alívio financeiro rápido para estabilizar os sistemas alimentares antes que as crises se agravem. Mecanismos de alívio da dívida atrelados a eventos climáticos podem liberar recursos para que os países invistam em proteção social antecipatória sem ficarem sobrecarregados com pagamentos durante desastres.
Além disso, uma tributação internacional sobre grandes poluidores poderia financiar esforços globais de resiliência climática, apoiando programas de segurança alimentar em países vulneráveis. Da mesma forma, mercados de carbono e títulos de resiliência podem financiar projetos de infraestrutura, como irrigação e conservação do solo, fortalecendo tanto a adaptação climática quanto os sistemas de segurança alimentar. Essas estratégias inovadoras são vitais para garantir que as nações consigam resistir a futuras crises alimentares relacionadas às mudanças climáticas.
Um chamado à solidariedade global
Diante dos crescentes riscos climáticos, não podemos mais nos dar ao luxo de esperar que as crises se manifestem. Plataformas como o G20 e a FfD4 apresentam oportunidades cruciais para fortalecer a segurança alimentar – e essas oportunidades precisam ser aproveitadas.
Ao integrar os riscos climáticos e a proteção social nas estratégias globais, podemos construir um futuro em que ninguém fique para trás na luta contra a fome e a insegurança alimentar.
Sobre os autores
Ritu Bharadwaj ([email protected]) é pesquisadora principal no grupo de pesquisa em Mudanças Climáticas do IIED
Tom Mitchell ([email protected]) é diretor executivo do IIED
Publicado originalmente pelo IIED
https://www.iied.org/scaling-social-protection-for-food-security-climate-constrained-world
