Nos últimos anos, o combate à fome no Brasil tem assumido contornos que revelam avanços significativos e, ao mesmo tempo, desafios persistentes
Por João Pedro Magro no GGN | 17/10/2024
Baixe aqui o I Inquérito sobre a Situação Alimentar no Município de São Paulo
Participação na Live GGN sobre Fome e Desnutrição em São Paulo
A dinâmica recente da fome no Brasil apresenta aspectos que merecem uma análise mais profunda, tanto em nível nacional quanto na cidade de São Paulo. Entre 2022 e 2023, observamos uma redução da fome e da insegurança alimentar que guarda semelhanças com o período de 2003 a 2013. Em 2013, cerca de 77% da população brasileira se encontrava em segurança alimentar, e agora, em 2023, essa taxa está em 72,4%. Esses números indicam uma expertise já consolidada no combate à fome, sustentada por políticas públicas eficazes e uma estrutura sólida de assistência social.
Mesmo com a dissolução do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) em 2018, o Brasil manteve um nível de compromisso no combate à fome, graças à vontade política de garantir o direito humano à alimentação adequada. Isso foi reforçado pela manutenção dos gastos sociais durante a transição política e pela continuidade de programas de transferência de renda, além da interação com iniciativas como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).
A fome no Brasil, tanto em 2013 quanto em 2023, permanecia estável em cerca de 4% da população vivendo em insegurança alimentar grave, o que configura uma fome estrutural da sociedade brasileira – mas não aceitável. No entanto, um fenômeno novo observado foi a expansão da insegurança alimentar em domicílios no estado de São Paulo entre 2018 e 2023. Uma característica importante a ser destacada é que, enquanto 85% da população brasileira em insegurança alimentar vive em áreas urbanas, no estado de São Paulo esse percentual sobe para 96,5%. Comparativamente, o Norte do Brasil apresenta quase um quarto – 22% – de sua população em insegurança alimentar no meio rural.
Em São Paulo, a fome é um problema eminentemente urbano, e o I Inquérito sobre a Situação Alimentar no Município de São Paulo trouxe dados inéditos que destacam os fatores que condicionam essa insegurança alimentar. Mais de 50% da população da cidade de São Paulo, ou seja, cerca de 5,8 milhões de pessoas, vivem em insegurança alimentar. Entre os principais fatores identificados estão a precarização do trabalho, a compressão da renda devido ao alto custo com aluguel e financiamentos, e a localização dos domicílios. Aproximadamente 72% dos lares em insegurança alimentar estão concentrados na periferia da cidade. Ou seja, a insegurança alimentar se concentra em sua grande maioria nas regiões urbanas, onde, em tese, os moradores teriam mais fácil acesso aos dispositivos e políticas públicas. Temos um Brasil inacessível bem perto de nós.
Para enfrentar essa fome estrutural, especialmente nas áreas urbanas, é fundamental que se promova um debate público que não só aborde a fome em si, mas também a qualidade alimentar e o acesso a uma dieta socialmente aceitável e nutricionalmente adequada. A articulação entre os níveis federal, estadual e municipal é essencial para garantir o direito à alimentação, com políticas públicas que já demonstraram sucesso, como o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN).
Por fim, a integração das políticas municipais com dispositivos sociais já instalados, como as cozinhas solidárias e comunitárias, é essencial para alcançar as populações mais vulneráveis. Em São Paulo, a região economicamente mais rica do país, o desafio é assegurar trabalhos dignos e estáveis, ao mesmo tempo em que se busca atender a população carente. A fome, embora tenha diminuído em números gerais, continua sendo um desafio urgente, especialmente nas periferias urbanas.
O Brasil agora lida com uma fome estrutural, principalmente nas regiões urbanas, e para acabar com ela, é necessário entender seu funcionamento e dispersão; o I Inquérito sobre a Situação Alimentar no Município de São Paulo nos traz esse tipo de informação. Além disso, a vontade política para o alinhamento entre as esferas federal, estadual e municipal é essencial para a garantia do DHAA (Direito Humano à Alimentação Adequada), por meio da convergência entre as legislações e políticas públicas. A forma de chegarmos a esse “Brasil inacessível”, agora, em grande parte, localizado nos municípios urbanizados, é através da execução de políticas públicas que são apoiadas pela federação, mas se dão principalmente no município. Essas políticas devem ser implementadas de forma integrada aos mecanismos e dispositivos sociais que vêm ganhando notoriedade; uma recente ponta de lança para o avanço nas microrregiões urbanas do SISAN são justamente as cozinhas solidárias e comunitárias.
Este é um ponto crucial que devemos levar em consideração ao analisarmos a dinâmica da fome em São Paulo e no Brasil.
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