A redução de ultraprocessados nas cantinas diminui o risco de obesidade em idade escolar

  • Tempo de leitura:7 minutos de leitura

Blog do IFZ | 28/11/2025

Os espaços onde crianças e adolescentes vivem e aprendem moldam, de maneira quase silenciosa, aspectos essenciais da vida adulta. Entre esses espaços, a escola ocupa posição única: nela se desenvolvem hábitos, crenças, expectativas e relações que atravessarão décadas. A alimentação, muitas vezes tratada como detalhe periférico nesse cotidiano, revela-se peça estrutural dessa formação. Não apenas porque influencia desempenho, atenção e bem-estar imediato, mas porque participa da construção de padrões de saúde que se consolidam ao longo dos anos. Quando esses padrões se estruturam em torno de produtos ultraprocessados e bebidas ricas em açúcar, os efeitos recaem sobre a saúde coletiva, sobre o sistema público e sobre a própria ideia de futuro.

É partindo dessa perspectiva que o estudo Relatório sobre os impactos da regulação do ambiente escolar sobre marcadores de alimentação e nutrição de adolescentes no Brasil apresentado para o Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC) analisa a fundo o impacto potencial da regulação das cantinas escolares no Brasil. Elaborado pelo pesquisador Eduardo Nilson, da Fiocruz e do Nupens/USP, o relatório utiliza bases nacionais, modelagens matemáticas e evidências internacionais para estimar o que aconteceria caso o país adotasse regras claras e amplas para restringir a venda de bebidas adoçadas e lanches ultraprocessados em escolas públicas e privadas. Seus resultados, sólidos e detalhados, oferecem uma visão rara e necessária sobre o que uma política pública bem formulada pode produzir num intervalo relativamente curto.

O ponto de partida não surpreende, mas merece ser lembrado: a obesidade infantil e juvenil transformou-se num dos maiores desafios contemporâneos de saúde pública. No Brasil, as taxas vêm crescendo continuamente, e crescem de maneira desigual entre regiões e grupos sociais. Estudos nacionais registram prevalências crescentes tanto em crianças pequenas quanto em adolescentes, ao mesmo tempo em que se acumulam evidências de que o excesso de peso nessa fase acarreta problemas metabólicos, respiratórios, ortopédicos e psicológicos que se manifestam muito cedo. Crianças com obesidade tendem a ter maiores dificuldades de aprendizado, menor participação nas atividades escolares e maior exposição a humilhações cotidianas que interferem em sua autoestima. Na vida adulta, aumentam as chances de desenvolver doenças crônicas e de enfrentar obstáculos no mercado de trabalho, com impactos que se prolongam por décadas.

Frente a esse cenário, a escola torna-se lugar estratégico para intervenções que ajudem a reverter tendências. No entanto, embora o país possua um dos programas de alimentação escolar mais reconhecidos do mundo — o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) — ainda carece de uma regulação nacional sobre o que pode ou não ser comercializado em cantinas. Estados e municípios criaram legislações próprias, mas de forma irregular e sem alinhamento nacional. Há, portanto, lacunas que contribuem para disparidades invisíveis: algumas escolas protegem seus estudantes de produtos prejudiciais, enquanto outras expõem diariamente crianças e adolescentes à oferta contínua de alimentos cujo consumo regular aumenta o risco de adoecimento.

O relatório busca preencher essa lacuna com rigor analítico. Para isso, utiliza microdados da Pesquisa de Orçamentos Familiares, modelos matemáticos reconhecidos internacionalmente e estimativas refinadas sobre o acesso a cantinas comerciais. São simulados seis cenários de intervenção, variando desde restrições apenas em escolas privadas até modelos abrangendo escolas públicas com cantinas terceirizadas. Em cada cenário, calcula-se como o consumo de alimentos mudaria, como a ingestão de energia seria alterada e como isso repercutiria no peso corporal e na prevalência de obesidade entre estudantes de 10 a 19 anos.

Os resultados convergem com clareza: a simples restrição à venda de bebidas adoçadas ou ultraprocessados reduz o consumo desses itens de forma imediata. Quando ambas as categorias são reguladas simultaneamente, os efeitos se ampliam. As reduções no consumo de refrigerantes, sucos artificiais, bebidas lácteas, guloseimas, salgadinhos e pizzas alcançam magnitudes expressivas, especialmente em escolas cuja estrutura comercial favorecia a disponibilidade constante desses produtos. Paralelamente, há um deslocamento consistente para água, suco natural e frutas. Não é um movimento abrupto, mas é nítido o suficiente para provocar alterações significativas na ingestão diária de açúcares livres e no total calórico.

