Alimentar o mundo em uma mudança climática

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Uma nova rota para a agricultura enfrentar o século das incertezas

Blog do IFZ | 24/10/2025

Em silêncio, a temperatura da Terra sobe. As estações, antes previsíveis, desarrumam-se; as chuvas se adiantam ou se escondem; pragas e doenças encontram territórios inéditos onde prosperar. No campo, milhões de agricultores lidam com a sensação de que o solo já não responde como antes. A produção agrícola mundial, segundo o relatório Feeding the World in a Changing Climate: An Adaptation Roadmap for Agriculture, caiu entre 1% e 5% por década nos últimos trinta anos — um alerta que se torna mais grave nos trópicos, onde a vulnerabilidade é maior.

O documento, elaborado por um grupo internacional de cientistas e especialistas em políticas agrícolas, propõe algo que vai além de medidas pontuais. Trata-se de um roteiro global de adaptação, um convite para repensar a forma como cultivamos, financiamos e organizamos a agricultura diante de um planeta em aquecimento.

A urgência que vem do campo

Os autores são diretos: sem mudanças estruturais, a segurança alimentar corre risco. Secas prolongadas, inundações e ondas de calor já reduzem colheitas e deslocam fronteiras agrícolas. O milho e o arroz, alimentos essenciais em vastas regiões, mostram declínios preocupantes. Em países da África, da Ásia e da América Latina, milhões de famílias agricultoras vivem o dilema diário de proteger suas plantações e, ao mesmo tempo, garantir o sustento.

A desigualdade agrava o cenário. Mulheres e jovens rurais, muitas vezes sem acesso a crédito, informação ou tecnologia, enfrentam os impactos de maneira desproporcional. As estratégias de sobrevivência variam: vender bens, migrar, reduzir o consumo. Em algumas regiões de Bangladesh, por exemplo, mais de metade das mulheres admite pular refeições para que os filhos comam.

Caminhos para uma agricultura que resiste

O relatório identifica cinco eixos fundamentais para uma transformação efetiva da agricultura. Cada um deles corresponde a um passo rumo à resiliência — conceito que, aqui, não é metáfora, mas condição de sobrevivência.

1. Práticas e tecnologias resilientes e de baixa emissão.
Cultivos e raças animais capazes de suportar estresse hídrico, salinidade e altas temperaturas já existem, mas precisam chegar a quem mais necessita. O investimento em pesquisa e no melhoramento genético é visto como prioridade, especialmente em pequenas propriedades. Integrar culturas e criação, reduzir o desperdício e manejar o solo com cuidado são estratégias que unem produtividade e conservação.

2. Serviços digitais de informação climática.
O campo do futuro será também um campo conectado. Sistemas de alerta e plataformas digitais podem orientar o agricultor sobre o momento certo de plantar ou colher, antecipar eventos extremos e permitir que o conhecimento circule em duas direções — do laboratório para a roça e da roça para o laboratório. Essa comunicação contínua é a espinha dorsal da adaptação.

3. Financiamento inovador.
Para transformar ideias em ação, o dinheiro precisa fluir com inteligência. O relatório defende o uso de finanças híbridas, combinando recursos públicos e privados, de modo a reduzir riscos e atrair investimentos sustentáveis. Modelos como seguros indexados ao clima e fundos de agroflorestas resilientes são citados como promissores.

4. Fortalecimento de organizações de agricultores e consumidores.
A adaptação é coletiva. Experiências de sucesso, como as cooperativas de produtores de arroz na Colômbia ou os grupos comunitários de irrigação no Nepal, mostram que o poder da associação multiplica resultados. A presença ativa de mulheres e jovens nessas redes é um diferencial que amplia a capacidade de inovação local.

5. Políticas e instituições habilitadoras.
Nada disso se sustenta sem um ambiente político favorável. O estudo insiste na importância de governos que integrem agricultura e meio ambiente em uma mesma agenda e que criem condições para que o setor privado participe da transição. A mudança requer planejamento de longo prazo, segurança de posse da terra e formação técnica em todos os níveis.

Lições que vêm da prática

A pesquisa reúne dezenas de experiências que ilustram o potencial das soluções quando são bem desenhadas. Na Colômbia, análises de dados climáticos ajudaram produtores a evitar perdas de milhões de dólares ao ajustar o calendário de plantio. No Sudeste Asiático, o manejo alternado de irrigação em arrozais reduziu o uso de água e aumentou a renda familiar. Em países africanos, o cultivo conjunto de banana e café mostrou-se capaz de equilibrar ganhos de curto e longo prazo, mantendo o solo fértil e a renda estável.

Há também exemplos de comunicação criativa. No Quênia, um programa de televisão popular, Shamba Shape Up, transformou a extensão rural em entretenimento: ao acompanhar fazendas em “reformas agrícolas”, milhões de espectadores aprenderam técnicas de adaptação e as aplicaram em suas próprias terras.

Do conhecimento à ação

Os autores reconhecem que não há receitas únicas. Cada território exige soluções próprias, moldadas por cultura, economia e ecossistema. Ainda assim, há princípios universais: investir em ciência, garantir equidade de gênero, fortalecer a cooperação entre setores e acompanhar o progresso com indicadores transparentes.

No fundo, a mensagem é simples e serena: adaptar-se é possível. A agricultura, uma das atividades humanas mais antigas, pode novamente reinventar-se — não por romantismo, mas por necessidade. E, ao fazê-lo, abrir caminho para uma convivência mais harmoniosa com o clima que ajudamos a transformar.

Baixe aqui o texto para discussão “Feeding The World in a Changing Climate: An Adaptation Roadmap for Agriculture