Blog do IFZ | 15/03/2025
A relação entre alimentação e saúde é amplamente estudada, mas um aspecto que tem ganhado destaque recentemente é a ordem em que os alimentos são consumidos. Especialistas em diabetes e nutrição apontam que a sequência de ingestão dos alimentos pode ter um impacto significativo no controle da glicemia, ajudando a prevenir e gerenciar doenças como o diabetes tipo 2, além de promover benefícios metabólicos e bem-estar geral.
A ciência por trás da ordem dos alimentos nas refeições
A glicose, principal fonte de energia do corpo, é essencial para o funcionamento das células. No entanto, quando sua concentração no sangue aumenta rapidamente — fenômeno conhecido como pico glicêmico —, o corpo libera insulina para normalizar os níveis. Esse processo, quando repetido excessivamente ao longo do tempo, pode levar à resistência à insulina, um precursor do diabetes tipo 2, além de contribuir para o desenvolvimento de outras condições, como obesidade, doenças cardiovasculares e até distúrbios cognitivos.
Jessie Inchauspé, bioquímica e autora do livro A Revolução da Glicose, explica que a ordem em que consumimos os alimentos pode modular a absorção da glicose. “Se você comer os ingredientes da refeição em uma ordem específica, pode reduzir o pico de glicose dessa refeição em até 75%, sem mudar a quantidade do que está comendo nem os alimentos que está ingerindo”, afirma. A sequência proposta por ela é: vegetais primeiro, seguidos de proteínas e gorduras e, por último, carboidratos e açúcares.
Por que a ordem faz diferença?
Quando consumimos vegetais ricos em fibras no início da refeição, eles formam uma espécie de “barreira” no intestino, retardando a digestão e a absorção dos carboidratos. Isso evita que a glicose seja liberada rapidamente na corrente sanguínea. Em seguida, as proteínas e gorduras ajudam a manter essa digestão mais lenta, enquanto os carboidratos, quando consumidos por último, têm seu impacto glicêmico atenuado.
Um estudo da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, reforça essa tese, mostrando que a ordem de ingestão dos alimentos pode reduzir significativamente os picos de glicose e insulina após as refeições. Essa abordagem é particularmente benéfica para pessoas com diabetes ou pré-diabetes, mas também pode ser útil para quem busca uma saúde metabólica mais equilibrada.
Benefícios além do controle glicêmico
Além de ajudar no controle da glicemia, seguir a ordem correta dos alimentos pode trazer outros benefícios à saúde. A médica endocrinologista Joana Dantas, presidente regional da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) no Rio de Janeiro, destaca que uma dieta com baixo índice glicêmico pode melhorar o humor, a energia e a saúde geral. “A redução dos picos de glicose também diminui a produção de radicais livres, que danificam as células e contribuem para o envelhecimento precoce e o desenvolvimento de doenças crônicas”, explica.
Outro ponto importante é a prevenção de compulsões alimentares. Picos de glicose seguidos de quedas bruscas podem levar a desejos por alimentos açucarados e calóricos, criando um ciclo vicioso que dificulta a manutenção de uma dieta saudável. Ao estabilizar a glicemia, a ordem correta dos alimentos ajuda a controlar o apetite e a evitar esses episódios.
Estratégias práticas para o dia a dia
Incorporar essa abordagem ao cotidiano não exige mudanças radicais na dieta. Pequenos ajustes podem fazer uma grande diferença:
Coma na ordem certa: Segundo a autora, a ordem em que ingerimos os alimentos pode alterar drasticamente a maneira como o organismo os processa. Ela afirma que, quando comemos carboidratos primeiro, eles fluem ininterruptamente do estômago para o intestino e, de lá, para a corrente sanguínea, gerando um grande pico de glicemia. Por outro lado, quando comemos fibras e proteínas antes dos carboidratos, a absorção ocorre mais lentamente, o que pode, segundo o livro, reduzir o pico glicêmico em até 73%. Assim, um mesmo prato, quando ingerido na “ordem certa”, pode ter um impacto muito mais suave sobre os processos metabólicos. A ordem correta para comer, de acordo com a autora, é a seguinte: vegetais primeiro, proteínas e gorduras depois e carboidratos por último.
Adicione uma entrada verde a todas as refeições: Esta dica está diretamente relacionada à anterior. Vegetais frescos, como os presentes em saladas verdes, contêm muita fibra, que melhora a digestão e reduz o pico glicêmico. O ideal, conforme a autora, é consumir uma salada verde em quantidade equivalente à porção de carboidratos que será ingerida depois. E, segundo a bioquímica, não há problema se isso significar comer mais em cada refeição.
Pare de contar calorias: A segunda dica nos leva à terceira. Jessie diz que “julgar um alimento com base em seu conteúdo calórico é como julgar um livro pelo número de páginas”. Ela argumenta que o mais importante é compreender quais moléculas estão sendo ingeridas, já que 100 calorias de açúcares, gorduras, proteínas ou fibras podem ter efeitos completamente diferentes sobre o organismo. Em alguns casos, como o da salada verde, aumentar o consumo diário de calorias pode ser até mais benéfico para a saúde.
