A COP30 é nossa oportunidade de alcançar uma segurança alimentar global resiliente, capacitando os pequenos agricultores

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Por Gabriel Ferrero na AFN AgFunderNews | 30/10/2025

Embora a segurança alimentar seja reconhecida como uma prioridade fundamental no âmbito do Acordo de Paris, a agricultura e os sistemas alimentares têm sido, por muito tempo, marginalizados nas negociações climáticas.
Essa negligência persiste, mesmo com a agricultura e o uso da terra estando entre os setores mais vulneráveis aos impactos climáticos — especialmente para os pequenos agricultores e os produtores de alimentos em pequena escala. E, embora a agricultura seja um grande responsável pelas emissões globais de gases de efeito estufa, ela também tem um potencial imenso para oferecer soluções.

Atualmente, os sistemas agroalimentares recebem apenas 4,3% do financiamento climático global. Já os pequenos agricultores, que produzem até 80% dos alimentos nos países em desenvolvimento, recebem apenas 0,3% — um desequilíbrio impressionante, considerando seu papel fundamental na alimentação do mundo e sua vulnerabilidade aos impactos climáticos.

Esse cenário também representa uma grande oportunidade perdida. Os sistemas agroalimentares têm o potencial de reduzir emissões, restaurar ecossistemas, proteger recursos hídricos e armazenar carbono, ao mesmo tempo em que geram meios de subsistência para os pequenos agricultores e as comunidades rurais.

O que a COP30 pode aprender com o Brasil

As negociações climáticas da ONU deste ano, realizadas no Brasil — um país com 10 milhões de pequenos agricultores e idealizador da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza — oferecem uma oportunidade crucial para mudar essa realidade. Para alcançar as metas globais de clima e desenvolvimento, precisamos colocar os pequenos agricultores no centro da ação climática.

Em 7 de novembro, durante a COP30, os líderes mundiais endossarão a Declaração de Belém sobre Fome, Pobreza e Ação Climática Centrada no Ser Humano, um passo importante para empoderar aqueles que alimentam o mundo, mas que são os mais afetados pelos impactos climáticos, na construção de um futuro sustentável.

Inspirada pela estratégia Fome Zero do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Declaração apela para que os líderes sigam o exemplo do Brasil e coloquem a proteção social e o apoio aos pequenos agricultores no centro das ações climáticas.

Ao longo de duas décadas, o Brasil demonstrou o que é possível quando políticas, inovações e investimentos se alinham em prol da agricultura familiar sustentável. O país aumentou drasticamente a produtividade agrícola, passando de importador líquido de alimentos a um dos principais exportadores, além de tirar milhões de pessoas da pobreza e da insegurança alimentar. Também implementou medidas para conter o desmatamento, por meio de programas sociais e investimentos em inovações que promovem a adaptação climática.

Através de iniciativas como o Fome Zero — que integra políticas de desenvolvimento rural e social para combater a fome e a pobreza, com apoio aos pequenos agricultores —, o Brasil mostrou que crescimento, proteção ambiental, resiliência climática e redução da pobreza podem se reforçar mutuamente.

Gabriel Ferrero y de Loma-Osorio, Presidente do Comitê de Segurança Alimentar Mundial (CFS)
Gabriel Ferrero y de Loma-Osorio, Presidente do Comitê de Segurança Alimentar Mundial (CFS)

Um modelo inovador para investimentos públicos e privados

A COP30 representa uma oportunidade para que os países aprendam com o sucesso do Brasil e apoiem a agricultura sustentável e resiliente ao clima por meio de investimentos reais.
Cada dólar investido nos pequenos agricultores e produtores de pequena escala é uma das formas mais eficazes de promover múltiplos objetivos de desenvolvimento.

Ainda há um longo caminho a percorrer: os pequenos agricultores recebem apenas uma fração dos recursos destinados ao financiamento climático, mas modelos comprovados podem fechar essa lacuna, ao mesmo tempo em que geram benefícios simultâneos em termos de adaptação e mitigação climática.

Por exemplo, há mais de 15 anos, o Programa Global para a Agricultura e a Segurança Alimentar (GAFSP) utiliza os fundos de seus doadores para gerar um impacto extraordinário. Aproximadamente US$ 2,5 bilhões foram mobilizados para melhorar a segurança alimentar de mais de 30 milhões de pessoas nas comunidades mais vulneráveis de países de baixa renda.

Por meio de suas diversas fontes de financiamento — lideradas por governos, organizações de produtores e pelo setor privado — o GAFSP oferece um modelo inovador para reduzir os riscos de investimentos públicos e privados na agricultura, além de criar novos mercados para os produtores agroalimentares em países de baixa renda.

Embora quase metade de seus recursos apoie diretamente ações climáticas, o GAFSP, por si só, não pode mudar a trajetória que ainda impede os pequenos produtores de acessarem o financiamento climático necessário.
Além disso, para impactar simultaneamente os meios de subsistência, a resiliência dos pequenos agricultores e a proteção ambiental, são necessários programas e financiamentos integrados. As intervenções isoladas, que dominaram por muito tempo, não têm o potencial de gerar os múltiplos benefícios que os pequenos agricultores podem oferecer.

A mobilização de estruturas mais amplas de financiamento climático e de desenvolvimento, de forma integrada, incluindo intermediários financeiros e agregadores do setor privado — que frequentemente têm aversão ao risco — pode desbloquear o apoio necessário para investimentos em escala em países, pequenos agricultores e pequenas e médias empresas agroalimentares.

Somente assim os sistemas agroalimentares poderão proporcionar melhores meios de subsistência, nutrição, resiliência climática e empoderamento para mulheres e jovens.

Preenchendo a lacuna entre o financiamento para o desenvolvimento e o financiamento climático

Para esse fim, o GAFSP está explorando maneiras de unir forças com os fundos climáticos globais, sob seu Plano Estratégico Visão 2030, com o objetivo de preencher a lacuna histórica entre o financiamento para o desenvolvimento e o financiamento climático. Isso proporcionará apoio coordenado para governos, organizações de produtores e o setor privado.

Essas são as bases de uma aliança ampla e potencialmente transformadora entre os fundos de desenvolvimento e os fundos climáticos. Juntos, eles têm o poder de acelerar a transição dos sistemas alimentares para erradicar a fome e a desnutrição, proteger o planeta e garantir um futuro próspero para os 800 milhões de pequenos produtores que alimentam o mundo.

Em um ano de orçamentos apertados e necessidades crescentes, poucos investimentos oferecem retornos tão altos quanto colocar os pequenos agricultores no centro da ação climática.
À medida que os líderes adotam a Declaração de Belém da COP30, o grande desafio será traduzir essa visão audaciosa em investimentos concretos por meio de plataformas globais, como o GAFSP, capazes de transformar a vida de centenas de milhões de pessoas afetadas pela fome e pela insegurança alimentar.

Gabriel Ferrero é consultor estratégico do Programa Global de Agricultura e Segurança Alimentar (Global Agriculture and Food Security Program)

Publicado originalmente na AFN AgFunderNews
https://agfundernews.com/guest-article-cop30-is-our-chance-to-achieve-resilient-global-food-security-by-empowering-smallholders