Blog do IFZ | 02/12/2025
Em um contexto em que a América Latina e o Caribe convivem simultaneamente com fome persistente, aumento da obesidade e custos cada vez mais elevados para manter uma dieta saudável, as compras públicas de alimentos têm se destacado como uma estratégia capaz de gerar respostas estruturais e duradouras. O relatório “Melhorando a segurança alimentar e a nutrição por meio das compras públicas locais de alimentos da agricultura familiar” (Mejorando la seguridad alimentaria y la nutrición mediante las compras públicas locales de alimentos a la agricultura familiar) apresenta evidências robustas de que aproximar a demanda dos programas governamentais da oferta local da agricultura familiar pode fortalecer economias rurais, reduzir desigualdades e impulsionar sistemas alimentares mais inclusivos e sustentáveis.
Elaborada conjuntamente pelo Programa Mundial de Alimentos (WFP), pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), esta publicação sintetiza experiências de países como Brasil, Guatemala e Honduras, destacando o papel das compras públicas locais de alimentos (CPLA) como instrumento de desenvolvimento produtivo, inclusão social e promoção da segurança alimentar e nutricional em toda a região.
Melhorando a segurança alimentar e a nutrição por meio das compras públicas locais de alimentos da agricultura familiar
Este documento analisa o grande potencial das compras públicas locais de alimentos (CPLA) provenientes da agricultura familiar como estratégia para fortalecer a segurança alimentar e nutricional (SAN) na América Latina e no Caribe (ALC). Em uma região marcada por desigualdades, pobreza rural e altos custos de dietas saudáveis, as CPLA se destacam como uma política capaz de articular a demanda estatal com a oferta local, impulsionando sistemas agroalimentares mais eficientes, inclusivos, resilientes e sustentáveis.
A agricultura familiar representa mais de 81% das propriedades rurais da região (Leporati et al., 2014) e desempenha um papel essencial na produção de alimentos e na geração de emprego rural. Entretanto, enfrenta obstáculos estruturais como baixa produtividade, dificuldades de acesso a mercados e crescente vulnerabilidade climática. As CPLA permitem direcionar parte do gasto público para esse segmento, gerando renda, emprego, diversificação produtiva e ampliando a participação de mulheres fornecedoras.
O relatório apresenta experiências bem-sucedidas no Brasil, Guatemala e Honduras, mostrando impactos positivos na produção agrícola, na diversificação dos alimentos, na geração de empregos e na inclusão de mulheres. Observam-se aumentos significativos na área plantada, no valor bruto da produção, na oferta de alimentos frescos e minimamente processados, além de incremento de até 106% na renda de produtores (Elias et al., 2024). Em alguns casos, a participação feminina nas vendas ao setor público chega a 80% (Conab, 2020).
Para ampliar esses resultados, duas condições são fundamentais:
- Ambiente favorável, com marcos legais que articulem políticas agrícolas, sociais e de compras públicas.
- Redução das barreiras de entrada, por meio de processos simplificados, preços justos, prazos de pagamento adequados e fortalecimento das organizações de produtores.
Com base nisso, o documento propõe cinco linhas estratégicas de recomendação: alinhar a demanda pública a dietas saudáveis; consolidar marcos normativos adequados; fortalecer os sistemas nacionais de CPLA; produzir evidências robustas sobre seus impactos; e integrar as compras públicas a políticas de desenvolvimento produtivo territorial.
O relatório conclui que as CPLA podem ser um motor de inclusão econômica, desenvolvimento produtivo e melhoria da SAN — desde que implementadas com uma abordagem sistêmica, progressiva e orientada por evidências. A chave é redirecionar gastos públicos já existentes para compras com impacto estrutural nos sistemas agroalimentares.
Introdução geral ao documento
A América Latina e o Caribe vêm registrando avanços na redução da insegurança alimentar, mas ainda convivem com profundas desigualdades entre países e grupos populacionais. Crescem a prevalência de excesso de peso em crianças menores de cinco anos, a obesidade em adultos e o custo elevado de uma dieta saudável — desafios particularmente acentuados entre mulheres rurais e povos indígenas.
Nesse cenário, a agricultura familiar é protagonista na garantia da segurança alimentar e nutricional (SAN). Na região, ela representa mais de 81% das unidades produtivas, responde por 27% a 67% da produção total de alimentos, dependendo do país, e gera entre 57% e 77% do emprego agrícola (Leporati et al., 2014; FAO, OPS, WFP e UNICEF, 2018). Ainda assim, enfrenta pobreza, insegurança alimentar, baixa produtividade, pouca inserção nos mercados e maior exposição a eventos climáticos extremos. Para atender às exigências crescentes das cadeias produtivas — como padrões de qualidade, inocuidade e volume — necessita de apoio técnico e financeiro.
As compras públicas de alimentos, por sua vez, são uma ferramenta estratégica para promover sistemas agroalimentares mais inclusivos e sustentáveis. Ao direcionar parte dos gastos públicos à aquisição de alimentos, essas políticas fortalecem programas sociais, dinamizam economias locais e impulsionam o desenvolvimento produtivo.
Dentro desse conjunto, as compras públicas locais de alimentos (CPLA) representam um diferencial importante: ao priorizar agricultores familiares — especialmente os mais vulneráveis — transformam uma política de abastecimento em uma política de inclusão produtiva. Em áreas rurais onde persiste a pobreza extrema (CEPAL, 2025), políticas sociais tradicionais se mostram insuficientes; por isso, torna-se necessária uma abordagem integrada que combine políticas sociais, produtivas e de mercado.
Experiências nacionais, como as do Brasil, Guatemala e Honduras, demonstram que as CPLA contribuem para diversificar a produção, aumentar a renda, gerar empregos e ampliar a participação de mulheres fornecedoras, com impactos positivos nas quatro dimensões da segurança alimentar.
Nos países da região, pouco mais de 3% do gasto público total é destinado à compra de alimentos — aproximadamente 0,3% do PIB. Esse montante poderia ser redirecionado para a aquisição de alimentos da agricultura familiar, ampliando benefícios produtivos e sociais, incluindo a redução da subalimentação e da insegurança alimentar, desde que sustentado por evidências robustas.
Este documento sintetiza as evidências sobre os impactos das CPLA na agricultura familiar e na SAN. Ao aproximar a demanda pública da oferta local, essas políticas não apenas promovem a transformação dos sistemas agroalimentares, mas também fortalecem o desenvolvimento econômico territorial, a inclusão social e o acesso a dietas saudáveis.
O relatório tem como objetivo orientar formuladores de políticas e atores-chave na adoção de políticas alimentares centradas na agricultura familiar, destacando seu papel essencial na transformação dos sistemas agroalimentares e na promoção da saúde e do bem-estar.
Estrutura do Documento
- Seção 1 – Contexto da segurança alimentar na América Latina e no Caribe e o papel das compras públicas.
- Seção 2 – Como as CPLA fortalecem a agricultura familiar e contribuem para a SAN.
- Seção 3 – Condições necessárias para maximizar os impactos, incluindo marcos normativos e redução de barreiras.
- Seção 4 – Recomendações organizadas em eixos estratégicos.
- Seção 5 – Conclusões gerais, com destaque para oportunidades e desafios na ampliação dessas políticas na região.
Baixe aqui o documento “Mejorando la seguridad alimentaria y la nutrición mediante las compras públicas locales de alimentos a la agricultura familiar“
