Brasil voltou a sair do Mapa da Fome

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Por Jorge Meza, representante da FAO no Brasil | 14/08/2025

No triênio de 2022 a 2024, o Brasil registrou, em média, menos de 2,5% da população em situação de subalimentação. Esse é o último dado do relatório O Estado da Segurança Alimentar e Nutricional no Mundo (SOFI), 2025, produzido em conjunto por cinco agências da ONU. Isso significa que o país, de acordo com o critério técnico adotado pelos países membros da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) sai do Mapa da Fome.

O Brasil já havia saído do Mapa da Fome em 2014, após mais de uma década de fortalecimento da rede de proteção social e de investimentos em segurança alimentar e nutricional. No entanto, após a mudança nas prioridades das políticas públicas e pelos impactos da pandemia da COVID-19, voltou a constar no Mapa em 2021. A recuperação mostra que, com vontade política, participação social e coordenação entre esferas de governo, é possível reverter retrocessos em pouco tempo. Os dados de insegurança alimentar grave também são positivos: houve uma redução de 6,6% entre 2021 e 2023 para 3,4% no último triênio (2022-2024). São quase 7 milhões de pessoas que deixaram essa situação.

Desde 2023, o país reativou o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional e restabeleceu o papel do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, com forte participação da sociedade civil. Ações como a ampliação do Programa de Aquisição de Alimentos e da alimentação escolar, a valorização e financiamento da agricultura familiar foram fundamentais nesse processo.

Além disso, apesar de as políticas de transferência de renda seguirem desempenhando um papel central no combate à fome no país, a inclusão produtiva assumiu papel de destaque. A renda do trabalho dos mais pobres do Brasil cresceu 10,7% em 2024, e cada vez mais famílias deixaram voluntariamente o Bolsa Família com base no aumento da renda. Dos 1,7 milhão de empregos formais criados no país no ano passado, 98,8% foram ocupados por pessoas inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais, que identifica e caracteriza famílias de baixa renda. Paralelamente, as políticas para a redução da pressão inflacionária sobre o preço dos alimentos têm tido sucesso.

A urbanização da fome também passou a ser enfrentada com mais clareza. Afinal, hoje, mais da metade das famílias brasileiras em risco grave de insegurança alimentar vivem em cidades com mais de 100 mil habitantes. Nesse contexto, a ampliação de cozinhas solidárias e bancos de alimentos, o apoio à agricultura urbana e a promoção de ambientes alimentares saudáveis nos centros urbanos tornaram-se ações prioritárias, como a estratégia Alimenta Cidades.

Certamente é importante continuar trabalhando em melhorar a qualidade da alimentação da população. Para isso, é necessário educar e motivar as pessoas para consumirem alimentos mais saudáveis. Infelizmente, o custo de uma dieta saudável ainda é elevado. Segundo o SOFI, o custo diário por pessoa de uma alimentação saudável no Brasil em 2024 foi de US$ 4,69, acima da média global de US$ 4,46.

Porém, a experiência brasileira mostra que combater a fome vai muito além da oferta de alimentos — exige coerência nas políticas públicas, participação social ativa e vontade política. Sair do Mapa da Fome não é apenas um dado estatístico, mas a reafirmação de um pacto nacional baseado em direitos, que coloca a dignidade humana no centro das decisões.

Esse compromisso também se projeta para além das fronteiras do país. A criação da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, lançada sob liderança brasileira durante a presidência do G20, busca justamente fortalecer a cooperação internacional e mobilizar recursos para os países mais afetados. 

O exemplo do Brasil demonstra que é possível avançar rumo a um futuro com segurança alimentar para todas as pessoas. 

Artigo publicado pelo jornal O Estado de São Paulo em 4 de agosto de 2025 e republicado pela ONU Brasil