Achate a curva do café da manhã: A primeira refeição do dia, após várias horas sem comer durante a noite, pode gerar um grande pico de glicose se for rica em alimentos açucarados. Esse pico, por sua vez, é capaz de desbalancear o organismo logo no início do dia, provocando compulsões alimentares que só tendem a agravar o problema. A recomendação é optar por um café da manhã salgado, algo que nós, brasileiros, já costumamos fazer.
Coma o açúcar que preferir, já que são todos iguais: A autora destaca que, do ponto de vista químico, não há diferença entre as moléculas de açúcar presentes em diferentes produtos, como mel, xaropes ou mesmo açúcar refinado. Por isso, segundo ela, não há nenhum benefício para a saúde em trocar uma variedade por outra. Ela também menciona os diversos nomes que a indústria utiliza para “camuflar” o açúcar nas listas de ingredientes dos rótulos, além de explicar que a associação com outros compostos benéficos — como os antioxidantes presentes no mel — não é suficiente para sobrepujar os danos causados pelo excesso de glicose e frutose.
Em vez de lanches doces, coma sobremesa: Com base nos conceitos explicados nas dicas 1 e 2, Jessie propõe consumir os alimentos doces logo após as refeições, e não em “lanchinhos” ao longo do dia. Dessa forma, ao serem ingeridos logo depois das fibras e proteínas, os doces acabam provocando um pico glicêmico menor. A especialista destaca ainda que o corpo entra em um estado conhecido como “pós-prandial” após as refeições, no qual ocorrem alterações metabólicas que levam ao acúmulo de gordura. Evitar os beliscos, portanto, ajuda a manter o corpo mais tempo fora desse estado.
Use vinagre antes de comer: A autora cita pesquisas que indicam que o ácido acético presente no vinagre é capaz de desativar temporariamente uma enzima que transforma amido em glicose. Nessa situação, a absorção do açúcar ocorre mais lentamente, e os picos glicêmicos diminuem. A recomendação, segundo a especialista, é beber um copo de água misturado a uma colher de sopa de vinagre imediatamente antes ou após as refeições. Se o sabor parecer intolerável, a dica é aumentar a quantidade de vinagre gradualmente.
Depois de comer, mexa-se: Uma maneira conveniente de evitar que a glicose se acumule no corpo é gastá-la assim que ela chega à corrente sanguínea. Para isso, conforme a autora, não é preciso muito: basta caminhar por 20 minutos após uma refeição. Se isso não for possível, qualquer movimento já ajuda — quando estão ativos, os músculos consomem até mil vezes mais glicose do que quando estão em repouso.
Se fizer um lanche, evite o doce: A bioquímica menciona diversas vezes o efeito nocivo dos alimentos açucarados, que contêm grande quantidade de frutose — o “irmão” da glicose, que gera ainda mais problemas. Na nona dica, no entanto, o foco são os efeitos mentais negativos do consumo excessivo de doces. Segundo a autora, os picos glicêmicos e a concentração de glicose em algumas áreas do cérebro poderiam causar cansaço, irritação e até desencadear episódios de transtornos psiquiátricos. Por isso, é melhor dar preferência a lanches salgados.
“Vista” os carboidratos: Seguindo a linha das primeiras dicas, esta sugere consumir alimentos ricos em proteínas e gorduras (como castanhas, queijos ou iogurte) quando for inevitável comer algo que gere um pico glicêmico — seja nas diversas situações sociais em que a comida está presente ou mesmo naqueles dias em que não temos tempo para preparar algo mais saudável e balanceado.
Embora a alimentação seja uma ferramenta poderosa, especialistas alertam que ela não substitui o tratamento médico. Ruy Lyra, presidente da SBD, ressalta que pessoas com diabetes podem precisar de medicamentos ou insulina, dependendo do estágio da doença. “A dieta é fundamental, mas, em alguns casos, apenas mudanças alimentares não são suficientes para controlar a glicemia”, afirma.
Além disso, Joana Dantas lembra que outras estratégias, como a prática regular de exercícios físicos e a redução do estresse, são igualmente importantes para a saúde metabólica. “O controle da glicemia é apenas uma parte do quebra-cabeça. Um estilo de vida saudável e equilibrado é essencial para prevenir e gerenciar o diabetes”, completa.
A ordem em que os alimentos são consumidos pode ser um aliado valioso no controle da glicemia e na promoção da saúde metabólica. Ao priorizar vegetais, proteínas e gorduras antes dos carboidratos, é possível reduzir os picos de glicose, prevenir doenças e melhorar o bem-estar geral. No entanto, é essencial que essas estratégias sejam adotadas em conjunto com orientações médicas e um estilo de vida saudável, especialmente para quem já convive com o diabetes ou outras condições crônicas. A ciência comprova: pequenas mudanças na alimentação podem gerar grandes impactos na saúde.