Esses produtos estão entre as maiores ameaças à saúde da nossa época
Por Alice Callahan no New York Times | 20/10/2025
Os seres humanos processam alimentos há milênios. Caçadores e coletores moíam grãos selvagens para fazer pão; operários enlatavam frutas para alimentar soldados durante a Guerra Civil americana.

Mas, no fim do século XIX, as empresas começaram a criar produtos muito diferentes de tudo o que as pessoas podiam preparar em casa. A Coca-Cola surgiu em 1886, a gelatina Jell-O em 1897 e a gordura vegetal Crisco em 1911. Nas décadas seguintes vieram o Spam, o queijo Velveeta, o macarrão com queijo da Kraft e os biscoitos Oreo. Esses alimentos prometiam praticidade e conveniência — e alguns chegaram até a abastecer as tropas na Segunda Guerra Mundial.
Com o tempo, esses produtos dominaram as prateleiras dos supermercados e a dieta dos americanos. Hoje, estão entre as maiores ameaças à saúde contemporânea. Como chegamos até aqui? A seguir, um passeio pela história da alimentação moderna.
Inovação em tempos de guerra
Durante a Segunda Guerra Mundial, as empresas desenvolveram alimentos não perecíveis para os soldados — queijos em pó, batatas desidratadas, carnes enlatadas e barras de chocolate resistentes ao calor. Foram adicionados novos aditivos, como conservantes, aromatizantes e vitaminas, e criadas embalagens capazes de suportar longas viagens, umidade e calor intenso.
Depois da guerra, a indústria alimentícia percebeu que podia adaptar essa “cozinha de trincheira” em produtos lucrativos para o grande público. As propagandas diziam às donas de casa que esses alimentos eram nutritivos e economizavam tempo na cozinha. Comerciais do pão Wonder Bread, nos anos 1950, afirmavam que suas vitaminas e minerais ajudavam as crianças a “crescerem fortes e saudáveis”. Um anúncio dos hambúrgueres enlatados Swift garantia que eles passavam “da lata ao pão” em questão de minutos.
À medida que mais mulheres começaram a trabalhar fora, especialmente a partir dos anos 1970, o tempo dedicado ao preparo das refeições diminuiu drasticamente — mas ainda se esperava que elas alimentassem suas famílias. Surgiram então os palitos de peixe, os waffles congelados e as refeições prontas de micro-ondas. Nem todos esses produtos eram ultraprocessados: alguns apenas congelados ou enlatados com ingredientes simples, como sal. Mesmo assim, as pessoas se acostumaram à ideia de que alimentos industrializados podiam substituir o preparo caseiro.
Uma explosão
Nos anos 1970, avanços em fertilizantes, pesticidas e melhoramento genético, junto com subsídios agrícolas, geraram excesso de grãos. A indústria transformou esse excedente em ingredientes como o xarope de milho com alto teor de frutose e amidos modificados, usados em cereais açucarados, refrigerantes e fast food.
Na década de 1980, investidores pressionaram as fabricantes por lucros cada vez maiores. Em resposta, elas lançaram milhares de novos lanches e bebidas, promovendo-os com campanhas de marketing agressivas — estratégia semelhante à usada pelas gigantes do tabaco, Philip Morris e R.J. Reynolds, que diversificaram seus negócios e passaram a dominar a indústria alimentícia até o início dos anos 2000.
Essas empresas aplicaram as mesmas táticas publicitárias que popularizaram os cigarros, direcionando campanhas para crianças e grupos raciais e étnicos específicos. A Kraft, por exemplo, então controlada pela Philip Morris, criou sabores de Kool-Aid voltados ao público hispânico e distribuiu amostras e cupons em eventos da comunidade negra.
Entre meados dos anos 1970 e o início dos anos 2000, a obesidade infantil triplicou e a obesidade entre adultos dobrou.
Uma crise de saúde
No século XXI, tornou-se impossível passar por um supermercado, um refeitório escolar ou um aeroporto sem ser cercado por alimentos ultraprocessados. A obesidade continuou a crescer, e a indústria reagiu com versões supostamente “mais saudáveis”: cereais com baixo teor de carboidratos, shakes e bagels diet, sorvetes e iogurtes adoçados artificialmente, e lanches em embalagens de 100 calorias — incluindo Oreos e Doritos.
Esses produtos fizeram sucesso, mas não tornaram ninguém mais saudável. Pesquisas começaram a associar os alimentos ultraprocessados ao diabetes tipo 2, ao declínio cognitivo e às doenças cardiovasculares. Durante décadas, acreditou-se que a obesidade resultava apenas de falta de força de vontade — comer demais e se exercitar pouco. Mas, nos últimos anos, estudos têm mostrado que esses alimentos podem, de fato, estimular o consumo excessivo.
Hoje, cientistas, influenciadores, ativistas e autoridades públicas criticam abertamente os ultraprocessados, que respondem por cerca de 70% da oferta alimentar dos Estados Unidos. O secretário de Saúde Robert F. Kennedy Jr. chegou a chamá-los de “veneno”.
Estamos em um ponto de virada? Talvez. Há sinais de que o consumo desses produtos começa a cair, mas nossa dependência deles foi construída ao longo de décadas — e, como alertam os especialistas, pode levar outras tantas para ser revertida.
Publicado originalmente no New York Times
https://www.nytimes.com/2025/10/20/briefing/how-ultraprocessed-food-took-over-america.html
