Agricultura Familiar e a Alimentação Saudável

Por Mauro Del GrossiIFZ | 03/08/2023

No próximo dia 25 de julho, celebraremos o Dia Internacional da Agricultura Familiar, uma data estabelecida pela Organização das Nações Unidas em 2014, para reconhecer a importância desta forma de produção em todo o mundo. No mundo são cerca de 550 milhões de agricultores familiares, o que corresponde a 90% dos agricultores mundiais. No Brasil, essa celebração ganha um significado especial, pois a agricultura familiar desempenha um papel fundamental na produção de alimentos e no desenvolvimento rural do país.

De acordo com o último Censo Agropecuário 2017 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) realizado em 2017, foram identificados 3,9 milhões de estabelecimentos agropecuários no Brasil, o que representa 77% do total. Esses estabelecimentos empregam diretamente mais de 10 milhões de pessoas, evidenciando o impacto socioeconômico dessa atividade.

No entanto, esses números ainda são modestos, considerando a participação dos demais produtores com gestão familiar, uma vez que a legislação impunha uma série de restrições que dificultavam o cadastro desses como agricultura familiar.

Apesar de acessarem apenas 23% das terras, os agricultores familiares são responsáveis por uma parcela significativa da produção de alimentos no país. Eles são responsáveis por 70% da mandioca, 64% do leite, 70% dos caprinos, 51% dos suínos, 60% das hortaliças, 57% dos ovinos, 49% das bananas, 42% do feijão preto, entre tantos outros produtos essenciais para a segurança alimentar da população urbana.

Além disso, em termos de renda gerada pela produção, os agricultores familiares são tão produtivos por unidade de área quanto os grandes produtores. Em média, geram R$ 132 mil a cada 100 hectares de terra (valores de 2017), mas com a vantagem de proporcionar muito mais ocupação, em torno de 13 pessoas pela mesma unidade de área, em comparação aos produtores não familiares que geram menos de 2 postos de trabalho a cada 100 hectares de terra.

Apesar do dinamismo dessa categoria, é importante destacar que muitos agricultores familiares vivem em condições próximas à pobreza, principalmente devido à dificuldade de acesso às políticas públicas de estímulo, como veremos a seguir.

Paralelamente, a Organização Mundial da Saúde alerta para o crescimento alarmante da obesidade e do sobrepeso globalmente. No Brasil mais de 60% da população apresenta sobrepeso, sendo que destes mais de 30% está obesa. Como já é bem comprovado, a obesidade trás efeitos prejudiciais de longo prazo, gerando impactos na atenção básica dos equipamentos de saúde pública. A qualidade dos alimentos consumidos, especialmente de ultraprocessados, acessíveis à população mais pobre pelo baixo custo, é uma das causas apontadas para esta epidemia de sobrepeso.

O Brasil tem uma oportunidade única de resolver esses dois problemas simultaneamente por meio da combinação de políticas públicas eficientes. É fundamental estimular a produção de alimentos saudáveis pela agricultura familiar e, ao mesmo tempo, viabilizar o consumo e incentivar hábitos alimentares adequados, especialmente o consumo de frutas, legumes e verduras, por parte da população urbana.

Na esfera da saúde, várias iniciativas já estão em andamento, como o Guia Alimentar da População Brasileira e o Guia Alimentar para Crianças Brasileiras Menores de 2 anos. Além disso, é importante parabenizar e ressaltar a obrigatoriedade de destinar 75% dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação para aquisições de alimentos in natura ou minimamente processados, na alimentação de milhões de estudantes brasileiros.

Na esfera da produção, as políticas devem incentivar a produção agroecológica, com a redução do uso de insumos químicos, como agrotóxicos e fertilizantes, por meio de uma ampla rede de assistência técnica e extensão rural. Estudos da Universidade de Brasília demonstram que os agricultores pobres podem aumentar sua produção em mais de 20% apenas com o recebimento de assistência técnica, e em aumentar em mais de 60% sua produção quando essa assistência está associada com recursos para pequenos investimentos produtivos. No entanto, é preocupante constatar que apenas 18% dos agricultores familiares recebem algum tipo de orientação técnica, de acordo com o Censo Agropecuário de 2017.

Outras políticas podem ser implementadas para estimular a oferta de alimentos saudáveis, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que adquire produtos de agricultores familiares e os destina às populações em situação de insegurança alimentar e nutricional. No mesmo sentido, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), já mencionado, também contribui para aumentar o acesso a alimentos saudáveis.

Uma das vantagens de gerar excedentes de alimentos saudáveis nos mercados locais é a queda dos preços com o aumento da oferta, permitindo que as famílias mais pobres tenham acesso a uma dieta saudável. No entanto, é necessário estabelecer mecanismos de garantia de renda para que os agricultores familiares não sejam prejudicados. Esta sensibilidade dos preços às quantidades ofertadas e demandadas explica, por exemplo, porque parte dos agricultores familiares caíram em situação de insegurança alimentar grave durante a pandemia do Covid-19, segundo o relatório Vigisan II da Rede Penssan, quando ocorreu uma redução no consumo de alimentos.

A produção de alimentos saudáveis pela agricultura familiar tem uma outra característica importante: precisam estar próximos aos centros urbanos, atendendo aos mercados locais de consumo. Nesse sentido, as Prefeituras Municipais devem desempenhar um papel ativo, cedendo espaços e estimulando feiras de agricultores, mantendo e recuperando estradas vicinais, estimulando a organização dos agricultores, entre outras ações.
Por fim, é crucial que, além das políticas voltadas para a agricultura familiar, sejam ampliar ações já exitosas nas áreas rurais de saúde, educação, transporte e mobilidade. Entretanto, o Brasil tem o desafio de superar a carência de meios de comunicação e de internet nas áreas rurais, pois segundo o Censo Agropecuário de 2017, apenas 33% dos agricultores familiares tinham acesso à rede.

A combinação dessas políticas públicas irá gerar ciclos virtuosos de renda e emprego local, como ocorreu no Fome Zero durante os governos Lula I e Lula II. Isso proporcionará novas oportunidades, especialmente para os jovens rurais, que muitas vezes são obrigados a abandonar o campo devido à falta de perspectivas futuras.

Investir na agricultura familiar é investir na segurança alimentar, no desenvolvimento rural e na saúde da população. É uma oportunidade de promover a sustentabilidade e o bem-estar, garantindo um futuro próspero para o campo e para a cidade.

Mauro Del Grossi é Professor da Universidade de Brasília – UnB e membro do Instituto Fome Zero