As estimativas mostram reduções energéticas de até cerca de vinte quilocalorias diárias entre meninos e pouco menos entre meninas. Em termos de açúcares livres, a queda pode chegar a quase cinco gramas por dia entre meninos e três gramas e meio entre meninas. Esses números, à primeira vista discretos, adquirem relevância quando projetados ao longo do tempo e da população: transformam-se em reduções de peso corporal que variam entre meio quilo e quase um quilo ao longo da adolescência. Como consequência, a prevalência de obesidade pode recuar aproximadamente nove por cento entre meninos e oito por cento entre meninas no cenário de regulação mais abrangente.

Esses achados encontram paralelo em estudos internacionais que analisam intervenções semelhantes. Pesquisas norte-americanas, por exemplo, estimaram reduções de até vinte e seis por cento no consumo de bebidas adoçadas em ambientes escolares regulados. Modelagens também identificaram pequenas diminuições no índice de massa corporal infantil — em torno de zero vírgula sete por cento — associadas à restrição de produtos açucarados. A proximidade entre os resultados brasileiros e as estimativas internacionais sugere que a resposta dos adolescentes à mudança no ambiente alimentar é relativamente previsível: menos oferta significa menos consumo, e menos consumo se traduz em impactos detectáveis na saúde.

A literatura internacional também destaca que intervenções combinadas geram resultados mais consistentes do que ações isoladas. Quando a oferta de frutas e verduras é fortalecida ao mesmo tempo em que produtos prejudiciais são restringidos, há ganhos complementares que ultrapassam o efeito de cada medida tomada isoladamente. O relatório brasileiro confirma essa tendência ao mostrar que os maiores benefícios ocorrem nos cenários em que bebidas adoçadas e ultraprocessados são retirados simultaneamente do ambiente escolar.

Há, evidentemente, limites metodológicos que exigem prudência. Os dados de consumo utilizados refletem padrões de 2017–2018; a renda precisou ser usada como aproximação do tipo de escola; e o país carece de séries históricas mais longas sobre a relação entre consumo energético e variações de peso em adolescentes. Ainda assim, o estudo alinha-se de maneira precisa ao que a literatura científica descreve: intervenções bem estruturadas modificam o comportamento alimentar infantil, reduzem o risco de excesso de peso e contribuem para trajetórias de vida mais saudáveis.

Os efeitos dessas mudanças não se restringem ao campo da nutrição. Crianças e adolescentes que se alimentam melhor dormem melhor, aprendem melhor e convivem melhor. Alimentação adequada está associada a maior estabilidade emocional, melhor desempenho escolar e maior participação social. Uma escola que organiza seu ambiente alimentar com cuidado expande o alcance de sua função educativa: ela não apenas ensina conteúdos, mas oferece condições para que cada estudante ocupe o mundo com mais vitalidade e mais autonomia.

Vistas em conjunto, as evidências brasileiras e internacionais convergem num ponto decisivo: políticas bem desenhadas para o ambiente escolar podem se tornar um dos instrumentos mais eficazes de prevenção em saúde pública. Elas atuam antes do adoecimento, quando ainda é possível orientar trajetórias. Elas reduzem desigualdades silenciosas entre estudantes de diferentes regiões e classes sociais. E, sobretudo, oferecem às crianças e adolescentes um cotidiano em que escolhas mais adequadas deixam de depender da força individual e passam a estar ao alcance de todos.

O relatório entregue ao IDEC deixa clara a oportunidade diante do país. A regulação das cantinas escolares não é apenas uma medida nutricional. É uma forma de cuidado coletivo. É um investimento em saúde, educação e justiça social. É uma decisão que, ao ser tomada, pode modificar rotinas, transformar expectativas e abrir caminhos para que novas gerações cresçam com mais equilíbrio e maior qualidade de vida.

Baixe aqui o estudo “Relatório sobre os impactos da regulação do ambiente escolar sobre marcadores de alimentação e nutrição de adolescentes no Brasil apresentado para o IDEC