Amazônia concentra insegurança alimentar e exige transição justa nos sistemas agroalimentares

  • Tempo de leitura:4 minutos de leitura

Blog do IFZ | 30/08/2025

Um novo relatório, Sistemas Agroalimentares e Amazônias: soluções para impulsionar uma transição justa e regenerativa, lançado pela rede “Uma Concertação Pela Amazônia” em agosto de 2025, traz um alerta contundente: a região amazônica, apesar de abrigar a maior biodiversidade do planeta e uma das maiores reservas de água doce, concentra hoje alguns dos piores índices de insegurança alimentar do Brasil.

De acordo com o II Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar (Vigisan II), quase metade da população do Norte vivia em 2022 sem acesso suficiente a alimentos e água potável. Essa taxa supera a média nacional e revela o contraste entre a abundância natural da região e as privações de grande parte de seus habitantes. A precariedade da infraestrutura, a dependência do transporte fluvial e o impacto de secas históricas – como a de 2023, quando 3,3 milhões de hectares de superfície de água desapareceram – agravam o cenário, encarecendo alimentos e ampliando a presença de ultraprocessados nas mesas amazônicas.

A publicação destaca que, enquanto a Amazônia respondeu em 2023 por 48% das emissões brasileiras de gases de efeito estufa, sua participação no PIB nacional permanece reduzida. Ou seja, a região sofre com um modelo econômico de baixo retorno social e ambiental, baseado em monoculturas e na pecuária extensiva, que resultaram na perda de mais de 83 milhões de hectares de florestas primárias em três décadas.

O relatório também faz comparações com outras regiões do país: o Norte apresenta índices de insegurança alimentar superiores aos do Nordeste, onde a seca historicamente foi a principal causa de fome, e muito acima do Sudeste e Sul, que têm melhores indicadores de desenvolvimento humano. Essa disparidade escancara as desigualdades estruturais que afetam os povos amazônicos, especialmente comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhas e agricultores familiares.

Apesar do quadro alarmante, o estudo aponta caminhos concretos. Entre eles, destaca-se a adoção de sistemas agroflorestais, práticas agroecológicas, manejo sustentável da biodiversidade e integração lavoura-pecuária-floresta. Essas soluções já existem no território, mas precisam de escala e apoio institucional. O fortalecimento do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), com foco em circuitos curtos e produção local, é visto como estratégico para reconectar oferta e consumo de alimentos saudáveis.

Outro ponto central é a necessidade de reconhecer e proteger os direitos territoriais de povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos, condição indispensável para que práticas tradicionais e inovadoras caminhem juntas em prol da segurança alimentar e da conservação da floresta.

O documento recomenda ainda reorientar subsídios e crédito rural, hoje concentrados em atividades predatórias, para modelos inclusivos baseados na sociobiodiversidade; criar mecanismos de rastreabilidade e certificação participativa; e ampliar a assistência técnica voltada para agroecologia e bioeconomia.

A mensagem é clara: a Amazônia não pode mais ser vista apenas como fornecedora de commodities para o mercado global. É preciso valorizar seu potencial único de produzir alimentos saudáveis, regenerar ecossistemas e garantir dignidade para suas populações. Em vez de respostas fragmentadas, a transição exige um novo pacto político e institucional que articule governos, setor privado e sociedade civil em torno da justiça social, da diversidade cultural e da sustentabilidade ecológica.O relatório conclui que “na Amazônia, comida é solução climática”. E para que isso se concretize, será necessário enfrentar privilégios históricos, superar barreiras logísticas e priorizar quem vive e produz no território. O futuro da segurança alimentar do Brasil – e, em grande medida, do planeta – passa pelas escolhas feitas hoje para os sistemas agroalimentares amazônicos.

Baixe aqui o relatório “Sistemas Agroalimentares e Amazônias: Soluções para impulsionar uma transição justa e regenerativa

Baixe aqui o estudo “Propostas para as Amazônias: Dados reunidos para uma visão integrada do território

Baixe aqui a apresentação sumário “Propostas para as Amazônias: Sistemas Agroalimentares