Avanços na COP 28: Combustíveis fósseis e segurança alimentar e nutricional

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Por Clayton Campagnolla | 24/01/2024

Desacelerar o aumento da temperatura global e adaptar os sistemas alimentares diante das mudanças climáticas são os principais desafios que o mundo terá que enfrentar a partir de agora. No final do ano passado, representantes dos cinco continentes se reuniram na COP 28 para tentar achar soluções a essas questões, contemporâneas e provocadoras, que atingem a todos os países. 

Ambas as situações já viraram realidade, a começar pelo esperado aumento da temperatura global, que registrará o acréscimo de 2,1°C a 2,8°C em 2050, se forem mantidas as atuais Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs). Vale lembrar que no ano passado, o aumento já foi de 1,4°C.

Da mesma forma, será necessário empreender esforços mundiais para proteger os sistemas agroalimentares dos países, sob pena de se aumentar a fome e a insegurança alimentar em todo o mundo, inclusive, nas nações mais ricas.

Não podemos subestimar os avanços alcançados na A COP 28, que chegou  ao seu final com decisões abrangentes e ambiciosas. Um dos grandes avanços, de certo modo inesperado, é que os países ricos vão melhorar a operacionalização de um fundo para perdas e danos causados pelas mudanças climáticas, incluindo a mobilização de mais de US$ 85 bilhões em novos compromissos financeiros, garantindo responsabilidades antecipadas e fornecendo uma estrutura para o Objetivo Global de Adaptação.

Nessa perspectiva, os países desenvolvidos reafirmaram o compromisso de mobilizar US$100 bilhões por ano até 2025 para apoiar os países em desenvolvimento na mitigação e adaptação às mudanças climáticas, além de aumentar o financiamento para a adaptação a 50% do total. 

As decisões tomadas pelos países são, de certa forma, avançadas, ainda que omitam alguns problemas que terão de ser enfrentados. O foco das deliberações ficou centrado na redução de emissões, adaptação, financiamento global e abordagem de perdas e danos. A Conferência enfatizou um futuro sustentável, incluindo pela primeira vez o tema da transição energética para além dos combustíveis fósseis, triplicando a capacidade de produção de energia renovável (solar, eólica e hidrogênio) e dobrando a taxa média anual global de eficiência energética, com o intuito de reduzir as emissões de gases do efeito estufa (GEE).

Venceram a ciência e os cientistas que conseguiram convencer os países que é viável estabelecer uma rota rumo à descarbonização da energia. Os países concordaram que seja feita uma transição justa e inclusiva, apoiando as pessoas empregadas em setores dependentes dos combustíveis fósseis com treinamento, oportunidades e recursos. No entanto, não há ainda compromissos assumidos em relação a prazos nem metas de redução de emissões.

Porém, até agora, os resultados não são tão animadores como deveriam, e esbarram na própria avaliação de que as NDCs expõem disparidades globais e insuficiências no sistema agroalimentar. A FAO analisou 217 documentos de 2013 a 2023, notadamente de 2022 e 2023, os quais revelam foco na mitigação de GEE em detrimento da adaptação e resiliência para a segurança alimentar e nutricional. 

O dado positivo é que pela primeira vez foi feita uma avaliação dos efeitos das atuais NDCs, submetidas pelos países para atingir a meta de manter o aquecimento global em até 1,5°C, em relação ao nível pré-industrial, como foi firmado no Acordo de Paris. Isso significa que será possível aferir de que forma cada país está contribuindo para cumprir o Acordo.

Com os desdobramentos da COP 28, fica evidente que na COP 29, no Azerbaijão, o foco será no financiamento, tributação e estrutura financeira para operacionalização e controle; e na COP 30, em Belém, os esforços estarão voltados para integrar ações prioritárias referentes a perdas e danos com o financiamento disponibilizado. Os países também aprovaram um novo plano de ação para a natureza, que visa proteger e restaurar os ecossistemas, promover a biodiversidade e reconhecer os direitos e o papel dos povos indígenas e das comunidades locais na gestão dos recursos naturais.

