O médico pernambucano Josué de Castro, ainda na década de 1940, afirmou que a fome não é resultado de fatores naturais. É, sim, consequência de escolhas políticas e econômicas
Por Wellington Dias e Valéria Burity no Correio Braziliense | 18/07/2023
O médico pernambucano Josué de Castro, ainda na década de 1940, afirmou que a fome não é resultado de fatores naturais. É, sim, consequência de escolhas políticas e econômicas.
Oitenta anos depois, os dados do Relatório sobre a Situação de Insegurança Alimentar e Nutricional (SOFI), divulgados no último dia 12 de julho por agências da ONU, não só indicam que o Brasil está no Mapa da Fome, como demonstram que a situação se agravou nos últimos anos.
O relatório SOFI, que cobre o período de 2020 a 2022, aponta que 4,7% da população não tem acesso a um mínimo de calorias por dia. Índice mais grave do que os 4,2% do relatório anterior, divulgado em 2022, que pela primeira vez recolocou o Brasil no Mapa da Fome, com base em dados de 2019 a 2021.
É importante lembrar que, em 2014, o Brasil havia saído do Mapa da Fome. E essa vitória foi resultado, confirmando a tese de Josué de Castro, de uma escolha política. A partir de 2003, importantes programas de segurança alimentar foram implantados, como, por exemplo, o Programa de Aquisição de Alimentos e o programa de cisternas.
Para garantir a articulação de políticas públicas com participação social, foi construído o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan), que gerou inovações como a compra de produtos da agricultura familiar para a alimentação escolar e para entrega de alimentos à rede socioassistencial, entre outros.
Além disso, o país havia adotado uma política econômica que conciliava crescimento com redistribuição de renda, quebrando o mito de que primeiro é preciso crescer, para depois distribuir; aumentos reais do salário-mínimo e programas de transferência de renda, para a parcela mais empobrecida da sociedade. Entre 2002 e 2015, de acordo com a Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (PNAD), a renda dos 20% mais pobres cresceu cerca de três vezes mais do que a dos 20% mais ricos.
Apesar do avanço civilizatório que esses programas e instituições representaram, eles foram alvos de desmonte a partir de 2016 e, especialmente, de 2019. A extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), no primeiro dia do governo Bolsonaro, simbolizou essa opção política: não enfrentar a fome. Quando a pandemia de covid-19 chegou, só fez agravar uma tendência que já corria acelerada e que afetava, de maneira mais contundente, alguns grupos, a exemplo das mulheres negras.
O Brasil sabe o que fazer para enfrentar a fome e tem disposição política para enfrentá-la, considerando os desafios do contexto: hoje, em números absolutos, a maioria das pessoas que passam fome estão nas cidades; há o aumento da obesidade; aumentaram as desigualdades de classe, raça e gênero; e vivemos uma crise ambiental sem precedentes.
O governo federal, dentre outras medidas, já recriou o Consea e retomou a Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan). O salário mínimo voltou a ser valorizado. O Programa Nacional de Alimentação Escolar foi reajustado. E o Bolsa Família foi fortalecido e qualificado.
A complexidade do problema da fome, porém, vai além da renda e exige uma integração orgânica de políticas públicas, uma colaboração permanente entre os ministérios no âmbito federal e entre a União, estados e municípios, um verdadeiro pacto entre governo e sociedade. Por isso, o governo Lula irá lançar o Plano Brasil Sem Fome, que retoma políticas exitosas e avança em novas estratégias intersetoriais e integradas.
O Brasil Sem Fome é construído pela Caisan, com a participação do Consea, e tem como metas: reduzir a pobreza e a extrema pobreza, reduzir a insegurança alimentar e nutricional e tirar o Brasil do Mapa da Fome.
Josué de Castro também anunciou que a luta contra a fome é “o único caminho para a sobrevivência de nossa civilização”. E não é por menos. Não aceitar que as pessoas passem fome é uma conquista humanitária, moral e social. Reafirmar a prioridade do enfrentamento à fome é sempre fundamental para o processo de união e reconstrução do Brasil, porque, se a fome dói no corpo de suas vítimas, envergonha também todo o país.
Wellington Dias é Ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome
Valéria Burity é Secretária Extraordinária de Combate à Pobreza e à Fome do MDS
Publicado originalmente no Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/opiniao/2023/07/5109496-artigo-por-um-brasil-sem-fome.html