Bolsa Família tem orçamento no limite e deixa 750 mil em fila de espera

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Por Carlos Madeiro no UOL | 05/10/2025

O Bolsa Família voltou a ter uma fila de espera significativa e fechou setembro com 750 mil pré-habilitados esperando a inclusão na folha.

O orçamento 2025 do programa está no limite, o que deve impedir a criação de novas vagas para beneficiários este ano. Nos últimos quatro meses, o número de famílias atendidas pelo programa caiu de 20,5 milhões para 19 milhões.

Número de famílias beneficiárias (2025)

  • Junho: 20.499.027
  • Julho: 19.643.895 (-855.132)
  • Agosto: 19.192.507 (-451.388)
  • Setembro: 19.070.938 (-121.569)

Ao mesmo tempo em que retirou famílias, o programa não incluiu aquelas que procuraram o governo alegando necessidade, que foram pré-selecionadas e que deveriam começar a receber o pagamento mensal.

Em setembro havia 848 mil famílias pré-habilitadas, mas apenas 97 mil (11,4%) foram inseridas no programa. Em agosto, o cenário foi parecido: 823 mil pré-habilitadas e 114 mil passaram a receber a bolsa (13,8%).

O UOL procurou o MDS (Ministério do Desenvolvimentos Social e Combate à Fome) para que explicasse o porquê do aumento da fila de espera. Em nota, a pasta disse que não há prazo fixo para inclusão dessas famílias e explicou que “os fluxos de entrada e saída de famílias ocorrem mensalmente e estão vinculados também ao orçamento do programa”.

Em muitos casos, o ingresso pode ocorrer em 45 dias, mas o tempo pode variar conforme o volume de cadastros e a disponibilidade orçamentária. O MDS acompanha continuamente esses fluxos para assegurar a regularidade do processo e a ampliação da cobertura do programa, de acordo com as condições fiscais e a legislação vigente. A cada mês, é feita uma análise automatizada e impessoal de todas as famílias registradas no Cadastro Único [CadÚnico], considerando critérios como elegibilidade, atualização cadastral e qualidade das informações registradas, dentre outros critérios dispostos no regulamento do Programa.

Nota do Ministério do Desenvolvimento Social

Orçamento sem brecha

Para 2025, o orçamento aprovado do Bolsa Família foi de R$ 158,6 bilhões (R$ 9,6 bilhões a menos que o ano passado). Desse total, R$ 120 bilhões já foram gastos até setembro.

Fazendo um cálculo simples, com base na folha de setembro, que custou R$ 12,9 bilhões, o MDS vai precisar de R$ 38,7 bilhões para manter os benefícios, ou seja, não há margem para criar vagas.

A coluna perguntou ao MDS se haveria pedido de suplementação de orçamento, mas não houve retorno.

Por que menos beneficiários?

A queda no número de beneficiários tem duas explicações principais: fiscalizações que desligaram pessoas com renda acima do permitido e o fim do prazo, em julho, da regra de proteção.

Essa regra de proteção foi criada em julho de 2023 para dar apoio financeiro às famílias do programa que superaram a linha de pobreza. Para ajudá-las a ter uma autonomia financeira, o governo concedeu direito a mais 24 meses de benefício. Com dois anos completos, 536 mil famílias foram retiradas do programa.

Em julho, o MDS comemorou que quase 1 milhão de pessoas iriam deixar o programa por conta de um aumento de renda. A maioria delas (536 mil), disse a pasta, cumpriu 24 meses na regra de proteção. Outros 385 mil domicílios ultrapassaram R$ 759 (meio salário-mínimo) de rendimento por pessoa em julho.

A coluna apurou ainda que, ciente de um orçamento menor em 2025, o MDS realizou um grande pente-fino este ano. Em agosto, a pasta publicou informe citando que 576 mil famílias tiveram seus pagamentos cancelados em definitivo —a maioria porque não atendeu à convocação para regularização cadastral.

A pasta ainda informou que outras 675 mil famílias beneficiárias tiveram seus pagamentos bloqueados por causa da revisão cadastral determinada em instrução normativa de fevereiro.

Essa instrução determinou dois tipos de pentes-finos:

  • averiguação cadastral para aqueles registros com possíveis inconsistências cadastrais;
  • revisão cadastral em registros desatualizados.

Além do pente-fino, outra forma comum de ter o benefício cortado é pela falha de condicionalidades das famílias com crianças.

Em agosto, 40 mil famílias tiveram os benefícios suspensos por descumprirem, pelo segundo mês consecutivo, as condicionantes de comprovação de frequência escolar e vacinação dos filhos.

Nesse caso, quando percebe falta, os beneficiários são sempre notificados via mensagens de extrato ou pelo aplicativo e tem 60 dias para confirmarem os dados.

Tamanho da fila

A existência de fila de espera no programa não é inédita e já atingiu, em outras oportunidades, mais de 1 milhão de famílias.

A fila de setembro é a segunda maior de um mês do governo Lula: em julho de 2023 ela já havia sido de 966 mil famílias. Essa fila foi praticamente zerada em abril, e cresceu no segundo semestre. Veja mês a mês:

  • Abril: 6 na fila
  • Maio e junho: sem informações
  • Julho: 176.549
  • Agosto: 709.135
  • Setembro: 750.451

Meses com maiores fila de espera do Bolsa Família/Auxílio Brasil:

  • Maio de 2015: 1.919.952
  • Abril de 2015: 1.860.332
  • Março de 2020: 1.655.873
  • Junho de 2015: 1.636.341
  • Fevereiro de 2020: 1.590.240
Mulher segura cartão do Bolsa Família

Sobre o Bolsa Família

Para ter direito ao benefício, é necessário estar inscrito no CadÚnico e manter os dados atualizados. Os critérios de renda são definidos pelo governo federal, e têm direito:

  • Famílias em situação de extrema pobreza (com renda mensal de até R$ 105 por pessoa)
  • Famílias em pobreza (renda entre R$ 105,01 e R$ 218 por pessoa), desde que possuam gestantes, nutrizes, crianças ou adolescentes de até 21 anos.

O Bolsa Família garante um benefício mínimo de R$ 600 por família, mas há ainda dois adicionais previstos:

  • Benefício Primeira Infância: paga R$ 150 por criança de até seis anos;
  • Benefício Variável Familiar: R$ 50 pago para gestantes, nutrizes e jovens de 7 a 21 anos.

São prioridades para entrada no programa as famílias quilombolas, indígenas, pessoas resgatadas de trabalho análogo à escravidão, trabalho infantil, catadores de materiais recicláveis e pessoas em situação de rua, em situação de vulnerabilidade social e em situação de desnutrição grave (esses três últimos grupos incluídos pelo governo em julho).

Publicado originalmente no UOL
https://noticias.uol.com.br/colunas/carlos-madeiro/2025/10/05/bolsa-familia-tem-orcamento-no-limite-e-deixa-750-mil-em-fila-de-espera.htm