No caso dos alimentos, aprovou-se a Declaração sobre Agricultura Sustentável, Sistemas Alimentares Resilientes e Ações Climáticas, com destaque para que a agricultura e os sistemas alimentares se adaptem e se transformem urgentemente para responder às mudanças climáticas. Entre os objetivos destacam-se: 1) intensificação das atividades e respostas para a adaptação e resiliência visando reduzir a vulnerabilidade de agricultores e pescadores aos impactos das mudanças climáticas, provendo a segurança alimentar, a produção e nutrição sustentáveis, preservando e restaurando a natureza; 2) promoção da segurança alimentar e nutricional, aumentando os esforços para apoiar as pessoas vulneráveis por meio de abordagens como sistemas de proteção social e redes de proteção, programas de alimentação escolar e compras públicas, pesquisa e inovação direcionadas e com foco nas necessidades específicas de mulheres, crianças e jovens, povos indígenas, agricultores familiares, comunidades locais, entre outros; e 3) fortalecimento da gestão integrada da água na agricultura e nos sistemas alimentares em todos os níveis, para garantir a sustentabilidade e reduzir os impactos adversos nas comunidades que dependem dessas áreas inter-relacionadas. 

Para viabilizar esses objetivos a Declaração propõe, entre outros: 1) buscar um engajamento amplo, transparente e inclusivo para integrar a agricultura e os sistemas alimentares nos Planos Nacionais de Adaptação, Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), Estratégias de Longo Prazo, Estratégias Nacionais de Biodiversidade e Planos de Ação e outras estratégias relacionadas antes da COP 30; 2) revisitar ou orientar políticas públicas relacionadas com a agricultura e os sistemas alimentares para aumentar os rendimentos, reduzir as emissões de GEE e reforçar a resiliência, a produtividade, os meios de sustento, a nutrição, a eficiência hídrica e a saúde humana, animal e dos ecossistemas, reduzindo também as perdas e desperdícios de alimentos; e 3) acelerar e intensificar a ciência e as inovações baseadas em evidências – incluindo o conhecimento local e indígena – que aumentem a produtividade e produção sustentável da agricultura, promovam a resiliência dos ecossistemas e melhorem os meios de sustento, inclusive para comunidades rurais e agricultores familiares.

Rota global para os sistemas agroalimentares

Nesta COP, a FAO lançou uma rota global para atingir as metas do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 2 (ODS 2) respeitando o limite de aquecimento de 1,5°C. Adotou-se como princípio que os sistemas agroalimentares devam dar resposta às necessidades de segurança alimentar e nutricional, mas devem incorporar um grande número de ações alinhadas com os objetivos de mitigação, adaptação e resiliência. A rota desenvolvida envolve 10 temas – pecuária, pesca e aquacultura, cultivos, dietas saudáveis, florestas, solo e água, perdas e desperdícios de alimentos, energia limpa, políticas inclusivas e acesso a dados e monitoramento –, 120 ações e um conjunto de marcos intermediários e metas até 2050.

Apesar de almejar a meta limite de aquecimento em 1,5°C, esforços significativos de adaptação dos sistemas agroalimentares são cruciais. Sem a adaptação adequada, o fornecimento futuro de alimentos e boa nutrição, especialmente para populações vulneráveis e países de baixa e média renda que enfrentam desafios agrícolas, estarão em risco.

Por fim, constata-se que ainda há muito a avançar para que as metas de aquecimento global sejam atingidas. Os desafios são muitos e de diferentes naturezas. Especificamente na produção de alimentos, os países ricos se preocupam mais com a redução de emissões de GEE, enquanto os países em desenvolvimento sofrem com os impactos dos eventos climáticos extremos devido à baixa adaptação e resiliência de seus sistemas alimentares a tais ocorrências. Para tanto, é necessária uma mobilização global, com cooperação, recursos financeiros, ciência e esforços mútuos, para que todos os países se engajem no desafio climático antes que seja tarde demais.

Clayton Campagnolla é Coordenador de Clima e Alimento do Instituto Fome Zero, ex-Presidente da Embrapa e ex-Líder do Programa de Agricultura Sustentável da FAO-Roma.

Este artigo foi publicado no Cadernos de Gestão Pública e Cidadania da Fundação Getúlio Vargas
https://periodicos.fgv.br/cgpc/announcement/view/221
Também foi publicado na versão impressa do jornal “O Estado de Minas“, em 22/01/2024
Imagem da publicação https://ifz.org.br/download/8363/?tmstv=1706109890&v=8364